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EIS QUE SURGE A THREAD DO NOSSO EP03 E O TEMA É: OS ABOLICIONISTAS NEGROS!

A cada ano, datas como o 13/05 permitem que analisemos o passado com novos olhares. O que nos leva a perguntar: você conhece a luta dos abolicionistas negros? Não? Então, segue o 🧶 que lá vem história...
Comecemos por José do Patrocínio (1853-1905). Nascido no Rio de Janeiro, Patrocínio era filho de um vigário com uma quitandeira liberta. Ser filho de vigário lhe deu certa rede de proteção na juventude, como moradia sem aluguel e certos contatos para conseguir emprego.
Patrocínio teve que lidar com os 3 critérios que permitiam a ascensão social para pessoas negras no XIX: talento, educação e patronagem. Para além do seu talento, ser filho de vigário com contatos importava, tal como ter ingressado na Faculdade de Medicina para cursar Farmácia.
Seu papel na luta abolicionista se destacou por vários fatores. 1) Figura conhecida da boêmia carioca, Patrocínio tinha contatos na vida cultural da cidade. Portanto, teve papel central nos eventos abolicionistas em teatros, com óperas e peças teatrais de temática abolicionista.
2) A forma apaixonada e dramática com a qual defendia o abolicionismo o fez um grande orador nestes mesmos eventos. Sua verve intensa e inconfundível auxiliou na agitação cultural e na disseminação da propaganda anti-escravista. Como exemplo, certa vez, declamou:
"Pode haver nada de mais santo e de mais nobre do que estarmos nós, de raça africana, trabalhando dia e noite para livrar nossos irmãos dos bárbaros ferros do cativeiro? O que seria torpe, o que seria infame, (...) é se nós, por medo, (...) não estivéssemos na vanguarda (...)".
Nota: importante destacar que nestes eventos, era comum a entrega de alforrias para ex-escravos, papel muitas vezes exercido por Patrocínio. A imagem acima representa estes momentos.
3) Patrocínio tb foi muito importante no seu papel de jornalista, sendo uma das figuras centrais da chamada "imprensa negra", composta pelos primeiros folhetins escritos por negros anti-escravistas. Escreveu para os jornais Gazeta de Notícias e fundou a Gazeta da Tarde.
4) Patrocínio foi romancista e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras no final do XIX. Entre suas obras, podemos citar: Os Ferrões (1875), Os retirantes (1879) e o Manifesto da Confederação Abolicionista (1883). Sua cadeira é a de número 21. bit.ly/3bvs46Y
Um fato curioso de sua trajetória se dá por ter sido tanto um ferrenho defensor do republicanismo, como, posteriormente, da monarquia. Durante longos anos, Patrocínio foi crítico da monarquia e transitava entre o Clube Republicano. Todavia, isso muda com a abolição.
Patrocínio se demonstra admirado com o papel da Princesa Isabel quando esta passa a defender o abolicionismo, e, após a edição da Lei Áurea, isso apenas aumenta. Torna-se é um dos fundadores da Guarda Negra, formada por ex-escravos monarquistas e defensores de Isabel. A razão?
Patrocínio acreditava que um terceiro reinado sob a conduta de Isabel poderia realizar reformas mais importantes do que uma republica dominada pela elite latifundiária, a qual, em sua maioria, sempre foi escravocrata e racista. A escravidão caiu, mas o racismo seguiu - até hoje.
Outro importante abolicionista, e amigo pessoal de Patrocínio, foi André Rebouças (1838-1898). Nascido em Cachoeira, na Bahia, o pai de Rebouças foi Antônio Pereira Rebouças, filho de escrava livre e de alfaiate português, que chegou a ser advogado, deputado e conselheiro real.
Novamente a tríade talento, educação e patronagem cumpriu o seu papel. Rebouças frequentou boas escolas e realizou viagens de estudos pela Europa, passando por Paris e Londres. Optou pela formação em Engenharia, área de suma importância para a modernização no Segundo Reinado.
Durante o 2º Reinado, diversas obras de expansão de infra-estrutura - como ampliação de estradas de ferro e criação de escolas - requisitavam de profissionais capacitados, como engenheiros. Rebouças fez sua carreira conciliando sua formação com seu talento como lobbysta na Corte.
Tal proximidade de Rebouças com a Corte influenciou sua conduta como abolicionista. Se Patrocínio lutava de forma apaixonada, buscando popularizar ideais abolicionistas por meio da cultura, Rebouças era diplomático, calculista e articulava frentes na Corte e no Parlamento.
Rebouças foi um intermediador entre abolicionistas de elite, como Nabuco e Dantas, e abolicionistas da base social, como Patrocínio. Ângela Alonso define sua ambiguidade desta forma: “Refinado como Nabuco, negro como Patrocínio”. Mas, os choques de realidade foram inevitáveis.
Um dos momentos mais marcantes na vida de Rebouças foi quando viajou aos EUA, terra em que o mesmo admirava o progresso econômico via industrialização, e as conquistas políticas, como a abolição. Todavia, o mesmo entrou em choque ao se deparar com o racismo estadunidense.
Mesmo oriundo da elite econômica e política brasileira, nos EUA, Rebouças foi tratado como "um negro". Em certos locais não pode entrar para se hospedar, em outros momentos não conseguiu nem um restaurante para jantar. O trecho abaixo da historiadora Angela Alonso relata o caso.
É válido destacar que Rebouças idealizou, antes de Joaquim Nabuco, a ideia de uma abolição que coadunasse: nenhuma indenização aos senhores e uma pequena propriedade para cada ex-escravo. Não houve indenizações, mas as propriedades também não foram garantidas.
Por fim, cabe registar que após a proclamação da República, Rebouças também se manteve monarquista e foi exilado junto da Família Real, tendo morrido em exílio. Seu amigo, José do Patrocínio, também foi perseguido pelos republicanos nos primeiros anos da República.
Luís Gama (1830-1882), nasceu em Salvador. Filho de uma negra africana livre que lutou em revoltas escravas, seu pai era um homem branco, atolado em dívidas, que acabou por vendê-lo aos 10 anos. Gama embarcou livre em Salvador e desembarcou escravo no Rio de Janeiro.
Gama não obteve na juventude uma patronagem. A vida o levou para São Paulo, onde trabalhou como escravo doméstico e de ganho. Lá, conheceu um estudante de direito que o ensinou a ler e escrever, apresentando-o à lei de 7 de novembro de 1831. bit.ly/3dMEiJZ
A lei tornava livre todos os africanos e descendentes de africanos que haviam desembarcados no Brasil desde então. Ao tomar conhecimento da informação, aos 18 anos, afrontou o seu senhor e afirmou: livre nascerá, livre se declarava. Foi sua 1ª defesa jurídica contra a escravidão.
Não há registros precisos de como Gama obteve sua liberdade, mas fato é que seu antigo senhor nunca requisitou a sua recaptura. Certo é que Gama optou por um caminho comum aos ex-escravos: assentou praça e foi seguindo carreira no ramo, desenvolvendo sempre sua escrita. (tem +)
A luta de Gama no movimento abolicionista ficou marcada pelo não silenciamento sobre sua cor, se declarando negro e não optando por definições como "mulato". Mas,um dos seus poemas mais tocantes trata de incertezas sobre quem era o filho de escrava, português e de apelido "bode".
Quem sou eu?

Se negro sou, ou sou bode
Pouco importa
O que isto pode?
Bodes há de toda casta
Pois que a espécie é muito vasta (...),
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos todos francos,
Gentes pobres, nobres gentes
Em todos há meus parentes
Falar de Luís Gama é falar do seu papel crucial como o maior expoente da luta judicial contra a escravidão. Após obter sua liberdade, formou-se em Direito e SP e dedicou sua vida na defesa de escravos em busca de sua alforria. Isso auxiliou na popularização do abolicionismo. Pq?
Na sua residência, Gama recebia pessoas oriundas de estratos sociais baixos, o que permitia que diálogo com grupos distintos dos presentes nos jantares do requintado Rebouças. Com Gama, o abolicionismo passou a defender "o povo" e não somente "ideais estrangeiros de liberdade".
Gama ganhou notoriedade como jornalista, escritor, defensor de ideais republicanos, dialogou com o Partido Liberal para formar propostas de abolição. Há relatos de sua atuação na maçonaria, mas o quanto isso influenciou sua trajetória ainda é tema para debates.
Sua dedicação a causa abolicionista fez com que Gama ganhasse o título de Patrono da Abolição no Brasil. Infelizmente, este se deu posteriormente a sua morte, a qual ocorreu em 1882 - era diabético. Seu funeral reuniu multidões com flores - elas eram o símbolo do abolicionismo.
A província do Ceará foi a 1ª a abolir a escravidão (o fez em 1883), e neste processo, foi fundamental o papel do abolicionista negro, Francisco José do Nascimento, mais conhecido como "Dragão do Mar". Chico nasceu pobre, filho de pescadores, tendo trabalhado como jangadeiro.
O marco da atuação do Dragão do Mar se deu em janeiro de 1881, quando era chefe dos jangadeiros e ele e seus colegas se recusaram a transportar escravos para os navios negreiros que tinham como destino o Rio de Janeiro. Em agosto do mesmo ano, realizaram resistência semelhante.
O resultado foi o fechamento do porto do Ceará para o tráfico interprovincial. Ganhou o nome de Dragão do Mar após celebrações por sua bravura, tendo recebido homenagens do governo do Ceará. Até hoje, é um símbolo da resistência popular à escravidão.
Alguns nomes são difíceis de registrar. Por exemplo, durante a década de 1880, houve uma forte campanha para que escravos fugissem dos seus cativeiros, muitos viajando em direção à provinciais em que a escravidão havia sido abolida. Muitos morreram. Fica a homenagem a sua luta.
Ufa! Chegamos ao fim da thread. Gostou do conteúdo? Temos um episódio inteiro no nosso podcast só tratando da abolição da escravatura! Confere lá e dá uma força para a gente. No link, consta todas as plataformas em que o podcast está disponível.

linktr.ee/estacaobrasilfm
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No caso, este link leva para os 5 livros sobre o processo de abolição da escravatura: instagram.com/p/B_p5WGRhSuZ/
E, por fim, tratando sobre esse tema eu não posso deixar de fazer coro com a admirável resiliência de @brumelianebrum em sempre lembrar:

791 dias.
Quem mandou matar Marielle?
E por quê?
E esta thread, bem como o episódio do nosso podcast, não teria a mesma qualidade sem a contribuição do especialista no XIX, @Andreluiz0003. MUITO OBRIGADO, ANDRÉZÃO! :)
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