Bolsonaro embarca hoje para a Rússia. O que ele tem a ganhar - e a perder - com essa viagem?
No fio, trago um resumo do que venho pensando a respeito.
Spoiler: a viagem faz todo sentido para Bolsonaro (ainda que seja ruim para o Brasil). Será um trunfo de campanha.
1) Para entender a viagem, temos que olhar para o quadro externo e interno que se apresenta ao Brasil.
Perante o mundo, estamos isolados. Nosso país sempre teve bom trânsito com nações grandes e pequenas, ricas e pobres. A notável reputação diplomática sempre foi ativo valioso🔽
2) Isso se perdeu durante o governo atual. Abraçando uma política externa populista, fundamentalista e agressiva,
Bolsonaro queimou pontes com seus principais parceiros. Hostilizou Biden, Macron e Fernández, brigou com China e Alemanha.
De quebra, passou a jogar contra a ONU🔽
3) Em temas que o Brasil costumava liderar: meio ambiente, direitos humanos e saúde global.
Quem Bolsonaro não hostilizou? Os poucos líderes populistas autoritários e conservadores que ainda sobrevivem: Modi (Índia), Orbán (Hungria), Duda (Polônia)... e Putin (Rússia) 🔽
4) No início de 2020, os ventos sopravam a favor dos populistas de extrema direita. Bolsonaro foi a Índia e EUA celebrar as amizades.
Não fosse a eclosão da pandemia, o presidente teria visitado 🇭🇺 🇵🇱 🇮🇹 em abril. O timing era bom: Trump era presidente e Bannon estava em alta 🔽
5) A covid fez a onda virar. Governos se voltaram para dentro. A resposta errática de Trump custou-lhe a presidência.
Os delírios sanguinários de Bolsonaro fizeram dele figura tóxica mesmo entre seus companheiros ideológicos - que são de extrema direita, mas não são burros 🔽
6) As apostas erradas em Trump e Netanyahu custaram a Bolsonaro seus aliados + próximos. Biden já chegou à presidência tendo o brasileiro como inimigo.
Ao mesmo tempo, a 🇨🇳 perdia a paciência com declarações hostis e xenófobas de membros do governo, incluindo o próprio chefe 🔽
7) Tudo isso pra dizer que, passados 2 anos de pandemia, a Rússia é a única grande potência em que Bolsonaro ainda pode se fiar.
Bajular Putin não é plano novo. Ernesto já queria aquilo desde antes da posse. A Rússia de hoje é vista como modelo de conservadorismo religioso 🔽
8) E o populismo autoritário de Putin bebe da filosofia política de Aleksandr Dugin, uma espécie de Olavo da tundra siberiana.
Se, no início, Bolsonaro queria ser Trump, hoje me parece que o governo quer algo entre Orbán e Putin: sem STF, imprensa livre ou sociedade civil 🔽
9) Isso me leva ao quadro interno. Estamos na véspera de uma eleição em que a política externa será importante: os dois principais candidatos possuem um legado diplomático a defender.
E o de Lula é infinitamente superior ao de Bolsonaro.
O contraste ficou claro no fim de 2021🔽
10) Quando Bolsonaro passou vergonha na reunião do G20 e não quis ir à COP-26, enquanto Lula foi recebido como estadista no Parlamento Europeu e entre líderes do continente.
Foi exatamente nesse contexto que Carlos França negociou a viagem à Rússia. Não tinha guerra à vista 🔽
11) O roteiro original de Bolsonaro, marcado para antes do carnaval deste ano, era 🇷🇺🇭🇺🇵🇱. Oportunidade imperdível de tirar fotos, fazer discursos e sinalizar pra base. No fim das contas, a ideia era neutralizar a narrativa (óbvia) de que esse governo é um fracasso diplomático 🔽
12)...e ao mesmo tempo mostrar um Bolsonaro forte, desafiando Biden e os globalistas europeus.
Pensando na base política do governo, a viagem à 🇷🇺, em particular, seria uma farra pra militares, armamentistas e ruralistas, que poderiam cavar acordos favoráveis pros seus nichos 🔽
13) Com o início das tensões na fronteira Rússia/Ucrânia, Bolsonaro tinha 2 opções: cancelar a visita a Putin ou mantê-la, mesmo com os riscos diplomáticos.
O recado dado pelo governo Biden de que não via a viagem com bons olhos, em vez de coibir Bolsonaro, facilitou a escolha🔽
14) Se 🤡 cancelasse a viagem, seria visto como fraco e subserviente a Biden. Pegaria mal com a base e com o próprio Putin. E se tem uma coisa que o russo sabe fazer é explorar as vulnerabilidades dos parceiros.
Então a única opção foi ajustar a narrativa e dobrar a aposta 🔽
15) O ajuste da narrativa: Bolsonaro vai à Rússia promover a paz e livrar o mundo de uma nova guerra mundial. Tudo bobagem, claro. Mas enquanto Putin não invadir a Ucrânia, bolsonaristas dirão que é obra do mito. Se não invadir, até Bolsonaro vai começar a acreditar que foi ele🔽
16) Basta que a situação se arraste até outubro (!) para resolver uma das maiores fragilidades da campanha.
E que aposta Bolsonaro dobrou? A de que não precisa de 🇺🇸 ou🇪🇺 pra sobreviver internacionalmente. Essa viagem, no contexto em que ocorre, obriga o Brasil a tomar um lado🔽
17) E, claro, Putin está satisfeito com isso. Por mais fraco que seja Bolsonaro, o Brasil ainda é ator relevante. Temos assento no Conselho de Segurança. Podemos furar bloqueios econômicos e ajudar a economia russa. Para o Kremlin, qualquer apoio é bem-vindo. E há recompensa🔽
18) Como lembrou @FelipePLoureiro, a Rússia tem uma estrutura de guerrilhas digitais e cybertecnologia que poderá ser útil pra virar o jogo eleitoral. Se não for na campanha, será no sistema das urnas eletrônicas.
No fim, o maior beneficiário dessa viagem poderá ser o Carluxo 🔽
19) A maioria dos governos olha para Bolsonaro como peso morto e já planeja reconstruir relações com o Brasil a partir de 2023.
Ter Putin e Orbán como cabos eleitorais é uma das últimas cartadas de Bolsonaro diante da possibilidade real de derrota. E ele não aceitará perder 🤡
O fio virou um artigo para @OGlobo_Mundo, que aproveito para divulgar!
oglobo.globo.com/mundo/artigo-b…
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