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Antes de deixar o MEC e o Brasil, Weintraub revogou portaria sobre cotas na pós-graduação. Pq a política de cotas passou a ser um dos maiores alvos de ataques do então ministro e do governo? A resposta é quase óbvia, mas às vezes é bom desenhar (ou, no caso, calcular). Thread 🧶+
As cotas nas universidades públicas federais brasileiras passaram a ser adotadas em 2004. O governo do presidente Lula, por meio de Medida Provisória, autorizou que cada universidade adotasse ou não um sistema de cotas.
São destinadas para pessoas negras (cotas raciais) ou estudantes de escolas públicas, sem levar em conta a questão racial (cota social). A UnB foi a primeira a implementar e em 2012, a lei 12.711 tornou obrigatória as cotas nas unis e institutos federais. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato…
Um estudo publicado por pesquisadores da Universidade de Illinois (EUA) na Economics of Education Review (2019), traçou um panorama da adoção da política de cotas nas universidades federais brasileiras entre 2004 e 2012. doi.org/10.1016/j.econ…
Nesse período, as cotas eram optativas para as universidades federais, assim a pesquisa conseguiu comparar os impactos das cotas raciais, das sociais e da não adoção de cotas nas universidades estudadas.
O estudo analisou os dados socioeconômicos obtidos no ENADE de mais de 163 mil estudantes que ingressaram em 1029 cursos de 49 universidades federais entre 2004 e 2012. Considerou-se 4 variáveis: raça, ensino público ou privado, escolaridade dos pais e gênero.
A gente já volta pra esse estudo, mas antes, um pouco de contexto. Nessa época, a opinião pública sobre as cotas era complicada. Para ilustrar essa thread, buscamos o que se publicava em alguns dos maiores jornais do país sobre o assunto.
Os argumentos variavam, mas o posicionamento em geral era conservador. O brasilianista Mathew Shirts em 2001, apoiando-se em G. Freyre, Jorge Amado e Sergio B. de Holanda defendia que "a indefinição racial através da miscigenação" era a "solução para o racismo nacional".
Demetrio Magnoli em 2003 defendia que a política de cotas "fere o princípio da igualdade formal dos cidadãos" e "os vestibulares são ilhas de modernidade no oceano do patrimonialismo brasileiro". Luis Nassif em 2005 foi mais longe: "O Racismo Negro".
Poucas eram as vozes com espaço na defesa das cotas naquele período. Foi o caso prof Marcelo Tratenberg da UFSC em 2003 ou a entrevista do prof José Jorge de Carvalho da UnB, onde não só defendia as cotas na graduação, mas também na pós-graduação.
O Estadão publicou uma série de pesquisas de opinião quando as cotas passaram para a pauta do governo. Em 2003, 85% dos alunos das classes A e B eram contra as cotas. Em 2004, enquete no site do jornal: apenas 14% concordavam com o sistema de cotas e 86% eram contra.
Mas, com os anos, os jornais passaram a apresentar os primeiros resultados dessa política. Em 2006, o Estadão publicou uma pesquisa com professores. Mais da metade aprovavam as cotas e quanto maior a concorrência do curso, menor a aprovação dos professores às cotas.
Em 2008, por exemplo, a Folha de SP mostrava um dado importante: desde a implementação das cotas, o número de estudantes negros na UnB era já cinco vezes maior do que antes das cotas.
Entre 2004 e 2012, nas universidades que aplicaram cotas, houve um aumento significativo de matrículas de estudantes negros e de grupos desfavorecidos economicamente nas universidades federais.
Esse é uma das conclusões daquele estudo que mencionamos antes, a partir dos dados de 163 mil estudantes. Eles também concluem que houve aumento significativo de estudantes de grupos desfavorecidos não explicitamente direcionados pelas políticas de cotas.
Houve também um aumento significativo de estudantes matriculados nas universidades federais cujos pais tinham baixo nível de escolaridade. Além disso, os maiores impactos das políticas de cotas se deram nos cursos de mais prestígio e maior concorrência.
Tanto a política de cotas raciais quanto sociais levaram a aumentos semelhantes no número de matrículas de estudantes de nível socioeconômico baixo, no entanto, o ingresso de estudantes negros não sofreu aumento significativo em universidades que adotaram apenas a cota social.
Isso só entre 2004 e 2012! Esse estudo trata de todas as universidades federais em um período que permite comparar as que adotaram com as que não adotaram cotas.
Os impactos da política de cotas são inegáveis e muitos outros estudos trataram do período posterior a 2012. Mas cotas ainda não são obrigatórias nos cursos de pós-graduação.
O Grupo de Estudos Multidiciplinares da Ação Afirmativa da UERJ publicou um post com dados de pesquisas em programas de pós-graduação no país que adotaram políticas de cotas. Foram analisadas 49 políticas entre 2002 e 2017. gemaa.iesp.uerj.br/infografico/ac…
São muito poucos programas que têm cotas nas universidades públicas. A portaria de maio de 2016, revogada pelo Weintraub, visava justamente regulamentar as políticas de cotas raciais e sociais na pós-graduação.
A tese da direita brasileira é que não há racismo no Brasil. Se não há racismo, não há motivo para se discutir cotas. O então candidato a presidente da república, em 2018, foi autor de pérolas sobre o assunto: “os portugueses nem pisaram na África”. 🤦
Compartilha dessa opinião o trineto de D. Pedro II, defensor do regime imperial (que em seus 67 anos de existência, manteve a escravidão por 66) e se diz "herdeiro" de uma coroa que não existe mais no Brasil.
EUA, Africa do Sul e Índia têm cotas. Nos EUA, desde 1960. Na Índia, desde o começo do século XX.
Em um país com diferenças tão abismais entre as populações brancas e negras, a intenção dessas pessoas é apagar a discussão sobre racismo. Uma de suas estratégias é justamente diminuir a presença de negros e negras nas universidades. Sabe por que? Por isso aqui:
Entre 1999 e 2018, o número de publicações acadêmicas brasileiras sobre racismo cresceu 28 vezes. Isso é quase seis vezes mais do que a média de crescimento no resto do mundo. Mesmo assim, o Brasil ainda representa apenas 4% das publicações acadêmicas sobre racismo.
A pesquisa social desmonta a tese de que não existe racismo no Brasil. E quanto mais negras e negros na universidade, mais desmontamos.
No Programa de Pós-Graduação em História da UFSM, as cotas devem começar a vigorar já nos processos seletivos de 2020. Pelo menos essa é a intenção do corpo docente e discente. Estamos atrasados, com certeza. Mas seguiremos com passos firmes nessa direção.
Essa thread foi escrita pelo professor @jmalaia e a edição de texto foi feita com colaboração de @souzafanfa. Se você gostou, segue o projeto Mais História, por favor! e dá uma olhada no nosso índice aqui:
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