Prometi fazer um fio sobre progressão continuada. Vou começar explicando o que é seriação e como surgiu na educação moderna. Segue o fio
1) A seriação é uma proposta de organização da carreira escolar sugerida por educadores tayloristas dos EUA, na última década do século XIX. Seu principal formulador foi Joseph Mayer Rice. 
2) O que sugeria Rice? Que a educação tivesse como foco a formação de trabalhadores para a indústria moderna. Era a crença que urbanização e industrialização levaria à prosperidade e estabilidade social. Sugeriu a organização dos conteúdos necessários para se atingir este fim
3) Rice pensou na organização de conteúdos a partir de uma escala para desovar gente qualificada pela escola para assumir postos nas indústrias: o primário, de 4 anos de duração, formaria o operário-padrão, que Taylor denominava de "homem-boi". O que precisava saber?
4) O homem-boi precisava ser muito disciplinado (tema central nas séries iniciais), saber as operações básicas da matemática e saber ler (escrever não era uma prioridade, já que o operário-padrão não precisava externar o que pensava, mas se adaptar à produção planejada)
5) as séries seguintes deste modelo de seriação formariam os gestores das indústrias (os tayloristas diziam que a cada 3 operários, deveria haver um gerente que os fiscalizasse já que, o homem-boi tendia a ser, às vezes, humano).
6) Já as Universidades formariam os planejadores e formuladores da lógica da produção: engenheiros, psicólogos, administradores etc. Por este motivo, na escala de salários e condições de trabalho, professores universitários estariam no topo do sistema educacional
7) Retornemos ao sistema seriado. Um aluno, nesta lógica, deveria atingir um padrão pré-estabelecido para poder progredir na sua carreira estudantil (e atingir postos superiores na hierarquia funcional das indústrias). Caso contrário, deveria ser reprovado
8) Alguns apressados afirmam que a reprovação estimula o aprendizado e empenho estudantil. Não é verdade. Se fosse assim, o Brasil teria o sistema mais estimulando da América. A reprovação é fator de evasão escolar, de desistência dos alunos. Então, a solução é aprovar todos?
9) O sistema seriado e a repetição anual são adotados com menor desenvolvimento e desempenho escolar, como Arábia Saudita, Indonésia, Líbano e Filipinas.
10) Ao longo do século XX, foram pensados outros sistemas de organização dos tempos escolares. O mais exitoso foi o sistema de ciclos, adotado pelos países com maior desempenho educacional, como Chile, Hong Kong e países europeus.
11) A diferença de desempenho entre países que adotam sistema seriado e sistema de ciclos chega a 20 pontos, segundo estudo do IPEA, com ampla vantagem para o sistema de ciclos. Qual, então, é a diferença entre seriação e ciclos?
12) O sistema de ciclos se baseia em estudos, por exemplo, de Piaget. Este biólogo que é uma das referências da educação moderna, comprovou que um ser humano não altera seu patamar cognitivo ou psicossocial num intervalo curto, de um ano. Ao contrário, saltamos em ciclos
13) Quanto mais velhos, mais longos são estes ciclos de desenvolvimento e formação. No caso de crianças no ensino fundamental, os ciclos ou "saltos" de desenvolvimento ocorrem entre 3 e 5 anos. Portanto, é dentro deste período que crianças e adolescentes amadurecem
14) O que ocorre no interior de cada ciclo de maturação ou desenvolvimento? Algo muito mais complicado do os não especialistas imaginam. O psicólogo Henri Wallon percebeu, em suas pesquisas, que crianças não se desenvolvem de maneira linear, mas descontínuo
15) Então, dentro de um ciclo, as crianças avançam e regridem, se ajustam ao novo aprendizado, reformulam e alteram seu ritmo de desenvolvimento em função de conflitos externos e desencontros entre as ações da criança e a do meio em que vive
16) Aqui, surge a noção de sistema de ciclos. Um ciclo é o período em que uma criança ou adolescente se desenvolve. O ciclo seguinte apresenta um novo estágio cognitivo e psicossocial. Dentro de cada ciclo, como vimos, há avanços e progressos, de maneira descontínua.
17) Então, imaginemos o que ocorre quando repetimos um aluno - que não atingiu o padrão desejado pelo professor - quando ele ainda se movimenta dentro de um ciclo? Nós simplesmente desconsideramos que humano não é máquina e desconsideramos suas peculiaridades
18) O ciclo, então, sugere que todos passem para a próxima fase, mesmo que não tenham conseguido dar o salto no seu desenvolvimento ou aprendizagem? Não. Quem sugere isso desconhece o sistema de ciclos e prega esta confusão que é a "promoção automática".
19) Promoção automática é tão irresponsável quanto a repetência. Na repetência, o professor nada faz para entender as dificuldades e auxiliar o aluno a progredir. Na promoção automática o professor não se preocupa com o processo específico de desenvolvimento de cada aluno
20) Já a "progressão continuada" significa que naquilo que o aluno amadureceu, ele avança. Mas, naquilo em que ainda sente dificuldades, ele passa por outro plano de aula, mais adequado às suas características e dificuldades e, em muitos casos, até enturmações especiais. Explico
21) Em muitos sistemas de ciclo, como no Centro Pedagógico (CP) da UFMG, os alunos têm mais de uma turma. Uma delas é a de referência. Outra, é a de turmas (uma vez por semana) específicas. No caso do CP, essas turmas ganharam o nome de GTD (Grupo de Trabalho Diferenciado)
22) Os alunos são enturmados, uma vez por semana, em projetos específicos que o estimulam a partir do diagnóstico feito pelos professores do ciclo e professores d mesma área de conhecimento. Então, o aluno não repete ou progride de qualquer maneira: ele é acompanhado.
23) Se procurar, você encontrará vídeos de várias oficinas e aulas de GTD do Centro Pedagógico da UFMG aqui na internet. Espero que tenha ficado claro: repetir nunca foi a solução na educação. Repetir é simplesmente abandonar o aluno à sua própria sorte.
24) Mas promover automaticamente também é descaso com o aluno e seu processo de desenvolvimento. Entre um e outro existe.... a educação... a progressão continuada. O cuidado e o profissionalismo do educador.
