Mellanie F. Dutra Profile picture
Biomédica, Neurocientista/Bioquímica, Pesquisadora, Professora e TEDx Speaker | Saúde e Ciências | Ela/Dela | 🇧🇷 | #DefendaoSUS

Nov 10, 2021, 31 tweets

Estudo da @NatureComms demonstra que vírus muito relacionados ao vírus SARS-CoV-2 (responsável pela pandemia da COVID-19) já circulavam desde 2010 em Camboja🇰🇭, adicionando mais uma evidência da origem a partir da evolução (e não do laboratório) desse vírus

Bora ler 🧶👇

Em julho desse ano, fiz um fio comentando um artigo da @CellCellPress sobre novas identificações de coronavírus em morcegos🦇, nos dando mais indicativos sobre sua origem evolutiva

A busca pela origem e os reservatórios (animais que podem abrigar o vírus na natureza) é bastante desafiadora. Onde começou, de fato? Em qual animal? Para onde o vírus foi? Recontar essa história não é fácil e requer um extenso estudo, mas a busca precisa ser feita

Acredita-se que os morcegos-ferradura🦇 (gênero Rhinolophus) sejam o principal reservatório natural de coronavírus relacionados à SARS, também chamados de Sarbecovírus. Outros estudos demonstraram, também, outros possíveis reservatórios

Uma alta diversidade de espécies de coronavírus foi encontrada em 🦇Rhinolophus coletados em várias províncias da China🇨🇳, e o presente artigo, inclusive, aponta que o sudeste da Ásia é uma região crítica para o monitoramento de novos coronavírus nature.com/articles/s4146…

Na província de Yunnan🇨🇳, estudos observaram que alguns 🦇-ferradura abrigavam coronavírus MUITO próximos ao SARS-CoV-2, comentei alguns deles neste fio. São eles: RaTG13 (sequenciado em 2013), RmYN02 (2019), RpYN06 (2020)

Mais de 25% da diversidade de morcegos do mundo é encontrada no sudeste da Ásia. Outros coronavírus foram encontrados fora da China, com uma proximidade imensa ao SARS-CoV-2, como descrito abaixo:

No presente trabalho, mais 2 coronavírus MUITO próximos ao SARS-CoV-2 foram encontrados, dessa vez em Camboja🇰🇭. Os autores avaliaram 430 amostras arquivadas de seis famílias de morcegos e duas famílias de mamíferos carnívoros nature.com/articles/s4146…

Essas duas sequências de material genético de coronavírus encontrada nas amostras revelaram uma íntima relação com SARS-CoV-2, exibindo 92,6% de identidade nas sequencia de nucleotídeos, isto é, as "letrinhas do DNA", em todo o genoma

São o RshSTT182 e o RshSTT200

Apesar da distância geográfica com o SARS-CoV-2 identificado na China, a análise filogenética usando sequências de genoma completo mostra que RshSTT182 e RshSTT200 representam uma sublineagem de vírus relacionados com SARS-CoV-2 (em laranja)

Em várias regiões do genoma*, o RshSTT182 e o RshSTT200 estão geneticamente mais próximos do SARS-CoV-2 do que QUALQUER outro vírus intimamente relacionado descoberto até o momento

*incluindo a região que vai de nsp4 a nsp8 dentro de orf1a

Sabemos que os sarbecovírus podem realizar várias recombinações em sua história. Essa troca genética já tinha sido discutida em outros trabalhos, como trago nesse fio:

Os autores descobriram que o RshSTT182 e o RshSTT200 também são "vírus de mosaico", ou seja, que podem ter passado por eventos de recombinação, adquirindo elementos genéticos de outros coronavírus-parentes próximos na sublinhagem do SARS-CoV-2.

Curiosamente, ambas as regiões mostrando alta similaridade com SARS-CoV-2 (nsp4 a 8 dentro de orf1a e orf8) se sobrepõem com regiões identificadas como recombinantes. Isso nos dá uma pista imensa da história do SARS-CoV-2

Que? Como assim Mell?

Todos esses elementos sugerem uma co-circulação de ancestrais dessas sub-linhagens virais com uma área geográfica mais ampla, e espécies de morcegos mais distintas do que aquelas previamente identificadas.

Aí entramos no ponto-chave que abordo nesse fio:

Para uma análise de risco, com o intuito de entender a gama de hospedeiros (incluindo humanos) e a patogênese associada a esta sub-linhagem SARS-CoV-2, os autores realizaram modelagens de homologia

A análise sugere que o subdomínio externo da estrutura do domínio de ligação ao receptor de pico (RBD, que liga no receptor de nossas células para o vírus entrar) é altamente semelhante ao SARS-CoV-2!

Para termos uma ideia: 5 dos 6 resíduos de aminoácidos (estruturas que formam as proteínas) relatados como os principais determinantes da ligação eficiente do receptor do SARS-CoV-2 ao receptor ACE2 de humanos SÃO CONSERVADOS ou seja, é igualzinho ao do SARS-CoV-2

Porém, as partículas virais que tinham a Spike do RshSTT200 não conseguiram HEK293T que expressam o ACE2 humano. Isso sugere que, provavelmente, para permitir a infecção e a transmissão subsequente, houve adaptações nessa região para tal

Resumindo: temos MUITOS achados importantes/interessantes:
1⃣ Os vírus relacionados ao SARS-CoV-2 têm uma distribuição geográfica muito mais ampla do que se entendia anteriormente e provavelmente circulam por meio de várias espécies de Rhinolophus🦇

2⃣Os pangolins, bem como os membros da ordem Carnivora, especialmente as famílias Viverridae, Mustelidae e Felidae são suscetíveis à infecção por SARS-CoV-2, podem representar hospedeiros intermediários para transmissão a humanos e não devem ser ignorados na vigilância na região

É preciso ter uma amostragem maior de regiões em Mianmar🇲🇲, Laos🇱🇦, Tailândia🇹🇭, Camboja🇰🇭 e Vietnã🇻🇳, além das províncias de Yunnan e Guanxi da China🇨🇳, ligando a área de amostragem dos vírus mais próximos ao SARS-CoV-2 identificados até o momento

3⃣O sudeste da Ásia, que hospeda uma grande diversidade de vida selvagem e onde existe amplo comércio e contato humano com hospedeiros selvagens de coronavírus semelhantes ao SARS, pode representar uma área a ser considerada na busca contínua pelas origens do SARS-CoV-2

A região está passando por mudanças dramáticas no uso do solo, como desenv. de infraestrutura, desenvolvimento urbano e expansão agrícola, que podem aumentar o contato entre morcegos, outros animais selvagens e humanos.

Já vi isso em algum lugar...

A vigilância contínua e ampliada de morcegos e outros animais selvagens importantes no sudeste da Ásia é, portanto, um componente crucial para a preparação e prevenção de uma pandemia futura. Mas precisamos lembrar que existem muitos sítios fora de lá, que precisam ser cuidados

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