My Authors
Read all threads
Você sabia que o cupuaçu e o açaí já foram alvo de patentes? Os donos lucrariam milhares de dólares sem que nenhum centavo voltasse para cá e para os povos que geraram esse conhecimento. Vem de #BioThreadBR descobrir que animais não são os únicos alvos de biopirataria aqui... Ilustração em preto e branco representando o momento de ch
Casos de biopirataria tomaram notoriedade após a descoberta de uma naja e outros animais traficados no Distrito Federal. Muitas vezes nos deparamos com notícias revoltantes de casos de animais nativos traficados para o exterior, mas esquecemos que plantas também são alvo.
O que é biopirataria? Essa prática consiste na exploração, manipulação ou comercialização de biodiversidade, produtos advindos dela e de conhecimentos tradicionais associados por outro país de onde essas não são nativas.
A biopirataria não necessariamente está associada a criação de patentes, mas elas são muitas vezes utilizadas como mecanismo de controle em cima da biodiversidade e de seus subprodutos. Assim, é criada a noção de posse sobre os mesmos e o lucro é exclusivo do dono da patente.
Um caso emblemático foi a tentativa de patentear o nome “cupuaçu”, a produção de cupulate (chocolate feito de cupuaçu) e o processo de extração de óleo das sementes de cupuaçu. Essa tentativa foi feita por uma empresa japonesa para registrar patentes no Japão, EUA e Europa.
Isso apenas foi descoberto pois a ONG Amazonlink enviou amostras de bombons de cupuaçu para uma ONG alemã para estudar a possibilidade de comercialização dos doces na Alemanha. Quando foram impedidos por causa do nome, se tomou conhecimento sobre a tramitação da patente.
O que isso significaria, então? Para cada lote de bombons exportados, deveriam ser pagos 10 mil dólares de royalties por um produto derivado de uma planta nativa do Brasil e desenvolvido por comunidades tradicionais há milhares de anos (sem que nada do lucro fosse revertido).
Após uma extensa campanha denominada “o cupuaçu é nosso”, o registro de patente foi retirado.
Vocês já imaginaram ter que pagar para utilizar o nome “cupuaçu” e para produzir doces e óleo a partir dessa planta? É isso que uma patente em cima de biodiversidade faz. Imagem de pessoas ajoelhadas ao lado de uma faixa grande e b
Infelizmente, o cupuaçu não foi o primeiro e nem o último alvo. Em 2003, o nome “açaí” foi patenteado como marca. Levou 4 anos para que o governo brasileiro conseguisse que a marca fosse anulada. Após esses casos, tanto o cupuaçu quanto o açaí foram declarados frutas nacionais.
Como outra tentativa de barrar essas ações, foi entregue a todos os escritórios de patentes do mundo uma lista com o nome científico e nomes populares de diversas espécies brasileiras de interesse econômico.
“E pode isso, Letícia? Registrar o nome de qualquer planta como produto?” Na teoria, não. A própria legislação que regulamenta as patentes define que a marca de um produto não pode ser registrado como o nome daquilo que dá origem ao produto.
O ponto importante aqui é que fica claro que a definição de patentes pode ser flexível se as mesmas beneficiam países e o mercado dentro do contexto do Norte econômico.
Plantas medicinais também são grandes alvos de biopirataria pois seus subprodutos são geralmente mais eficazes e com menos efeitos colaterais que produtos sintéticos.
O mercado de plantas medicinais move até 50 bilhões de dólares anuais em países europeus e três quartos dos medicamentos prescritos vêm de medicinas descobertas por povos indígenas.
O problema é mais profundo pois a patente não surge a partir apenas da exploração dessa biodiversidade. A biopirataria de plantas pode envolver espécies que foram domesticadas por povos indígenas que levaram milhares de anos para estruturar esse conhecimento.
O conhecimento tradicional leva à estruturação da patente, mas apesar de terem sido diretamente responsáveis por aquele conhecimento e por aquela planta existir como existe hoje, nenhum lucro vai para comunidades tradicionais.
Por que é tão difícil de combater patentes geradas em cima de conhecimentos tradicionais? Muitos se aproveitam desses conhecimentos existirem de forma oral e comunitária. Sem registro escrito, a patente é às vezes criada sob o argumento de ineditismo e inovação.
No Brasil, a biopirataria acontece em um contexto histórico desde a colonização. A utilização da brasilina, pigmento vermelho que dá cor ao Pau-Brasil, pode ser considerado o primeiro e um dos mais conhecidos episódios.
O roubo de 70 mil sementes de seringueira pelos ingleses, que causou a quebra do ciclo da borracha, também não fica para trás.
Estima-se que cerca de 1,5 bilhão de dólares em bens naturais sejam perdidos por ANO no Brasil por conta da biopirataria genética da flora e fauna. Até hoje o país não possui legislação específica sobre biopirataria.
Existe uma iniciativa mundial para denunciar e combater a biopirataria. O Prêmio Capitão Gancho de Biopirataria, promovido pela Coalizão contra Biopirataria, “premia” os casos mais absurdos envolvendo patrimônio genético e patentes. Vamos conhecer alguns capitães gancho?
Blairo Maggi, ministro do meio ambiente do governo Temer, recebeu o prêmio “Duas Caras” em 2016 por limitar o comprometimento do Brasil na Convenção de Diversidade Biológica, ir contra o Protocolo de Nagoya* e apoiar o marco regulatório da biodiversidade*.
* O Protocolo de Nagoya é um acordo internacional que estabelece as relações comerciais de repartição entre países quando se trata de patrimônio genético. O Brasil não ratificou o tratado, o que significa que não participa dele efetivamente.
* O marco regulatório da biodiversidade, definido pela Lei da Biodiversidade (Lei 13.123, 2015), define o acesso ao patrimônio genético nacional. Foi chamada de "Lei da Biopirataria" por seu texto original.
A Coca-Cola, em 2016, ganhou o prêmio de “Biopirata mais ganancioso” por lucrar extensivamente com o uso de stevia sem compartilhar lucros com os Guarani, detentores desse conhecimento tradicional.
O governo dos EUA recebeu o prêmio de “Ato mais vergonhoso de biopirataria” em 2006 ao impor patentes sobre o Iraque (em um cenário de pós guerra). Após “devolver a soberania” ao Iraque, os EUA impediram que fazendeiros utilizassem variedades de sementes registradas nas patentes.
Lula recebeu em 2004 o prêmio de “Pior traição” por incentivar testes de tecnologias genéticas de restrição de uso (GURT)*, além de ignorar a posição popular contra a plantação de soja transgênica, que foi legalizada.
* As GURT consistem no controle tecnológico da germinação. Podem ser tanto “exterminadoras”, quando a segunda geração produz sementes estéreis, ou “traidoras”, quando só germinam se induzidas por agentes químicos específicos (claro, produzidos pela mesma empresa das sementes).
A Monsanto, também em 2004, ganhou o prêmio de “Pior corporação infratora” por patentear uma variedade de trigo suave e com pouco gluten, além de todos os produtos derivados dela (farinha, massa e outros comestíveis), que é derivada de uma variedade tradicional da Índia.
O escritório de patentes dos Estados Unidos recebeu em 2002 o prêmio de “Mais ofensivo” ao patentear, revogar e depois conceder novamente a patente sobre a planta cipó-mariri (Banisteriopsis caapi) com a qual é produzido o chá Ayahuasca.
O problema da biopirataria de plantas é extenso não apenas no Brasil, mas atinge incontáveis países em desenvolvimento. Isso não apenas significa bilhões em perdas econômicas, mas é também apropriação de sabedorias tradicionais sem que esses povos sejam consultados.
Quero deixar aqui meu agradecimento à Alice (@esecicise) que me sugeriu fazer uma thread sobre esse assunto 🌿💚
Muito obrigada por me acompanhar até aqui nesse assunto tão importante e ainda super urgente, apesar de acontecer há centenas de anos! Vou deixar todas as referências que consultei aqui embaixo. Até a próxima, beijo dessa #CientistaDeTwitter 🌿
Ilustração do primeiro tuíte: Erik Drooker.
Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh.

Keep Current with Letícia M

Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

Twitter may remove this content at anytime, convert it as a PDF, save and print for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video

1) Follow Thread Reader App on Twitter so you can easily mention us!

2) Go to a Twitter thread (series of Tweets by the same owner) and mention us with a keyword "unroll" @threadreaderapp unroll

You can practice here first or read more on our help page!

Follow Us on Twitter!

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3.00/month or $30.00/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!