Imposição e goleada. O Flamengo venceu o Vasco porque tem um elenco muito melhor e hoje é um time muito melhor.
A gente vem falando muito das variações táticas de JJ, mas ontem essas variações atingiram um novo nível, mostrando que o Fla pode muito mais.
O fio do Clássico.
Quero falar aqui sobre três tipos de variação: de ESTRUTURA, de CONJUNTURA e de SITUAÇÃO.
As três afetam a forma como o time joga em diferentes escalas e vêm sendo cada vez mais comuns por aqui.
Primeiro, a variação de ESTRUTURA. Contra o Grêmio vimos o time mudando do 4-4-2 para o 4-3-3 e dominando. Contra o Vasco, o contrário: início no 4-3-3 e mudança para o 4-4-2.
Aqui, o comportamento de TODOS os jogadores muda e a ocupação de espaços passa a ser diferente.
Em segundo plano, a variação de CONJUNTURA. Os jogadores começam a ter liberdade para decidir entre eles uma inversão de posição ou uma movimentação um pouco diferente. Tudo dentro das possibilidades combinadas previamente, mas levando em consideração o que pede o jogo.
A variação de SITUAÇÃO ocorre qnd alguém sai da sua posição para disputar uma bola ou criar uma jogada e outro acaba indo fazer a cobertura. É pura compensação. O posicionamento se mantém invertido até o fim da jogada, principalmente se o Fla não tiver a bola. Depois volta.
Contra o Vasco, o time entrou num formato que não tínhamos visto até aqui: 4-3-3 com BH pela direita, Arrasca pela esquerda e Gabriel como centroavante.
A ideia era forçar muito o jogo pelo lado direito explorando a velocidade e o drible de BH por ali.
Mas o 4-3-3 de Jorge Jesus é diferente do que estamos acostumados. Ele gosta de acumular muitos jogadores perto da bola, então o ponta do lado oposto não fica aberto lá longe. Ele fecha pelo meio.
Como o Fla insistia muito pela direita, Arrascaeta virava quase um meia.
Depois de mais ou menos 28 minutos, a primeira mudança estrutural: o time passou ao 4-4-2 com Gerson pela direita, mas diferente do imaginado quando saiu a escalação, BH foi para a esquerda e Arrascaeta foi jogar por dentro, perto de Gabigol.
Contra o Grêmio, JJ já tinha usado BH aberto e Arrasca no comando do ataque mas, sem Gabriel, o uruguaio era o único atacante central, o famoso Falso 9 (
Agora, com outro atacante, o 4-4-2 ficava com uma carinha de 4-2-3-1.
O primeiro gol é um ótimo exemplo dessa movimentação. Acabou saindo uma tabela pelo meio da defesa, mas repare como a movimentação de Arrascaeta abre um espaço que Gabriel imediatamente explora. O passe poderia ter sido ali.
Dentro desse esquema, pudemos ver uma variação importante de conjuntura. BH e Arrascaeta tinham liberdade para trocar de posição, decidindo a cada lance, dependendo do que sentissem ser necessário. Essa variação mudava completamente as características do time.
No meio de tudo isso, diversas variações por situações. Um bom exemplo é o lance em que Arão pressiona dentro da área e Gerson faz embaixadinhas antes de dar um passe de costas para Gabriel quase marcar.
Repare como no início da jogada o drible de Filipe Luís pega Gerson entrando em facão na área. Gabigol não alcança o cruzamento e o time do Vasco começa a sair. BH reage rápido e acompanha o volante, indo ocupar a posição que seria de Gerson.
(36 seg: globoesporte.globo.com/rj/futebol/bra…)
São essas variações que tornam o time cada vez mais interessante.
O futebol de Jesus é direto, é intenso, mas tb é muito fluido. Quanto mais fluidez o Fla atingir nessas trocas, mais imprevisível será. Um time que pode confundir os adversários e gerar perigo de muitas formas.
Dá pra ver, inclusive, um leque de variações sendo montado nas jogadas ofensivas. O time gosta de sair jogando curto, mas quando necessário também pode sair na bola longa. Um passe de 40 metros de Pablo Marí para Gerson dividiu o time do Vasco e gerou o terceiro gol.
Também dá pra ver essas variações pelo fato de os três primeiros gols terem nascido com BH partindo da esquerda, mas de formas completamente diferentes: uma tabela por dentro fatiando a defesa, uma infiltração em profundidade com tabela e um facão no segundo pau.
O time que busca tanta variação também oscila. Erra e acaba sofrendo riscos.
O chute de Pikachu, por exemplo, vem de um claro erro de posicionamento. O Flamengo tinha cinco marcando três na área e ninguém fechando o espaço entre o zagueiro e o lateral. Cuellar deveria estar ali.
Pra terminar, vamos falar mais uma vez da bola parada. O Flamengo continua sofrendo. O Vasco levou perigo em 3 escanteios e essa é uma mini-história muito interessante e relevante para o jogo.
O Vasco bate “de pé aberto”. Ou seja, um destro bate o escanteio na direita e um canhoto na esquerda. Assim, a bola vai abrindo e evita a saída do goleiro.
O Flamengo marca por zona e dá espaço para os adversários entrarem correndo antes de saltar, ganhando mais impulsão.
No primeiro escanteio, Arrascaeta está na sobra e Castán corre sozinho. Sobe mais que Thuler (que dá um passo à frente e erra o tempo de bola) e faz o gol.
No segundo, Arrascaeta passa a fazer uma função de bloqueio, mas Henriquez escapa e quase faz o gol junto com Castán.
No terceiro, o uruguaio é mais contundente no bloqueio e Vuaden marca pênalti. Eu não marcaria de jeito nenhum e já dei a minha opinião sobre o uso do VAR nesses casos, mas a gente precisa entender que nada no futebol é por acaso. Esse não foi um lance isolado.
O Flamengo mereceu a vitória! Diego Alves, muito contestado, saiu como herói!
O time segue evoluindo pouco a pouco, construindo opções e variações, escolhendo ser uma metamorfose ambulante.
Há futuro no Flamengo de Jorge Jesus.
Pra quem prefere ler direto em formato de artigo no site do @MRN_CRF
Um pequeno país em um canto da Europa tem um peso surpreendente na forma como a gente pensa e sente o futebol. Saíram da Holanda algumas das ideias mais importantes para a nossa compreensão do esporte.
Se hoje falamos tanto em espaço no jogo, é muito graças aos holandeses.
Como já falei aqui, tive a honra e o privilégio de ser o tradutor do livro @Zonal_Marking, do grande Michael Cox, lançado em pré-venda na semana passada pela @EdGrandeArea.
O livro começa falando sobre a influência holandesa no futebol europeu do início dos anos 1990 através de seu principal clube — o Ajax — e de dois ex-jogadores e então treinadores — Cruyff e Van Gaal.
O mais interessante, no entanto, é o mergulho no modo de pensar holandês.
Por que o Flamengo goleia tanto? - PARTE 3: O QUE OS NÚMEROS DIZEM
Os números não são o jogo em si, mas ajudam a entender o que se passa dentro de campo. É preciso ter cuidado, colocar tudo em contexto, mas dá para entender muita coisa a partir deles. Vamos ao mergulho!
Dos 14 jogos disputados pelo Flamengo sob o comando de Renato Gaúcho, 7 foram pelo BR21 e 7 em competições de mata-mata (Libertadores e CdB). Como o time tem se comportado de maneira diferente, a ideia aqui é olhar para esses números de maneira separada.
Por que o Flamengo goleia tanto? - PARTE 2: PORTEIRA QUE PASSA BOI
Meu antigo professor de história tinha uma espécie de frase de efeito. Não importava o assunto que estávamos estudando, em algum momento ele sempre dava um jeito de dizer: "porteira que passa boi, passa boiada".
Nesta série, pretendo explorar por diferentes ângulos a rotina atual de goleadas do Flamengo. Na PARTE 1 (
), detalhei as mudanças de estilo trazidas por Renato Gaúcho até aqui. Hoje quero falar sobre os contextos criados dentro dos jogos.
O 4x0 em cima do Grêmio é um bom ponto de partida. No fim de um primeiro tempo bastante instável, o Flamengo perdeu Bruno Henrique por lesão e Isla recebeu o vermelho. Parecia um cenário terrível, se encaminhando para um segundo tempo sofrido.
Por que o Flamengo goleia tanto? - PARTE 1: CONTROLE E AGRESSIVIDADE
O assunto do momento é aquele: como o Flamengo consegue golear em jogos que nem parece estar dominando durante a maior parte do tempo?
Há muita coisa para falar, então decidi fazer uma série. Começa aqui!
De fato, é quase inacreditável.
Em 14 jogos desde a chegada de Renato Gaúcho, o Flamengo teve 12V 1E e 1D. Mais incrível que isso: fez 45 gols (3,2 por jogo) e sofreu 10 (0,71 por jogo)!
Das 12 vitórias, 8 foram por 3 gols de diferença ou mais.
É normal que um retrospecto como esse gere admiração, um certo choque e até mesmo confusão.
Primeiro, porque são números simplesmente altos demais. Quase impossíveis de se ver por aí — e de se manter no longo prazo.
Gabigol está imparável. Fez 7 gols nos últimos 5 jogos que disputou. Dois de pênalti (ele simplesmente não perde) e outros cinco gols com a bola rolando.
Todos seriam considerados fáceis. Mas será que são simples?
Além do segundo e do terceiro gol contra o Santos, há mais três nos dois jogos contra o Olimpia. Cinco gols depois da marca do pênalti, todos finalizados com apenas um toque! A marca de um artilheiro letal!
Em um mesmo lance, ele faz três, quatro, cinco movimentos. Sabe exatamente o momento em que o passe pode sair, sabe exatamente como os zagueiros tendem a se comportar.
Futebol não é sobre estar no lugar certo. É sobre chegar no lugar certo, na hora certa, do jeito certo.