Thread by @gusdnascimento

Mano, o tanto que essa mina teve que abrir caminho na base da porrada. Glória Maria é sensacional, mas essa entrevista fez eu me lembrar de uma coisa muito triste sobre mim. Pega o fio (se quiser) (+)

telepadi.folha.uol.com.br/eu-me-sentia-c…

Passei anos da minha vida com um ranço sem motivo da Glória. Não entendia o pq, mas não gostava dela, do estilo, das matérias... tudo eu achava um jeito pra criticar. Do cabelo à passagem, da pauta à dicção.

Demorou mto tempo pra eu sacar como o racismo funcionava em nós, pretos. Somos ensinados a odiar e cobrar muito mais outros pretos.

se ele ocupava esse lugar tinha que ser mil vezes melhor, não apenas melhor, jamais igual... nunca era o bastante

Quando uma criança preta vive em um universo marjoritariamente branco...bem a primeira reação dela é fazer de tudo para tentar não ser preta. Isso nos dá a sensação de que seríamos aceitos então tentamos nos afastar de tudo o que nos ligaria a outro preto.

Era assim com as músicas, por isso demorei tanto a gostar do som que vinha do gueto. Mas, isso refletia tbm minha autoimagem.
Sabe aquela música do @emicida que ele fala do prejuízo das nossas crianças que sonhavam com cabelo liso?bem, é disso que ele tava falando

Sonhávamos com o cabelo e traços brancos e não debatiamos o fato: "Que a fama da nossa cor fecha mais portas que zelador de orfanato". Ou ou quanto: "é comum, dizer que preto é ladrão, antes mesmo de a gente saber o que é um?"

Por isso evitava o rap, o samba, o funk. Eles tentavam me dizer quem eu era e da onde eu vinha e nós tinhamos medo disso. Se aceitar, não era se encaixar.

hoje, quando eu pego uma letra como "Ismalia" pra estudar, eu choro, pq eu vejo como isso afetou a minha vida durante tanto tempo. é de mim que ele fala quando canta:

"Ela quis ser chamada de morena
Que isso camufla o abismo entre si e a humanidade plena
A raiva insufla, pensa nesse esquema
A ideia imunda, tudo inunda
A dor profunda é que todo mundo é meio tema"

"Paísinho de bosta, a mídia gosta
Deixou a falha e quer migalha de quem corre com fratura exposta
Apunhalado pelas costa
Esquartejado pelo imposto imposta
E como analgésico nós posta que
Um dia vai 'tá nos conforme
Que um diploma é uma alforria
Minha cor não né uniforme"

era de mim que o @djongadorge tava falando aqui tbm:
"O mano que critica fogo nos racista
E é dos nosso, entende e vive (e-ei)
Prova que nem o próprio preto
Tá pronto pra ver o preto livre".

Enfim, mais de 20 anos pra começar a entender.

e é por conta disso tudo, que hoje quando eu olho a Glóra Maria, eu não sinto mais ranço ou qualquer outra coisa, eu sinto orgulho, muito orgulho e gratidão mesmo por todas as barreiras que ela derrubou na base da tijolada.

"Já disse, pretos no topo, e eu falava sério (...) Como se fosse a noite, cê vê tudo preto
Como fosse um blackout, cê vê tudo preto
São meus manos, minhas minas
Meus irmãos, minhas irmãs, yeah
O mundo é nosso, hã" <3

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