My Authors
Read all threads
Tenho uma tia que mora na Alemanha. De 2 em 2 anos ela vem ao Brasil para rever a família, e sempre arruma uns passeios muito legais, e sempre quer levar os sobrinhos para aproveitar.

Acho que foi em 2004 que ela veio e arrumou um passeio para o Marajó.
Éramos um grupo grande, umas 10 pessoas, e ficaríamos hospedados na fazenda de um amigo dela, perto de Salvaterra, com uma linda praia particular.

A casa principal, na beira da areia, tinha piscina, campinho, churrasqueira, mas tinha algo meio assustador: era rodeada de mato.
De dia a gente não percebeu nada de estranho, mas, a medida que a noite caia, um clima bem bizarro foi tomando conta de tudo.

Para piorar, na hora da janta, todo mundo já banhado, o dono da casa resolveu contar história de visagens - mas não qualquer visagem.
O Marajó já é, por si só, completamente encantado. Não dá para entrar no maro ou nas águas por lá sem pedir autorização.

E ele falou de encantamentos, de pajelanças, de histoude cabocos e pretos velhos, de antigos jesuítas.

Obviamente, todo mundo ficou tenso.
Na hora de dormir - dormimos cedo no Marajó- eu resolvi ter a ideia mais brilhante da minha vida.

- Acho que vou atar minha rede ali na cabana, na beira da praia.

E todo mundo me olhou desconfiado.

O cara tinha reservado quarto para a gente, ar condicionado e suite...
Minha tia chegou comigo, em tom de brincadeira:

- Olha, tu vais dormir mesmo sozinho, na beira da praia? Tu nem és corajoso!

Mas eu estava ali, com o vento batendo na cara, barulho das ondas e tal. Não queria perder a chance de dormir vendo as estrelas.

Não sei o que pensei...
Andei uns 100 mts entre a casa principal e a cabana de apoio que ficava quase colada na areia.

Só eu e um frezer horizontal velho e barulhento. Cabana toda aberta dos 4 lados.

Atei minha rede, deitei e me cobri.

15 minutos depois, desligaram as luzes e fiquei imerso no breu.
Aí bateu o medo.

1ª coisa que pensei: que merda de ideia eu tive. Ainda ensaiei pegar minhas coisas e correr para a casa, mas iam rir tanto de mim...
Diferente do que vocês possam imaginar, a noite foi tranquila e linda.

O vento balançava a rede e fazia frio. Zumbia na minha orelha. O barulho das ondas. O céu mais estrelado que já vi. Dormi lindo. Dormi bem.

Ao menos, até perto de 1 da manhã, quando o pesadelo começou...
Devia ser uma da manhã. Vi pela lua.

Acordo subitamente sentindo algo estranho. A rede parada me incomoda.

Quando acordo melhor, percebo a razão da estranheza: um silêncio completo, sepucral, como se o mundo tivesse parado.
Não tinha vento, não tinha barulho de onda. Não tinha grilo nem sapo, nem qulquer outro bicho da noite. Só tinha o barulho do motor do frezer velho, que insistia naquele silêncio.

Me apavorei. Puxei a borda da rede para olhar para fora e tudo era quieto no escuro.
Pensei que podia ser um sonho, mas depois de quase dez minutos parado na rede, esperando as coisas voltarem ao normal, percebi que estava bem acordado.

E foi justo nessa hora que comecei a ouvir uns sussuros bem perto de onde estava, pelas minhas costas.
De início foi um cochicho baixo, duas pessoas falando, e, com o tempo, comecei a pescar algumas palavras que ainda lembro.

...veio da terra grande... e veio dormir no mato, ririri... é viajante da terra longa lá da banda de Belém...

E risos baixinhos e contidos.
Nessa hora eu já calculava em quanto tempo eu percorreria os 100 metros, lamentando não ter ninguém para registrar o feito, pois certamente bateria algum recorde mundial.

O que mais eu podia fazer? No escuro, naquela quietude anormal, com gente cochichando atrás de mim?
Agarrei meu lençol, mentalizei coisas boas, me concentrei para não cair na corrida... ainda respirei fundo várias vezes, e torci para ouvir novamente os barulhos da noite...

...e foi justo nessa hora que aconteceu!
Eu senti como se alguém passasse a mão de leve nas minhas costas, só a ponta das unhas, como se tivesse alguém por baixo da rede!

E logo o arranhão ficou mais forte!
Nessa hora não consegui pensar em mais nada e corri.

Só que deu merda!

Porque, por alguma razão, acho que pela posição da mão que me tocava, quando pulei da rede, ao invés de correr na direção da casa, corri para a praia.
Amigos, eu corri sem olhar para trás, com um grito estrangulado na garganta, e já no meio do caminho eu percebi a merda que tinha feito. A visagem coça tuas costas na rede e você faz o quê?

Corre para a casa onde está sua família? Não! Corre para a praia deserta.

Um idiota.
Não sei quanto tempo corri, a distância que percorri. Só lembro de correr sem olhar para trás, até que trombei num vulto escuro que apareceu na minha frente do nada.

POOOOW

Fomos os dois para o chão. Já ia correr novamente, quando ouvi:

- Que foi, rapaz?
Parece que ouvir aquela voz humana me acalmou:

- Tá tudo bem?

E eu, sem graça:

- Tá sim, rs

- Tava bem fugindo de visagem, né?

Ainda sem graça:

- Sei lá, aconteceu uma coisa estranha agora.

Ele se apresentou, era o vigia da fazenda que ficava na praia para evitar bandido.
O dono da fazenda sempre contratava a ele quando havia muita gente, para evitar desde pequeno furto até coisa grande.

Contei para ele minha noite e o homem desandou a rir de mim:

- Mas menino, como que cê vem dormir no meio do mato e não pede permissão!?
Ainda ficamos lá um bom tempo conversando, e ele me falou, cheio de propriedade, sobre todas as visagens e aparições do lugar.

No final, decidi dormir na casa principal e ele me ajudou com a rede, me mostrou um cantinho bom e seguro - segundo ele.
Na manhã seguinte acordei mais tarde.

Todo mundo já tinha acordado e me esperava na mesa do café. Mal entrei e já começou o sarro, porque tinha arregado e vindo dormir na casa principal.

Aí, contei tudo para o povo, falei do silêncio, das vozes, e o dono da casa abriu um olhão!
E todo mundo olhou para ele, até que minha tia perguntou:

- Que foi, fulano? Ficou com medo das visagens também?

E ele respondeu, intrigado:

- Não... o que me meteu medo mesmo é que o antigo vigia, que ficava na praia de noite, morreu faz uns 2 meses e nunca contratei outro.
Nessa hora não tinha mais ninguém tirando sarro de mim, ninguém rindo nem nada.

Na mesa do café só havia olhares de estranhamento.

- Pare com isso, tio. Ele se apresentou. Nome dele é Jango, ele conversou comigo.

E era o mesmo nome, tudo igual, mas o homem tinha morrido.
Por isso ele sabia tanto daquelas entidades que estavam brincando comigo, ou brigando... O tio ainda foi olhar na praia, assuntou na vilinha que tinha do lado, mas ninguém vivo andou por aquelas bandas de noite.

Só eu mesmo.

Fim
Para quem quiser mais histórias e textos, tem mais aqui:

No Telegram, um canal: t.me/tantotupiassu

No Facebook, uma página: facebook.com/tantotupiassu/

No Instagram, fotos fofas de pimpolhos: instagram.com/tantotupiassu/
@threader_app compile
Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh.

Keep Current with TANTO

Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

Twitter may remove this content at anytime, convert it as a PDF, save and print for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video

1) Follow Thread Reader App on Twitter so you can easily mention us!

2) Go to a Twitter thread (series of Tweets by the same owner) and mention us with a keyword "unroll" @threadreaderapp unroll

You can practice here first or read more on our help page!

Follow Us on Twitter!

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3.00/month or $30.00/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!