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"É com a cabeça enterrada no esterco que as sociedades moribundas soltam o seu canto do cisne". (Aimé Césaire) Professor. Pai do Pedro.

Dec 12, 2021, 9 tweets

Sabem o que acho mais incrível nesse "revival" da escravidão no Sul dos Estados Unidos?

É que botar alguém pra cavar cebolas com a própria mão, sob a mira de uma escopeta, é mais barato do que uma colheitadeira.

Tipo, tudo que a gente avançou em direitos humanos, à custa de muita luta, de muito sangue, de muito suor e lágrimas, esbarra sempre nesse sentido: é mais barato escravizar os sujeitos.

Disso decorre um argumento liberal de que a escravidão não amplia o mercado consumidor, que o sujeito sem liberdade e sem renda não compra e por aí vai.

Mas no atual estágio do capitalismo hoje, que a expansão do mercado consumidor não é desejável para muita gente...

...qual o problema de colocar pessoas sob a mira de uma escopeta para elas cavarem cebola? Elas não vão comer essas cebolas. Se comerem, vão ter que pagar. E se não tiverem dinheiro, vão trabalhar até pagar. Win-win situation, né não?

O "único" problema é moral. É social. É humano.

Mas todos esses problemas podem ser colocados de lado se o preço da cebola estiver baixo o suficiente para exigir uma mão-de-obra em estado de miséria. Ou de escravidão.

Eu sou Polanyista nessa (não confundir com "poliano"): se a gente separou a economia da sociedade e tá confortável com essa separação, então tudo que é imoral e condenável do ponto de vista social, sempre vai ter um cretino pra dizer que, imoral, ou não, aquela prática dá lucro.

E aí, claro, a tristeza de constatar que os cretinos se disseminam em todos os lugares da vida social exatamente para dizer que é assim, que o "econômico" tem que ser levado em conta. O famoso "veja bem", ou "vou bancar o advogado do diabo".

Gente que acha que o agro é pop ao falar do escravismo colonial na cana de açúcar, que defende que o garimpo ilegal que mata crianças indígenas é atividade econômica como qualquer outra, que acha que venda de órgãos pode gerar distribuição de renda...tá todo mundo aí.

Todo mundo defendendo que existe o econômico e o social. Que o primeiro é tão ou mais importante que o segundo. E que no fundo, é capaz até de perguntar: mas afinal, qual o problema de mandar pessoas cavarem cebolas com suas próprias mãos sob a mira de um fuzil?

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