Aline Novais Profile picture
she/her 🏳️‍🌈 · brazilian based in sweden 🇧🇷🇸🇪 · PhD in astronomy/astrophysics · postdoc @lunduniversity · exoplanet atmospheres & astrobiology · #scicomm

Jul 23, 2022, 35 tweets

Recentemente foram divulgadas as primeiras imagens feitas com o Telescópio Espacial James Webb. Dentre as imagens maravilhosas, tivemos o espectro de um exoplaneta, o WASP-96b. Quer entender o que esse espectro pode nos dizer? Vem de #AstroThreadBR 🧶

O espectro divulgado foi feito pelo instrumento NIRISS (Near Infrared Imager and Slitless Spectrograph), à bordo do JWST. Ele é capaz de obter dados espectroscópicos no infravermelho, em comprimentos de onda entre 0.6–5.0 μm, dependendo da observação.

Vamos agora falar sobre o espectro. Nesse caso, é o que chamamos de espectro de transmissão. Esse nome é justamente porque observamos a luz da estrela que passa através da atmosfera do planeta, e interage com os compostos existentes na atmosfera, como átomos, moléculas e nuvens.

O espectro de transmissão é obtido durante o trânsito de um planeta, ou seja, quando o planeta passa na frente de sua estrela, ocultando parte dela. Por isso, ao observarmos a luz da estrela, vemos a intensidade da luz diminuir no período em que o planeta está passando na frente.

Durante o trânsito, parte da luz estelar é “filtrada” pela atmosfera do planeta. Essa luz, dependendo de seu comprimento de onda, pode interagir com compostos que estão na atmosfera, e ser absorvida.

Ou seja, os diversos picos no espectro de transmissão mostram a fração de luz absorvida pela atmosfera em função do comprimento de onda. Quanto mais alto for o pico, mais luz foi absorvida, e portanto bloqueada pela atmosfera. Chamamos isso de opacidade.

A opacidade da atmosfera depende de suas propriedades, como composição, pressão e temperatura. E quanto mais opaca for a atmosfera, menos a gente vê a luz da estrela. Note que isso influencia na determinação do raio do planeta, que parecerá maior se a atmosfera for mais opaca.

Beleza, temos o espectro e sabemos a quantidade de luz bloqueada pela atmosfera do planeta. Mas como saber exatamente o que tem na atmosfera através deste espectro? Como interpretamos ele?

A forma do espectro, a altura dos picos, a largura das bandas… Todas essas características que vemos no espectro são influenciadas pelas condições da atmosfera (temperatura, pressão, composição, existência de nuvens, etc). Vamos falar um pouco sobre essas características.

Na atmosfera de um planeta, assim como na atmosfera da Terra, existem compostos como átomos e moléculas. Cada composto tem uma assinatura espectral específica, ou seja, absorve luz em comprimentos de onda específicos, que são os picos do espectro.

Conhecendo esses padrões de absorção, podemos identificá-los no espectro, e associá-los a determinados compostos. É exatamente o caso da molécula de água no espectro de WASP-96b!

Porém, temos que chamar atenção para um detalhe: WASP-96b é um gigante gasoso, com uma massa 0.48x (quase metade) a massa de Júpiter e raio 1.2x o de Júpiter. Ele orbita uma estrela parecida com o Sol, mas está tão perto de sua estrela que completa essa órbita em 3.42 dias.

Por que isso é relevante? Porque significa que a atmosfera de WASP-96b atinge temperaturas altíssimas (1300 K!), e essa água só pode estar presente na atmosfera em forma de vapor.

Essa não é a primeira vez que identificam H2O no espectro de um exoplaneta. Na verdade, observações mostram que H2O é uma das espécies químicas mais abundantes na atmosfera de planetas gasosos. Além disso, outros compostos também podem deixar suas assinaturas no espectro.

Dados de outros telescópios também já indicaram água na atmosfera de outros planetas (inclusive, isso faz parte da minha pesquisa de doutorado). Abaixo, um exemplo de assinaturas de água no espectro de HAT-P-26b, com dados dos telescópios Hubble e Spitzer (Wakeford et al., 2017).

Além das bandas de água, outras características aparecem no espectro de WASP-96b. Vemos, por exemplo, indícios de nuvens, principalmente nos comprimentos de onda menores (lado esquerdo do espectro).

Explico: nuvens na atmosfera de um planeta também bloqueiam a passagem de luz. Supondo uma camada de nuvens, como na imagem abaixo, a opacidade das nuvens dificulta a observação do que está abaixo dessa camada.

E como isso se manifesta no espectro? A camada de nuvens diminui, ou até mascara completamente, diversas assinaturas espectrais. Abaixo, o exemplo de como seria uma linha de sódio no espectro de uma atmosfera sem nuvens (esquerda) e com nuvens (direita).

Voltamos novamente ao espectro de WASP-96b. A evidência de (poucas) nuvens vem da medição da altura dos picos de água, que são menores do que mostram observações anteriores. É exatamente o efeito do tweet anterior, onde as nuvens “mascaram” as bandas de água.

É sempre bom deixar claro que as nuvens em outros planetas não necessariamente são de H2O, como as da Terra. Isso depende das condições locais da atmosfera (pressão, temperatura, composição, ventos), que vão determinar a altitude das nuvens, e também a composição delas.

A imagem abaixo mostra, aproximadamente, a altitude em que determinados tipos de nuvens se formam em Hot Jupiters, dependendo da temperatura. Pelo que conhecemos de WASP-96b, presume-se que suas nuvens sejam compostas de silicatos (assim como areia e rochas aqui na Terra).

A thread tá longa, mas ainda tem mais!

Vem na continuação 👇🏼

Finalmente, vamos entender o que significam os pontos brancos e a linha azul no espectro. Os pontos brancos são os dados observados pelo JWST (durante o trânsito do planeta), e as barras verticais em cada ponto representam a margem de erro dessa medida.

Mas quais as diferenças dos dados do JWST para dados anteriores do mesmo planeta? Esse espectro de Yip et al. (2020) reúne dados de diferentes telescópios: HST (Hubble), VLT, TESS e Spitzer. Reparem na quantidade de pontos de cada telescópio e no tamanho das barras de erro.

Além da maior precisão, os dados do JWST cobrem comprimentos de onda acima de 1.7 μm, região do espectro praticamente inacessível antes. Abaixo, uma comparação feita por David Sing de dados de WASP-96b do HST + VLT (vermelho) e do JWST (azul).

Por fim, as linhas no espectro representam os modelos ajustados aos dados. Basicamente, utiliza-se diversos modelos teóricos, que simulam diferentes cenários atmosféricos. Eles podem incluir H2O, nuvens, etc, como nesse exemplo de Tsiaras et al. (2019) para K2-18b.

Os modelos também usam parâmetros já conhecidos do planeta e da estrela, como massa, raio, etc. Cada um desses modelos é ajustado aos dados observados (pontos brancos), e considera-se que o melhor ajuste (linha azul) é aquele que melhor representa a atmosfera estudada.

Esses foram exemplos de características iniciais que a gente pode inferir a partir do espectro atmosférico de um planeta. Uma análise mais detalhada desse espectro do JWST deve nos dar uma noção muito melhor de como deve ser a atmosfera de WASP-96b. Ansiosos com o que vem por aí?

Espero que essa thread tenha dado um gostinho de como é o estudo de atmosferas de exoplanetas 🪐

Dúvidas? Perguntas? Críticas? Sugestões? Deixa aí nos comentários!

🔁❤️

Créditos das imagens:

espectro WASP-96b e cobertura dos instrumentos do JWST © NASA/ESA/CSA/STScI
transmissão (prisma) © NASA/JPL-Caltech
gif trânsito © ESA
transmissão atmosfera © NASA/ESA/Z. Levy (STScI)

espectro hot jupiter © viewspace.org/interactives/u…
atmosfera opaca © Phil Bull/Oxford Astrophysics
ilustração WASP-96b © NASA

fases da água © case.fiu.edu/education-outr…
assinaturas espectrais © ESO
espectro HAT-P-26b © Wakeford et al. (2017)
nuvens opacas © NASA/JPL-Caltech
linha espectral nuvens © N. Nikolov/E. de Mooij

concepção artística nuvens © NASA/Ames Research Center/Daniel Rutter
altitude de nuvens © Peter Gao (UC Berkeley)
espectro HST + VLT + TESS + Spitzer © Yip et al. (2020)
espectro K2-18b © Tsiaras et al. (2019)
ilustração espectro trânsito © Christine Daniloff/MIT, Julien de Wit

Thread com mais detalhes sobre o método de trânsito

Thread com mais detalhes sobre observações de exoplanetas com o JWST

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