Para piorar, na hora da janta, todo mundo já banhado, o dono da casa resolveu contar história de visagens - mas não qualquer visagem.
E ele falou de encantamentos, de pajelanças, de histoude cabocos e pretos velhos, de antigos jesuítas.
Obviamente, todo mundo ficou tenso.
- Acho que vou atar minha rede ali na cabana, na beira da praia.
E todo mundo me olhou desconfiado.
O cara tinha reservado quarto para a gente, ar condicionado e suite...
- Olha, tu vais dormir mesmo sozinho, na beira da praia? Tu nem és corajoso!
Mas eu estava ali, com o vento batendo na cara, barulho das ondas e tal. Não queria perder a chance de dormir vendo as estrelas.
Não sei o que pensei...
Só eu e um frezer horizontal velho e barulhento. Cabana toda aberta dos 4 lados.
Atei minha rede, deitei e me cobri.
15 minutos depois, desligaram as luzes e fiquei imerso no breu.
O vento balançava a rede e fazia frio. Zumbia na minha orelha. O barulho das ondas. O céu mais estrelado que já vi. Dormi lindo. Dormi bem.
Ao menos, até perto de 1 da manhã, quando o pesadelo começou...
Acordo subitamente sentindo algo estranho. A rede parada me incomoda.
Quando acordo melhor, percebo a razão da estranheza: um silêncio completo, sepucral, como se o mundo tivesse parado.
Me apavorei. Puxei a borda da rede para olhar para fora e tudo era quieto no escuro.
E foi justo nessa hora que comecei a ouvir uns sussuros bem perto de onde estava, pelas minhas costas.
...veio da terra grande... e veio dormir no mato, ririri... é viajante da terra longa lá da banda de Belém...
E risos baixinhos e contidos.
O que mais eu podia fazer? No escuro, naquela quietude anormal, com gente cochichando atrás de mim?
...e foi justo nessa hora que aconteceu!
Corre para a casa onde está sua família? Não! Corre para a praia deserta.
Um idiota.
POOOOW
Fomos os dois para o chão. Já ia correr novamente, quando ouvi:
- Que foi, rapaz?
- Tá tudo bem?
E eu, sem graça:
- Tá sim, rs
- Tava bem fugindo de visagem, né?
Ainda sem graça:
- Sei lá, aconteceu uma coisa estranha agora.
Ele se apresentou, era o vigia da fazenda que ficava na praia para evitar bandido.
Contei para ele minha noite e o homem desandou a rir de mim:
- Mas menino, como que cê vem dormir no meio do mato e não pede permissão!?
No final, decidi dormir na casa principal e ele me ajudou com a rede, me mostrou um cantinho bom e seguro - segundo ele.
Todo mundo já tinha acordado e me esperava na mesa do café. Mal entrei e já começou o sarro, porque tinha arregado e vindo dormir na casa principal.
Aí, contei tudo para o povo, falei do silêncio, das vozes, e o dono da casa abriu um olhão!
- Que foi, fulano? Ficou com medo das visagens também?
E ele respondeu, intrigado:
- Não... o que me meteu medo mesmo é que o antigo vigia, que ficava na praia de noite, morreu faz uns 2 meses e nunca contratei outro.
Na mesa do café só havia olhares de estranhamento.
- Pare com isso, tio. Ele se apresentou. Nome dele é Jango, ele conversou comigo.
E era o mesmo nome, tudo igual, mas o homem tinha morrido.
Só eu mesmo.
Fim
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