Rudá Ricci Profile picture
Sociólogo, trabalho com educação e gestão participativa. Presido o Instituto Cultiva

Oct 4, 2022, 22 tweets

Bom dia. Vou socializar aqui minha análise sobre os resultados das eleições. Lá vai:

1) Lula venceu as eleições. Nos mapas abaixo podemos perceber como a votação do candidato do PT aumentou no sudeste e norte do país ao compararmos 2018 com 2022.

2) O PT recuperou vários redutos que havia perdido para Bolsonaro em 2018. Lula venceu em 3.378 municípios (aumentando em 764 em relação a 2018) e Bolsonaro venceu e 2.192 (perdendo 660 em relação a 2018)

3) Lula obteve um recorde de votos num primeiro turno presidencial. Em termos proporcionais, foi de 17% (1989) para 48% neste ano. Lula é a principal liderança política do país.

4) Contudo, a extrema-direita se firmou como a segunda força política nacional. Não o partido de Bolsonaro (que flutua ao seu próprio interesse), mas o bolsonarismo (as forças que se articulam a partir de uma agenda extremada de direita).Esta força está localizada no centro-sul

5) O que ocorre é uma decadência importante no sudeste e o reforço de uma cultura de extrema-direita histórica no sul do país, em especial, envolvendo Paraná (que um dia foi parte de São Paulo) e Santa Catarina. A decadência econômica do sudeste abalou o PT na região.

6) Em MG, onde o PT governou o Estado e várias vezes a capital, a decadência é significativa. Nas eleições municipais de BH, a bancada do PT caiu de 7 para 2 vereadores. Nesta eleição, não conseguiu apresentar candidatos ao governo estadual e senado.

7) No RJ, a candidatura de Freixo fez um nítido movimento à direita. Mas, o PT revelou, mais uma vez, fragilidades. Vejam que há leitura sobre o perfil do eleitor, mas não há resposta adequada para falar com este eleitor. As forças de centro-esquerda procuram se situar à direita

8) No ES, o governador, do PSB, resistiu o quanto pode para seu partido não ingressar na Federação Partidária montada pelo PT. E tinha em seu secretariado lideranças vinculadas à Moro.

9) Em São Paulo, Haddad e Márcio França venceram a eleição na capital. Mas, levaram uma surra do interior paulista. A cultura interiorana no Estado é country: ostentação, crença no sucesso individual, valores ultraconservadores ou reacionários.

10) Enfim, o lulismo não perdeu as eleições, mas não consegue se achar no centro-sul do país, onde o bolsonarismo cresce. Não consegue dialogar com esta cultura da ostentação, do self-made man e da vergonha de ser pobre.

11) A polarização lulismo-bolsonarismo vem esmagando todas forças próximas ou satélites a eles. PSDB e PDT encolheram. PSTU, PCB e outras forças de esquerda são inexpressivas. O problema é que o bolsonarismo se enraizou e tem substitutos do Jair; já o lulismo...

12) Uma palavra sobre as pesquisas. Há três problemas aqui que podem ajudar a compreender o que ocorreu. Os institutos erraram na dimensão real (e movimentação) do voto de direita. Por quais motivos?

13) Um motivo é a base de dados para estratificar a amostra. Explico: uma pesquisa quantitativa se organiza por amostras que têm relação com a distribuição dos brasileiros em função do sexo (se há mais mulheres, elas fazem a maior parte da amostra), renda, região e instrução

14) Datafolha adotou como base para estratificação a PNAD de 2018. Outros institutos adotaram a PNAD 2021. Foi uma aposta. Muitos diziam que a PNAD 2021 estaria contaminada pela pandemia (desestruturação do mercado de trabalho e renda e interferência dos militares).

15) Pode ter ocorrido um problema por aí. 2018 está muito distante de 2022 e o eleitor que enfrentou a pandemia pode ter um "recall" dela em 2022, ou seja, não mudou de opinião de lá para cá. Enfim, todo pesquisador tem suas hipóteses e o resultado nunca é a verdade por inteiro

16) Outra discussão de fundo são as variáveis de estratificação de amostra. Será que conseguimos capturar o posicionamento do eleitor de direita com as variáveis clássicas (renda, sexo, instrução e região)? Será que não seria importante incluir variáveis de alinhamento cultural?

17) O fato é que para Lula vencer no primeiro turno precisaríamos ter reduzido o número de abstenções. Contudo, ficou no índice histórico das eleições presidenciais: 20%. Houve migração de eleito de Ciro para Bolsonaro e uma parcela pequena dos que declaravam voto nulo ou branco

18) Esta movimentação do eleitor que migrou para a direita se deu na passagem de sábado para domingo. É algo que ocorreu em diversas eleições recentes. Talvez, não no volume que aconteceu neste ano. O que isso nos diz? Que não basta pesquisa quantitativa.

19) Se não temos pesquisa qualitativa, não sabemos as motivações do eleitor. Perguntar quem gosta da cor azul não indica os motivos de alguns gostarem da cor em função do uniforme do seu time de futebol ou da paz que a cor lhe proporciona.

20) Conclusão: ainda não conseguimos entender bem o Brasil do século XXI. Ele é muito diferente do final do século XX, quando a maioria dos partidos de esquerda e centro-esquerda se forjaram. A cultura coletiva foi substituída pelo individualismo e o empreendedorismo.

21) Para este segundo turno, Bolsonaro está eleitoralmente atrás. Lula tem uma vantagem de 5 pontos percentuais e ficou por menos de 2 pontos para vencer no primeiro turno. O problema do centro-esquerda é mais político que eleitoral. (FIM)

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