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Feb 14, 2022 21 tweets 9 min read Read on X
Bolsonaro embarca hoje para a Rússia. O que ele tem a ganhar - e a perder - com essa viagem?

No fio, trago um resumo do que venho pensando a respeito.

Spoiler: a viagem faz todo sentido para Bolsonaro (ainda que seja ruim para o Brasil). Será um trunfo de campanha.
1) Para entender a viagem, temos que olhar para o quadro externo e interno que se apresenta ao Brasil.

Perante o mundo, estamos isolados. Nosso país sempre teve bom trânsito com nações grandes e pequenas, ricas e pobres. A notável reputação diplomática sempre foi ativo valioso🔽
2) Isso se perdeu durante o governo atual. Abraçando uma política externa populista, fundamentalista e agressiva,

Bolsonaro queimou pontes com seus principais parceiros. Hostilizou Biden, Macron e Fernández, brigou com China e Alemanha.

De quebra, passou a jogar contra a ONU🔽
3) Em temas que o Brasil costumava liderar: meio ambiente, direitos humanos e saúde global.

Quem Bolsonaro não hostilizou? Os poucos líderes populistas autoritários e conservadores que ainda sobrevivem: Modi (Índia), Orbán (Hungria), Duda (Polônia)... e Putin (Rússia) 🔽
4) No início de 2020, os ventos sopravam a favor dos populistas de extrema direita. Bolsonaro foi a Índia e EUA celebrar as amizades.

Não fosse a eclosão da pandemia, o presidente teria visitado 🇭🇺 🇵🇱 🇮🇹 em abril. O timing era bom: Trump era presidente e Bannon estava em alta 🔽
5) A covid fez a onda virar. Governos se voltaram para dentro. A resposta errática de Trump custou-lhe a presidência.

Os delírios sanguinários de Bolsonaro fizeram dele figura tóxica mesmo entre seus companheiros ideológicos - que são de extrema direita, mas não são burros 🔽
6) As apostas erradas em Trump e Netanyahu custaram a Bolsonaro seus aliados + próximos. Biden já chegou à presidência tendo o brasileiro como inimigo.

Ao mesmo tempo, a 🇨🇳 perdia a paciência com declarações hostis e xenófobas de membros do governo, incluindo o próprio chefe 🔽
7) Tudo isso pra dizer que, passados 2 anos de pandemia, a Rússia é a única grande potência em que Bolsonaro ainda pode se fiar.

Bajular Putin não é plano novo. Ernesto já queria aquilo desde antes da posse. A Rússia de hoje é vista como modelo de conservadorismo religioso 🔽
8) E o populismo autoritário de Putin bebe da filosofia política de Aleksandr Dugin, uma espécie de Olavo da tundra siberiana.

Se, no início, Bolsonaro queria ser Trump, hoje me parece que o governo quer algo entre Orbán e Putin: sem STF, imprensa livre ou sociedade civil 🔽
9) Isso me leva ao quadro interno. Estamos na véspera de uma eleição em que a política externa será importante: os dois principais candidatos possuem um legado diplomático a defender.

E o de Lula é infinitamente superior ao de Bolsonaro.

O contraste ficou claro no fim de 2021🔽
10) Quando Bolsonaro passou vergonha na reunião do G20 e não quis ir à COP-26, enquanto Lula foi recebido como estadista no Parlamento Europeu e entre líderes do continente.

Foi exatamente nesse contexto que Carlos França negociou a viagem à Rússia. Não tinha guerra à vista 🔽
11) O roteiro original de Bolsonaro, marcado para antes do carnaval deste ano, era 🇷🇺🇭🇺🇵🇱. Oportunidade imperdível de tirar fotos, fazer discursos e sinalizar pra base. No fim das contas, a ideia era neutralizar a narrativa (óbvia) de que esse governo é um fracasso diplomático 🔽
12)...e ao mesmo tempo mostrar um Bolsonaro forte, desafiando Biden e os globalistas europeus.

Pensando na base política do governo, a viagem à 🇷🇺, em particular, seria uma farra pra militares, armamentistas e ruralistas, que poderiam cavar acordos favoráveis pros seus nichos 🔽
13) Com o início das tensões na fronteira Rússia/Ucrânia, Bolsonaro tinha 2 opções: cancelar a visita a Putin ou mantê-la, mesmo com os riscos diplomáticos.

O recado dado pelo governo Biden de que não via a viagem com bons olhos, em vez de coibir Bolsonaro, facilitou a escolha🔽
14) Se 🤡 cancelasse a viagem, seria visto como fraco e subserviente a Biden. Pegaria mal com a base e com o próprio Putin. E se tem uma coisa que o russo sabe fazer é explorar as vulnerabilidades dos parceiros.

Então a única opção foi ajustar a narrativa e dobrar a aposta 🔽
15) O ajuste da narrativa: Bolsonaro vai à Rússia promover a paz e livrar o mundo de uma nova guerra mundial. Tudo bobagem, claro. Mas enquanto Putin não invadir a Ucrânia, bolsonaristas dirão que é obra do mito. Se não invadir, até Bolsonaro vai começar a acreditar que foi ele🔽
16) Basta que a situação se arraste até outubro (!) para resolver uma das maiores fragilidades da campanha.

E que aposta Bolsonaro dobrou? A de que não precisa de 🇺🇸 ou🇪🇺 pra sobreviver internacionalmente. Essa viagem, no contexto em que ocorre, obriga o Brasil a tomar um lado🔽
17) E, claro, Putin está satisfeito com isso. Por mais fraco que seja Bolsonaro, o Brasil ainda é ator relevante. Temos assento no Conselho de Segurança. Podemos furar bloqueios econômicos e ajudar a economia russa. Para o Kremlin, qualquer apoio é bem-vindo. E há recompensa🔽
18) Como lembrou @FelipePLoureiro, a Rússia tem uma estrutura de guerrilhas digitais e cybertecnologia que poderá ser útil pra virar o jogo eleitoral. Se não for na campanha, será no sistema das urnas eletrônicas.

No fim, o maior beneficiário dessa viagem poderá ser o Carluxo 🔽
19) A maioria dos governos olha para Bolsonaro como peso morto e já planeja reconstruir relações com o Brasil a partir de 2023.

Ter Putin e Orbán como cabos eleitorais é uma das últimas cartadas de Bolsonaro diante da possibilidade real de derrota. E ele não aceitará perder 🤡
O fio virou um artigo para @OGlobo_Mundo, que aproveito para divulgar!

oglobo.globo.com/mundo/artigo-b…

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Apr 8
Muita gente negando que o titio @elonmusk seja de extrema direita. "Ele só está defendendo a liberdade de expressão!", dizem.

Não é sobre liberdade, mas sobre ideologia. Nesse campo, Musk vem jogando pela direita de maneira cada vez mais aberta. Vamos falar disso em 10 exemplos?
O mito da liberdade de expressão já foi elegantemente derrubado por esse fio do @XadrezVerbal e outros tantos que comentaram sobre as inconsistências do dono do antigo Twitter.

1. Ainda em 2020, Musk fez um tweet jocoso sobre o golpe que destituiu Evo Morales na Bolívia. "Vamos dar golpe em quem a gente quiser! Lidem com isso", disse o dono da Tesla. O posicionamento foi entendido como legitimação de intervenção estrangeira por recursos (no caso, lítio) Image
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Sep 20, 2023
Acabei de ouvir o discurso de Lula na ONU. Li mais cedo, meio correndo, mas agora posso comentá-lo com calma.

A impressão geral é uma só: foi um ótimo discurso, de estadista. Há muito tempo um presidente brasileiro não se posicionava tão claramente diante dos problemas globais.
1. E, vejam, não estou falando somente das falas constrangedoras (e muitas vezes mentirosas) de Bolsonaro.

Temer, e sobretudo Dilma, fizeram discursos acanhados, voltados para questões domésticas, sem oferecer uma leitura sofisticada da ordem global - e das posições brasileiras.
2. O discurso de Lula se organizou em 4 eixos. O primeiro, e mais importante, foi um diagnóstico dos problemas do mundo a partir da dimensão da desigualdade.

Na visão do 🇧🇷, a raiz de muitos conflitos e tragédias está na disparidade de renda e oportunidades. E faz sentido.
Read 20 tweets
Apr 18, 2023
Sobre as recentes polêmicas de Lula a respeito da guerra na Ucrânia, vou tentar organizar um pouco a bagunça.

Um resumo do fio a seguir: o Brasil acerta nas ações, erra no discurso e, com a visita de Lavrov, se coloca (involuntariamente) numa posição complicada.

Venha comigo 👇🏼
1. Política externa sempre foi uma força de Lula como presidente: sua reputação está muito ligada à imagem que construiu em seus anos de governo.

Mas 20 anos atrás, o Brasil e o mundo eram muito diferentes. Eram desafios de outra ordem, que não exigiam que o país tomasse lados.
2. A visão brasileira era clara: a hegemonia americana era insustentável e o futuro era multipolar. O grande ativo brasileiro era saber transitar bem entre ricos e pobres, grandes e pequenos.

Nossa posição irritava, mas não antagonizava os EUA. As relações foram boas, no geral.
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Feb 4, 2023
DESABAFOS DA VIDA DIGITAL-ACADÊMICA

Quando decidi entrar pro Twitter e produzir conteúdo por aqui, em 2018, temia o julgamento de colegas acadêmicos.

Muitos acham a divulgação científica uma atividade menor, incompatível com o rigor metodológico e a complexidade dos fenômenos.
Não é verdade, claro, mas acho que explica pq parte da comunidade científica não se engaja na comunicação mais ampla com a sociedade.

Há outros fatores. Na universidade, são poucos os incentivos para atividades além de ensino e pesquisa. Zero remuneração e pouco reconhecimento.
Dar entrevistas, escrever artigos para jornal, postar nas redes sociais, oferecer cursos de extensão: tudo isso demanda uma quantidade de tempo e esforço que quase sempre vem em prejuízo da pesquisa (ou da qualidade de vida).

E entra no rodapé do Currículo Lattes, se entrar.
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Feb 3, 2023
Gosto muito do @gabeiracombr, mas seu artigo revela enorme desconhecimento do que vem sendo produzido no Brasil sobre a extrema direita.

São pelo menos 4 anos de muita gente boa fazendo pesquisa, reflexão, produção acadêmica e divulgação científica. Nisso incluo o @oedbrasil.
Só para deixar registrado, já que muita gente reagiu ao tweet original. Esses são livros de pesquisadores do @oedbrasil: @odiloncaldeira @leandropgon @JpZuquete @michel_gherman
Só a @EstherSolanoG organizou três livros sobre o assunto, com participação de outros pesquisadores do Observatório:
Read 7 tweets
Feb 2, 2023
Muita gente não entendeu a proposta de Lula de criar um órgão para promover a paz entre Rússia e Ucrânia.

"A ONU já existe!", "isso nunca vai funcionar!", disseram os críticos quando a iniciativa foi aventada, na visita do chanceler Olaf Scholz.

O que Lula quer com essa ideia?
1. Lula entende que tem 4 anos para deixar um grande legado ao país. Ou legados, quem sabe.

O caminho + seguro é o da política externa. Diante de um país dividido, a diplomacia presidencial torna-se instrumento poderoso de legitimidade.

E o melhor: depende pouco do Congresso.
2. Ao assumir em 2003, Lula tinha minoria legislativa e governabilidade frágil. Naquele ano, visitou 30 países. Era tão querido dentro quanto fora do 🇧🇷.

Bolsonaro fez coisa parecida. Em 2019, sem maioria, fez uma agenda externa focada na guerra cultural de Trump e Netanyahu.
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