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Apr 28, 24 tweets

O destino que Ayrton Senna mudou, a thread 🧶

A Fórmula 1 é uma categoria de risco: quanto a isso, não há dúvidas.

Mas uma vez eu li que mesmo um esporte como o automobilismo deixa frestas para que a humanidade dos pilotos se seja vista por trás dos capacetes.

Essa história é um exemplo perfeito disso. Deixa eu te contar.

📌 França, 1960s

Érik Comas entra pro clube dos pilotos que cresceram entre pneus, chaves de fenda e manchas de graxa, mas sem qualquer intenção de virar piloto.

Seu pai tinha uma oficina pequenininha lá na comuna francesa de Romans, com um ou outro funcionário.

Um dos clientes mais frequentes era Charles Jourdan, um famoso designer de sapatos que colecionava carros esportivos.

Um dia, Charles levou uma Alpine para trocar o carburador. E a Porsche. E a Ferrari. E o olhinho de Érik quase saltava das órbitas a cada carro que chegava.

Agora, some a esses carros - que, a certo ponto, correspondiam a 80% do faturamento anual da oficina - um funcionário do pai que era piloto de go-kart nas horas vagas, e que adorava contar história de corrida ao filho do patrão.

Pronto, agora sim: temos um mini piloto.

Quando o tal funcionário levou um Érik de 13 anos para experimentar a sensação de correr, foi um caminho sem volta. “Foi uma epifania”, como ele descreveu.

Mas o pai não curtiu. Disse que se ele quisesse andar por aí, tudo certo, mas competir, se arriscar? Jamais. Era perigoso.

“Tentei explicar que não tinha sentido, mas não teve jeito. Tive que esperar até os 18 anos”

E quando começou, não parou. Teve uma passagem rápida pelo kart antes de comprar um Renault 5 de um tal de Jean Alesi, em 1982, e em nove anos conquistou a tão sonhada vaga na Fórmula 1.

A chance veio logo depois de vencer a F-3000 de 1990, e entre todos os 36 da elite, só um piloto um foi falar com Érik.

“O Senna foi o primeiro e único piloto da Fórmula 1 a me felicitar. Ele disse: ‘Seja bem vindo. Parabéns pelo campeonato’. Aquilo pra mim foi algo especial.”

Imagina como foi, né? Apesar de terem uma idade aproximada (Érik com 27 anos, Ayrton com 30), Senna já era bicampeão.

E assim, com o pé direito, Érik Comas chegou à Fórmula 1 - só que no ano seguinte o medo do pai se tornou mais palpável do que qualquer um gostaria.

📌 Spa-Francorchamps, 1992

Nos treinos livres, Érik dava uma volta rápida com sua Ligier quando perdeu o controle na curva Blanchimont.

O impacto contra o muro foi tão forte que, devolvido para a pista em uma nuvem de fumaça, Comas ficou inconsciente.

E acredite: não era o maior problema. Desacordado, o piloto francês deixou o pé no acelerador, ensopando o próprio carro - e a si mesmo - de combustível.

Por sorte, um brasileiro que tinha fama de ser exageradamente atento aos detalhes vinha em volta rápida logo atrás dele.

Ao perceber que a cabeça de Comas estava tombada para a frente, Ayrton Senna imediatamente saltou de sua McLaren para ir socorrê-lo.

E, Deus, ainda bem que o fez.

Como o carro estava ligado e banhado em gasolina, uma provável explosão teria ocasionado uma tragédia fatal.

Aquilo provavelmente seria o fim de Érik, o garoto apaixonado pelos carros da oficina do pai que tanto lhe pediu para não se arriscar naquele meio.

Mas não foi. Senna desligou o motor e, mesmo com todo o risco, não arredou o pé do lado de Comas até que o carro médico chegasse.

Sid Watkins (o médico da Fórmula 1) comentou que Ayrton estava dando suporte à cabeça de Comas do jeito mais correto possível. Quando ele chegou, o brasileiro ergueu o olhar e lhe disse:

- Tentei fazer do mesmo jeito que você faz com a gente, professor.

🥹

Apesar de ter saído desacordado, Érik voltou já na etapa seguinte sem nenhuma sequela. Enchia o sorriso para contar ao mundo que Ayrton Senna havia salvo sua vida.

Que o primeiro e único a lhe dar as boas vindas à Fórmula 1 foi, também, o primeiro e único a se arriscar por ele.

“Ayrton era tão generoso que para ele foi um ato normal ter me salvado”, contou ao UOL. “Mas, para mim, ele é um herói”.

Mas infelizmente a vida não é uma volta perfeita. O destino adora aparecer com uma bandeira vermelha e uma piada de mal gosto - e foi o que aconteceu em 1994.

📌 Ímola, 1994

A largada de Comas foi conturbada. Teve um toque e aproveitou o Safety Car causado por alguma batida para passar rapidamente pelo pit stop.

Por falha de comunicação da [pavorosa] organização de prova, Érik voltou à pista antes de saber da bandeira vermelha.

Ele teve que frear para não bater em um helicóptero que havia pousado na pista e, assim que viu o azul e branco da Williams despedaçada, teve certeza de quem era.

Seu primeiro pensamento foi: “preciso retribuir o favor”, e ele tentou sair em direção ao carro de Ayrton.

Mas os fiscais o impediram. Os médicos já estavam atuando, Sid Watkins já estava ajoelhado ao lado do carro. Não tinha o que fazer. Só sentar, assistir e torcer.

“Eu senti uma radiação enorme. Eu senti que ali, vendo aquela cena, eu estava vendo Ayrton indo para o céu”.

Assim que o helicóptero decolou, colocaram Érik Comas dentro do Safety Car para retornar aos boxes. Ao seu lado, no banco de trás do carro, estava o que um dia tinha sido o inconfundível capacete amarelo, verde e azul.

Foi quando ele teve certeza.
Ayrton Senna tinha morrido.

todos relargaram - menos Érik. Dentre todos os presentes, ele era um dos únicos que havia visto o estrago com os próprios olhos. Que sabia da gravidade.

Para ele, aquela corrida não tinha mais sentido. Na verdade, nada na Fórmula 1 fazia. O brilho no olho já tinha sumido.

📌 A Vida Pós-Ímola

Érik Comas quis abandonar a Fórmula 1 no instante em que pisou no avião para fora da Itália, mas a Larousse - sua equipe - o convenceu a terminar o ano.

Só para cumprir contrato, finalizou a temporada de 1994 e nunca mais voltou à F1.

Até hoje, em suas entrevistas sobre Senna, Érik se enche de culpa.

Ayrton chegou antes dos médicos. Ele não.
Ayrton conseguiu ajudá-lo. Ele não.
Ayrton morreu. Ele não.

Essa é a quinta e penúltima thread de um especial dos 30 anos sem o Ayrton que vai rolar até 01.05 - e a ideia não é lembrar da morte, mas da vida e das pessoas com quem ele conviveu.

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