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Quem me conhece sabe que eu geralmente me limito a descrever (e não prescrever) as coisas. Contudo, como cidadão cearense, me sinto tentado a opinar sobre esta lei estadual que sanciona, em dados contextos, a conduta de veicular FAKE NEWS.
Primeiramente, não se trata de uma iniciativa inédita. A Hungria acabou de adotar essa postura, embora tenha criminalizado a conduta de veicular "fake news" nesse contexto. No Ceará, a ilicitude não é penal (e, se fosse, haveria uma inconstitucionalidade orgânica - art. 22, I).
Existe um direito constitucional de veicular fake news no contexto deste diploma?

Há basicamente duas abordagens possíveis para responder a esta pergunta.

a) suporte fático amplo (ALEXY)

b) limites imanentes e suporte fático restrito (minha visão)
Robert Alexy diria que existe, sim, um direito ("prima facie") de veicular fake news.

Partindo de um suporte fático amplo, realizaria o exame da regra da proporcionalidade para aquilatar se a lei estadual é proporcional. Isto revelaria o direito "definitivo".
Seria necessário, nesta visão, avaliar:

a) adequação: a lei estadual protege a saúde pública?
b) necessidade: há meios tão eficientes quanto este e que impliquem sacrifício menor?
c) há um equilíbrio entre a realização da saúde e a restrição à liberdade de expressão?
Isso porque Robert Alexy só realiza sopesamentos quando PRINCÍPIOS colidem, não havendo lei infraconstitucional a respeito. Esta hipótese é rara. Quando há uma lei de regência, o que é bem mais usual, o jurista alemão emprega a proporcionalidade.

E o resultado?
O resultado só Alexy poderia dizer. O método procedural apresentado não tem uma calibragem precisa o suficiente para objetivar uma resposta. Não por acaso, quando 2 Ministros diferentes do STF, no mesmo julgado, empregaram esta metodologia, ambos chegaram a conclusões distintas.
Agora, vamos analisar pela segunda abordagem (meu ponto de vista).

Quando a Constituição de 1988 foi promulgada, a expressão "livre manifestação do pensamento" significava apenas pensamentos VERDADEIROS? Há o direito constitucional de mentir e de desinformar?
Lembro que, em 1999, espalharam um falso rumor de que o mundo acabaria. Baseados em profetas como Nostradamus, difundiram aquilo que hoje nós chamamos de "fake news".

Aliás, "fake news" é uma expressão que tenta dar ares de novidade a algo muito antigo, ou seja, a "mentira".
Sabemos perfeitamente que a Constituição de 1988 protege quem difunde lendas, mitos, rumores, boatos e histórias de toda sorte. Do Chupa Cabra à ufologia; dos vaticínios apocalípticos de Nostradamus e Hilário de Poitiers à perna cabeluda ou ao boto cor de rosa.
Quando fui Defensor Público no Acre, ouvi histórias das Florestas serem narradas com sinceridade por pessoas que, embora não me convencessem, eu respeitava. Uma delas era sobre o Mapinguari.

Com todo respeito a quem difunde que a Terra é plana, eu humildemente não concordo.
Disse resulta que há uma gama de histórias inverídicas, fantasiosas, inexatas e talvez mentirosas que simplesmente podem ser levadas adiante por quem quer que seja.

A mentira, por si só, não é ilícita no Brasil. Moralmente, pode ser repudiável. Mas juridicamente não o foi.
Portanto, a segunda abordagem principia com a busca da essência do direito à liberdade de expressão, de modo a apontar os seus limites imanentes.

Por exemplo, a liberdade de expressão não contempla a calúnia. Esta é uma mentira bem mais séria, que o constituinte não protegeu.
Ainda na delimitação dos limites imanentes da liberdade de expressão, é possível dizer que ela não contempla a injúria. Nem a difamação (ainda que seja verdade).

O método é o "original public meaning". As palavras empregadas em 1988 ("livre pensamento") não excluíam as mentiras.
Em suma, minha visão se aproxima do que a doutrina chama de Teoria Interna, baseada nos limites imanentes da liberdade de expressão. Há muitos, mas a lei cearense criou uma limitação inexistente. Mentir, por si só, não é ilícito.

Concluo com as palavras do Justice Jackson:
"Quem começa a eliminar coercitivamente as discordâncias logo a seguir estará exterminando os que discordam. A unificação compulsória de opiniões só consegue a unanimidade do túmulo"

(West Virginia State Board of Education v. Barnette - 1943)
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