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Xenofobia, punição divina, crise produtiva. Pandemias tem características diferentes e outras em comum. Temos publicado sobre a gripe espanhola no Brasil, mas hoje vamos falar de outra. A peste bubônica, que assolou e transformou a Europa por volta do século XIV. Segue o fio! 🧵
A thread de hoje foi produzida por Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior, professor do departamento de História na @UFSM_oficial, e Jordana Eccel Schio, mestranda. Fazem parte do Virtù - Grupo de História Medieval e Renascentista. No Facebook: facebook.com/virtuufsm
A Peste Bubônica tinha como principal sintoma o inchaço dos gânglios linfáticos, formando bubões na virilha e axilas. Causava febre, fadiga e infecção intestinal.
A Peste Bubônica ou Peste Negra atingiu a Europa duas vezes. A primeira onda, entre o século VI e o ano de 767, foi mais leve. Na segunda metade do século XIV o território europeu foi atingido com maior intensidade. O último surto aconteceu só em 1720, na França.
Após um rápido crescimento demográfico, a fome e a penúria se fizeram presentes por toda a Europa, consequência da diminuição da produção agrícola, causado pelo desgaste do solo, pela baixa qualidade dos grãos colhidos, pelas intempéries e invernos rigorosos.
A Europa estava assolada pela Guerra dos Cem Anos. Apesar da longa duração, houve momentos de trégua e de batalhas. As consequências foram recolhimento no interior das fortalezas, refugiados, vilas saqueadas, abandono dos campos. Na imagem, pintura da batalha de Agincourt.
A origem da peste foi o planalto central da Ásia, uma área onde ela era endêmica, se espalhando por rotas terrestres e marítimas até chegar aos portos europeus. O porto de Gênova foi o principal ponto de difusão. Dá pra ver esse mapa em detalhes aqui: en.wikipedia.org/wiki/Black_Dea…
Um navio partiu do porto de Caffa, passou por Constantinopla e aportou em Gênova trazendo os primeiros infectados para o continente Europeu. As cidades italianas foram as primeiras a serem atingidas pela Peste. E de lá se alastrou pelo interior do continente.
Um estudo de 2018 demonstrou que os ectoparasitas humanos eram os vetores primários da Peste, acontecendo a partir dos piolhos do corpo humano, não das pulgas dos ratos. Aqui tem o paper: pnas.org/content/115/6/…
A peste também tinha uma forma pulmonar, mais contagiosa e letal. Era transmitida pelo contato com sangue e muco do infectado, principalmente quando inspirado.
O médico catalão Jacme d’Agramont, em seu Regiment de preservació de la pestilência (1348), indicava como recomendações mais eficazes para combater a Peste Negra o isolamento social, a higiene das casas e das pessoas, desinfecção das ruas, bem como a ventilação de casas e ruas.
A Peste matou aproximadamente 25 milhões de pessoas. A partir do momento que o infectado manifestava os primeiros sintomas, geralmente morria em poucos dias ou em até 24 horas, no caso da Peste Pulmonar. Essa pintura se chama O Triunfo da Morte, de Pieter Bruegel, 1562.
Para fugir da peste, as pessoas isolavam-se ou fugiam, migravam. Porém, em toda a Europa, mesmo aldeias afastadas foram infectadas. Autoridades negligenciavam tomar medidas contra o seu avanço. Na Itália, Florença foi a única cidade do interior que se manteve protegida.
Durante a Peste, as pessoas buscaram por culpados, alguns acham que fenômenos celestes haviam deixado o ar impuro, outros acusavam grupos de espalhar a Peste, entre eles, judeus, viajantes, estrangeiros. A fúria divina geralmente era a explicação para a Peste.
A peste matou muitos do clero. Isso enfraqueceu a Igreja e abriu caminho para que o padre fosse menos necessário. A leitura da Bíblia podia ser individual, sem intermediários, assim como interpretar a mensagem divina a sua maneira. Na figura, a morte leva um abade.
Começou aqui a busca por formas de reformar o Cristianismo, uma vez que esse se mostrou incapaz de salvar as pessoas da Peste. Sendo a Igreja romana o principal alvo de ataques.
Martinho Lutero surge nesse contexto. O fiel se volta diretamente para Deus na intenção de se confessar e de se redimir dos pecados. Isso levou primeiro à Reforma Protestante, e, posteriormente, à Contrareforma da Igreja.
Na política, as relações de senhorio, base da política do Ocidente medieval, se alicerçavam na troca entre o usufruto fiscal da terra, bens e produtos – na maioria dos casos –, pelo auxílio para exercício tributário, de justiça e militar.
Com a diminuição da capacidade da terra em gerar e lastrear riqueza, dado a escassez de mão de obra disponível para trabalhá-la, a solidez das relações de senhorio igualmente se enfraqueceu.
Famílias aristocratas menores desapareceram ou se tornaram irrelevantes. Isso propiciou uma concentração de poder nas mãos de uma elite da aristocracia, o que aumentaria consequentemente o poder de reis e príncipes. Na imagem, a morte está presente no banquete do rei.
Por outro lado, citadinos enriquecidos passaram a comprar terras ou a orientar sua utilização, invertendo uma relação entre campo e cidade que durava séculos. Ou seja, a cidade retomava seu predomínio sobre o campo.
A Peste também proporcionou aos trabalhadores rurais maior mobilidade e capacidade de negociar seu trabalho, proporcionando que alguns até enriquecessem, ou buscassem novas oportunidades nas cidades.
Houve uma variação demográfica por todo território europeu. Algumas cidades tiveram a população reduzida, aldeias desaparecem. Um efeito foi a diminuição da mão-de-obra no campo e na cidade. Isso possibilitou que melhores condições de trabalho fossem negociadas.
O sepultamento era difícil, assim como a extrema unção. Os familiares que sobreviveram se empenharam, após a Peste, em garantir que as almas fossem salvas por meio de penitências e doações.
A morte, até então, era vista como algo positivo. Isso porque se abandonava a vida da tentação para adentrar no Paraíso. Como a agonia do falecimento por Peste era terrível, tal percepção se alterou nessa época, fazendo com que a morte fosse vista como algo a ser temido.
O medo da morte fez com que a vida fosse valorizada, passando-se a permitir e valorizar os prazeres terrenos.
Também muitas pessoas abandonaram o caminho da Salvação, se entregando à devassidão, à luxúria, aos pecados, às apostas em jogos, aos excessos e prazeres da carne, zombando da morte.
Como haviam poucas pessoas para trabalhar, houve uma desvalorização da terra como lastro de riqueza. Essa desvalorização da terra permitiu que o patrocínio da cultura se tornasse lastro de poder. Disso viria o mecenato do Renascimento.
Hoje, olhando com calma e distanciamento, podemos observar quão relevante foi esse episódio. Felizmente, a COVID19 é bem menos mortal que a peste bubônica, no entanto, também está transformando e marcando o momento atual.
Se você curtiu essa thread, confere o trabalho excelente do pessoal do Virtú, que colaborou com esse post. Segue a gente aqui pra outras, e dá uma olhada nesse índice aqui com todas as outras que a gente já publicou. Se cuida e fica em casa.
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