Quando a gente fala de aliança preta, indígena e popular, não estamos inventando nada. A forma como muitos intérpretes tratou as rebeliões no século XIX e antes ofuscou a ideia de que povos distintos se aliaram para enfrentar o latifúndio, o escravismo e o poder colonial. Fio+
Se quando a gente pensar Cabanagem, a gente falar que Mura, Mawé e Munduruku (para ficar em poucos exemplos) se aliaram a pretos cafuzos, arrendatários, brancos pobres para enfrentar a administração imperial e os latifúdnios, a gente percebe melhor a aliança.+
Se quando falarmos de Balaiada, percebermos que povos Tupinambá no Ceará (fronteira com o Piauí) viajaram até a região de Caxias no Maranhão para se aliarem ao Quilombo de Cosme e aos Vaqueiros de Raimundo Gomes, percebemos uma aliança clara de povos.+
Se olharmos para Canudos e entendermos que Kiriri se aliaram ao Conselheiro, vamos entender porque mudaram a frase de Euclides para "o sertanejo é, antes de tudo, um índio". Mesmo que esta luta tenha quase matado esse povo, foram lá lutar contra o latifúndio. +
Mesmo na Praieira, a revolução liberal-socialista, pernambucana, vamos ver indígenas Kariri, Potiguar, Caeté e Tabajara aldeados em Barreiros e Jacuípe participando da luta. Não há mistério no que estamos falando. +
Uma das grandes vitórias do racismo e do colonialismo foi a destruição (da maioria) das nações pretas na virada do século XIX para o XX. Mas ainda assim, nós temos relatos de sala de orações muçulmanas no Centro Operário da Bahia construída por malês do século XX. +
Os malês participaram das primeiras greves em Salvador no início do século passado só que não mais como nação, mas dentro de organizações pretas e operárias mutualistas. Se procurar os nomes, você acha.+
Isto importa porque temos a mudança desta relação muito rapidamente no século XX ou a ilusão desta mudança. O PCB tentou recrutar cangaceiros e mesmo a liderança Tupinambá Caboclo Marcelino. Ali ainda se percebia o poder dos povos, mas já não se construia alianças como antes. +
Se olharmos a grande luta nos 500 anos da invasão, veremos isto. Toda aquela guerra em Porto Seguro no ano 2000 foi fruto de articulação de MST, MNU, quilombos e muitos povos indígenas. Ali havia uma semente de esperança na unidade dos povos que foi se quebrando. +
Por outro lado está na nossa memória as traições das alianças com os brancos. Seja o massacre de Porongos na Farroupilha, antes dele a independência na Bahia e depois a guerra do Paraguai, o destino dos pretos e indígenas que abraçaram a "nação" sob a liderança branca é um só.+
A própria forma como se tratou o crime político, em geral branco, e o pseudo-crime comum na anistia à ditadura militar, revela o caráter safado de parte da esquerda branca: ela vai se safar e seu companheiro de cela preto que se lasque. E isto fica na memórica coletiva. +
A última aliança dos de baixo que tem vigorado bastante tempo é o @MST_Oficial. Criado no sul em comunidades majoritariamente brancas, ele é abraçado como condição de classe pelos pretos pobres deste país e por muitos descendentes de indígenas desterritorializados.+
Se você está indicando um programa de organização revolucionária que não desvele o problema concreto que é a destruição dos povos e a ideia de tratar os indivíduos políticos apartados de seu território e suas pertenças, bom, eu acho que você terá um trabalho duríssimo. +
É preciso retomar a consciência de que Balaiada, Cabanagem e Canudos foram mais longevos do que a Comuna de Paris, este observatório exagerado do poder popular. 40 dias, gente... Retomemos a interpretação de nossas histórias e desvelemos como construímos territórios. +
Há mais teoria na experiência das alianças dos povos por territórios autônomos no Brasil do que preguiça em busca de livros com receitas prontas. Por fim, não há Brasil profundo, teu eurocentrismo é que é raso.
Essa vai pra @lukissima .
