Pensar a História Profile picture
"Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade". Karl Marx

Jan 31, 2022, 22 tweets

"As pessoas se incomodam com o pobre tendo carro ou andando de avião”. Foi assim que o ex-presidente Lula respondeu a uma crítica sobre as filas nos aeroportos brasileiros durante uma palestra sediada na Universidade Federal do ABC em julho de 2013.

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"Em 10 anos, fizemos com que 53 milhões começassem a andar de avião. Claro que tem problema em aeroporto." Meses depois, em uma cerimonia de aniversário de 10 anos do Bolsa Família, Lula insistiria no tema: "Eu sei que incomoda muita gente que os pobres estão evoluindo."

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"A patroa bota um perfume à noite para ir jantar e a empregada vem de manhã com o mesmo perfume. (...) O cidadão vai para o aeroporto, chega lá está a empregada dele com a família no avião, pegando o lugar dele", disse Lula.

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As falas de Lula foram duramente criticadas pela imprensa. O discurso foi rotulado como demagógico, irresponsável e populista. Os jornais afirmavam que o ex-presidente tentava "dividir a sociedade" - como se esta já não estivesse dividida há séculos".

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A observação de Lula, entretanto, estava correta. A ascensão dos pobres criou um profundo mal estar nas classes médias e na elite, que interpretaram o avanço das camadas menos favorecidas da sociedade como um processo de perda de status e de privilégios.

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Em um país tão socialmente segregado quanto o Brasil, onde as relações sociais foram forjadas pela dinâmica da exploração e da escravidão, as aparências, o status social e a ostentação de poder aquisitivo têm enorme importância nas dinâmicas de sociabilização.

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Um celular caro, um carro novo, uma roupa de grife e até mesmo uma viagem são ferramentas de afirmação social que, no imaginário popular, garantem respeitabilidade. Nesse contexto, a mobilidade social no governo Lula teve um profundo impacto psicológico na sociedade.

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Durante o governo Lula, 60% dos brasileiros tiveram incremento de renda e 36 milhões saíram da miséria. Formou-se uma nova classe média que, embora despida de status, logrou concentrar um importante poder de consumo.

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Essa nova classe média passou a comprar carro, casa, frequentar restaurante, fazer cursos, viajar, etc. O potencial de consumo alimentou um sentimento de bem estar, fomentando um novo ciclo de investimentos e a criação de novos nichos econômicos voltados à classe C.

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O ingresso desses consumidores emergentes em espaços até então relegados à elite e à classe média tradicional causou atritos, desconforto e reações violentas - um desejo visceral de "devolver" a nova classe média ao seu "devido lugar".

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O exemplo mais bem acabado desse fenômeno é um texto de Danuza Leão, publicado na Folha em 2012, em que, com desconcertante sinceridade, a socialite se queixa do fato de que "ser rico perdeu a graça", demonstrando inconformidade com o fenômeno da ascensão social.

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"Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio", pontua a socialite, mostrando-se irritada porque não pode mais "se diferenciar do resto da humanidade", pois "todos têm acesso a absolutamente tudo"...

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...uma vez que os emergentes agora podem parcelar tudo "pagando módicas prestações mensais". E conclui que viajar para Nova York ou Paris perdeu o encanto, pois agora, "por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual é a graça?".

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Danuza pode ter sido a mais vocal, mas estava longe de ser a única personalidade afluente incomodada com a ascensão dos emergentes.

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Em novembro de 2010, por exemplo, o apresentador Luiz Carlos Prates, da RBS - retransmissora da Rede Globo em Santa Catarina -, fez um comentário raivoso atribuindo o aumento dos acidentes de trânsito à popularização dos automóveis no Brasil.

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Prates se queixou do fato de que agora "qualquer miserável pode comprar um carro", o que, na sua visão, ocorreu graças a "este governo espúrio que popularizou, pelo crédito fácil, o carro para quem nunca tinha lido um livro".

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Em 2014, Rosa Marina de Brito Meyer, professora de letras da PUC-RJ, fez uma publicação nas redes sociais zombando de um passageiro que aguardava para embarcar no mesmo avião onde ela viajaria, ironizando com a legenda: "Aeroporto ou rodoviária?".

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Mais recentemente, Lilian Taranto, ex-esposa de Renato Aragão, queixou-se de ter de dividir o voo com um passageiro que usava bermuda e chinelo. "Para uma blogueira vintage, passando dos 50, o aeroporto começa a ficar um saco… Parece rodoviária, né, gente?"

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Em fevereiro de 2020, Paulo Guedes, ministro da economia de Bolsonaro, demonstrou incômodo semelhante ao justificar a alta da cotação do dólar. Guedes criticou a taxa de câmbio do dólar a R$ 1,80 durante os governos petistas.

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Segundo o ministro, a cotação estava tão baixa que "até empregada doméstica estava indo para a Disneylândia", o que rotulou como "uma festa danada" que precisava acabar.

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Guedes e outros representantes de sua classe podem ficar tranquilos agora. Cerca de 60% da classe trabalhadora relata redução de sua renda. Mais de 20 milhões de brasileiros voltaram a passar fome e temos o menor consumo de carne da história.

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Metade dos brasileiros está sobrevivendo com menos de 500 reais mensais. E os aeroportos estão novamente vazios para o usufruto exclusivo e confortável da elite e dos setores médios do Brasil.

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