Rudá Ricci Profile picture
Sociólogo, trabalho com educação e gestão participativa. Presido o Instituto Cultiva

Jul 28, 2021, 15 tweets

Bom dia. Farei um fio sobre a calamidade em que grande parte de nossas crianças e adolescentes estão vivendo nesses 17 meses de pandemia em que estamos atolados na pandemia. Há algo tenebroso que não está chegando à tona. Lá vai.

1) numa cidade em que nossa equipe do Instituto Cultiva está atuando, analisamos nos últimos dez dias diversos dados coletados junto às famílias dos estudantes da rede pública de ensino. Os dados foram nos sufocando, dada a precariedade e urgências encontradas.

2) Antes, um dado sobre professores. Realizamos várias pesquisas junto ao corpo docente de vários Institutos Federais. Trata-se de uma amostra de um segmento específico. Contudo, pode significar uma tendência. Metade dos professores têm filhos em casa em idade escolar.

3) Os filhos dos professores, assim como eles próprios, estão estudando remotamente, já que as aulas presenciais foram suspensas. Os pais afirmam que dedicam um mínimo de 5 horas diárias para cuidar dos filhos. E, assim, a residência se confunde com local de trabalho e lar

4) O casal de pais (ou responsáveis) divide tarefas domésticas, cuidado com os filhos, planejamento de suas aulas e execução das aulas remotas. O dia de 24 horas não é o bastante. Resultado: 41% afirmam que os conflitos familiares aumentaram durante a pandemia.

5) A situação é ainda mais grave porque, segundo o IBGE, as mães nunca dedicam menos de 30% de seu tempo semanal para os afazeres domésticos e o cuidado com sua família. Já nós, pais, nunca dedicamos mais que 15% do nosso tempo semanal para as mesmas tarefas.

6) Então, o clima familiar para crianças e adolescentes está pesado em quase metade dos lares brasileiros. Mas, imaginem uma família monoparental, onde um dos pais residem com seus filhos. A mãe está sobrecarregada, perdeu renda durante a pandemia.

7) O que estamos observando é que grande parte dos estudantes com queda brusca de aprendizagem ou total ausência de contato com a escola durante este período pandêmico vive situações assim: pais com saúde mental abalada, mães sobrecarregadas, renda familiar em queda, abandono

8) Crianças ficam sozinhas em sua residência ou ficam o dia todo nas ruas. Em alguns casos, são cuidadas por irmãos mais velhos ou por vizinhos. Muitos pais entregando seus filhos às avós. Muitos registros de fome.

9) Pior: grande parte das crianças e adolescentes que se encontram nesta situação não sabem (eles e seus pais ou responsáveis), se retornarão à escola com a volta às aulas presenciais. Há dois motivos para esta dúvida que envolve 30% dos adolescentes e jovens entre 15 a 29 anos

10) O primeiro motivo é a complementação de renda familiar: o trabalho infanto-juvenil explodiu no Brasil no último ano. Estamos voltando ao século XIX. O outro motivo é a frustração com a postura fria que as escolas adotaram durante o período pandêmico.

11) Noss@s alun@s desejavam que a escola fossem seu porto-seguro. No último ano, esperavam que as suas escolas dessem suporte emocional. Não queriam aprender conteúdos novos. Queriam cuidado, acolhida. E não foi isso que receberam.

12) A frieza e objetividade cartesiana de nosso sistema de ensino se choca com a realidade de precariedade e abandono que parte de nossas crianças e adolescentes estão vivenciando. Uma parte que se declara majoritariamente parda ou negra, pobre, sem segurança alimentar.

13) Enfim, estamos dando passos largos para o passado, para o atraso, para a decomposição da identidade nacional, da crença na sociedade. Estamos plantando as condições para uma imensa evasão escolar, para o aumento do trabalho infanto-juvenil.

14) Há quem se preocupe com o atraso acadêmico de nossas crianças e adolescentes. Essa gente está distante das ruas e de suas vidas. Desconhecem o seu cotidiano. Nossas crianças e adolescentes vivem num mundo inóspito, muitos não vislumbram um futuro Este é o ponto. (FIM)

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