O que uma garrafa de refrigerante retornável e uma cédula de dinheiro têm em comum? Ambos possuem grande poder de alcance, são projetados para passar entre muitas mãos propagando certos conteúdos e valores.
Cildo Meireles, autor da obra apresentada no #pinadecasa de hoje, identificou esses dois objetos como “circuitos ideológicos”, responsáveis por tornar cotidiano o exercício de poder de algumas poucas pessoas sobre toda a sociedade.
Para comentar esses mecanismos de dominação do imaginário coletivo e demonstrar estratégias simples de subvertê-los, o artista realizou um conjunto de “inserções”. O gesto consistia em acrescentar mensagens poéticas ou de denúncia nesses objetos e devolvê-los à circulação, (...)
ou seja, parasitá-los com conteúdos considerados proibidos ou muitas vezes contrários aos discursos oficiais. Em “Projeto Coca-cola”, que inaugurou essa série em 1970, Cildo usou técnicas de silk-screen e decalque para marcar o vidro, por exemplo, (...)
com a receita de um coquetel molotov ou com a frase “Yankees, go home!”. Neste último caso, fazia uma crítica expressa ao imperialismo estadunidente, de que a Coca-cola certamente pode ser tomada como emblema.
Tratava-se do período mais duro da ditadura civil-militar brasileira. Para sustentar um posicionamento político e evitar a censura, uma geração de artistas ainda muito jovens experimentou diversificar os espaços e as linguagens de seus trabalhos.
Disseminadas nas trocas monetárias e comerciais, as “Inserções em circuitos...” procuravam brechas para artistas e qualquer pessoa que quisesse seguir suas instruções intervirem criticamente no cotidiano.
Por serem anônimas e efêmeras, essas propostas se tornaram difíceis de controlar.
E hoje, quais seriam outras brechas possíveis na sua opinião?
Cildo Meireles (Rio de Janeiro - 1948)
Inserções em circuitos ideológicos: Projeto Coca-Cola (1970)
Coleção Roger Wright, em Comodato com a Pinacoteca de São Paulo.
O #pinadecasa de hoje é dedicado a “Saque e aproveite a vantagem”, uma obra bastante singular de José Leonilson (1957-1993). O adjetivo “singular” não é mera força de expressão.
Essa pintura sobre jornal é de fato uma das poucas que o artista fez nesse suporte no decorrer de sua trajetória. Leonilson realizou instalações, objetos e conjuntos extensos de trabalhos bidimensionais nos quais desenhava, pintava, escrevia e bordava sobre tela, tecido e papel.
Nesse caso específico, ele escolheu o noticiário impresso do dia como ponto de partida de sua composição em tintas guache e acrílica.