Thread by @leoffmiranda

Domènec Torrent chega ao @Flamengo como praticante do "Jogo de Posição". É algo que vem sendo bastante falado, mas por ser novo no Brasil, ainda não entendemos direito essa filosofia.

- O que é Jogo de Posição?
- Vai mudar muito do Jorge Jesus?
- Dá pra adaptar?

Segue o fio 👇

O nome “Jogo de Posição” causa uma certa confusão. Achamos que a posição é o jogador ficar parado nos espaços, ou que o time forma aquele desenho mais típico, com os laterais abertos e o resto do time por dentro.

Na real, a “posição” é o lugar onde a bola está no campo.

A principal referência do Jogo de Posição é a bola. É a partir dela que os jogadores vão se espalhando no campo.

A melhor forma de entender é imaginar círculos ao redor da bola. Cada círculo representa um papel que o jogador precisa cumprir. Coletivo acima do individual.

Quem tem a bola está na zona de intervenção.

Quem está mais próximo fica na zona de ajuda mútua.

Quem tá mais longe, muitas vezes no lado oposto, fica na zona de cooperação.

Só que não basta ficar parado. É preciso fazer alguns movimentos nesses espaços para que dê certo.

Esses movimentos deformam o adversário. Criam espaço lá atrás, ainda longe da bola, para permitir que o time tenha a posse com o objetivo de fazer o gol. São eles:

- Atrair adversários para longe da defesa
- Fixar jogadores longe da bola
- Arrastar alguém
- Achar o homem livre

Dá uma olhada no Héber. Ele esperou, esperou...quando a bola chega perto dele, ele sai da área, vira de costas e cria uma linha de passe ao portador. Ao fazer isso, ele arrasta um zagueiro para fora da área e fixa mais um marcador ao seu lado.

Veja que quem está próximo do Heber não se movimenta. Segura o impulso. Precisa esperar na zona de ajuda mútua para criar mais movimentos que abrem espaço. O cara na direita fixa dois oponentes, o mais avançado na esquerda fixa mais dois.

E assim o NYC FC abriu espaço na defesa.

A sacada pra entender o Jogo de Posição é que se a bola muda de lugar, OS ESPAÇOS MUDAM JUNTO.

Não é estático. Não é parado. Na real, é um jogo de mobilidade o tempo todo, apenas a movimentação tem um porquê, ela não é mais livre ou como o jogador quer.

O time segue um plano.

É bem diferente do que o Flamengo fazia.

Exemplo: na imagem abaixo, se fosse Jogo de Posição, Filipe Luís não poderia estar tão aberto, Gérson teria que estar mais distante de Éverton, B. Henrique e Gabigol precisariam ficar na mesma linha e Arrascaeta tinha que ficar aberto.

Não existe jeito certo verdade no futebol.

O Flamengo fazia um jogo de aproximação: Arrasca e Éverton aproximando de Gérson quando queriam. Bruno e Gabigol não fixavam ou atraiam nada, eles tinham liberdade, desde que ficassem na diagonal para receber no facão.

A ideia era que muita gente desse opções ao redor da bola. Quem estava atrás servia como passe de segurança. Na frente, olha o companheiro, coloca o corpo para ganhar na corrida com alguém e faz o gol.

São caminhos totalmente diferentes para chegar ao mesmo objetivo.

Para o Jogo de Posição funcionar, todo mundo tem que cumprir sua posição e fazer aqueles movimentos. É mais matemático, digamos assim. O Henry explica muito que cada movimento, por menor que seja, cria algo diferente e abre espaço.

É um jogo onde se controla o tempo e o espaço pela obediência e movimento dentro de cada espaço ao redor da bola. Por isso que o mais difícil não é o que fazer. É quando fazer.

Quando devo me movimentar? Quando sou do espaço de ajuda e quando estou no cooperação?

Nesse lance aqui, o zagueiro está com a bola. 90% dos jogadores iriam buscar o jogo dele (como o Gérson faz com o Arão).

Mas o cara mais próximo se afasta e procura um setor vazio para gerar uma DISTÂNCIA ENTRE OS JOGADORES mais organizada, com linhas de passe meio que iguais.

Deu certo: o NY chegou ao meio campo e está bem espalhado. Todo mundo em suas posições...mas ninguém parado. É hora de quem está na zona de ajuda mútua se movimentar.

Enquanto um se aproxima, o Heber corre em diagonal para FIXAR os defensores...e abrir espaço.

Veja que:

- O cara perto do juiz aproxima e FIXA o defensor mais perto dele
- O cara da bola ATRAI a atenção de dois marcadores

O cara sinalizado com a caixa em preto percebe isso e vai se movimentar num setor vazio, porque assim ele pode ATRAIR os defensores e...abrir espaço!

É um jogo extremamente milimétrico e calculado. Na hora que o passe sai, a triangulação tem distâncias quase que iguais entre os jogadores. Não tem absolutamente nada de estático: todo mundo se moveu.

O que muda é a referência. Não é mais rápida e vertical, é especial.

Caminhos totalmente diferentes para chegar no mesmo trajeto. Você pode passar a mesma mensagem de várias línguas. Um alemão vai ler “eu te amo” e não entender, mas se ler “ich liebe dich“, entende o mesmo de ti.

Jogo de Posição é: um idioma. Um jeito de se comunicar no jogo.

Para que Dome saiba falar o idioma de Jorge Jesus, ele precisa aprender a gramática e os verbos, e o Flamengo não deixou o livro.

A ruptura é natural e aconteceria com qualquer um.

A boa notícia é que dá pra ser flexível e manter o Jogo de Posição.

Há jogadores que podem ter papéis mais definidos e outros que podem ficar mais soltos em campo. Dome já no Barcelona mostrava isso: sugeriu Fábregas como falso-9 e mudou a posição de Daniel Alves. Depois, teve a ideia de colocar Lahm e Alaba como meiocampistas no Bayern.

E por fim, a solução que ele e Pep acharam para acompanhar a evolução tática no futebol foi deixar Kevin de Bruyne mais solto no City.

É o mesmo que ele fez com Maxi Moralez no NYC. Meia que tinha liberdade para circular e o resto do time se organizava em torno dele.

Sempre no Jogo de Posição, o New York City se caracterizou por gols de circulação bem rápida. No período de Dome, o time fez 111 gols em 60 jogos na passagem de Dome, uma média de quase 2 gols por jogo.

É aí que chegamos no ponto mais fraco: a defesa.

Em 60 jogos, o time levou gols em 46. Desses, foram 22 jogos sofrendo dois ou mais gols. Por mais que a intenção era fazer uma marcação alta, era comum levar gols nas costas. Havia pouca sincronia entre a defesa e o meio que subia e subia até fechar todo o espaço de jogo.

O contexto da chegada do espanhol ao Brasil é completamente diferente. Jesus chegou na parada da Copa América e teve 20 dias de treinos. Recebeu quatro reforços de peso que mudaram a cara do time. Teve tempo para colocar suas ideias de jogo e preparar o time fisicamente.

Dome chega num país que é uma baderna e com cinco dias de treino até a estreia do Brasileiro. Ele também não fala português. Por mais que Rafinha o conheça, não é a mesma coisa.

Talvez leve tempo. Talvez precise de rodízio.

Só sabemos que vai ser demais acompanhar isso aqui.

O Jogo de Posição ficou famoso com o Barcelona, mas ainda é extremamente incompreendido. Nos últimos dias mesmo, saiu muita coisa errada por aqui.

Jogo de Posição envolve os três espaços, que são os espaços de fase e os movimentos de fixar, atrair e arrastar.

Quem que pratica Jogo de Posição? Pep Guardiola, Dome Torrent, Marcelo Bielsa, Sebastián Beccacece, Jorge Sampaoli, Juanma Lillo, Louis van Gaal, Johan Cruyff, Erik Ten Hag e Maurizio Sarri.

É bem restrito. Por isso o Pep chamou o Lillo pra auxiliar.
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Quem não pratica Jogo de Posição? A Espanha nos anos dourados, Jurgen Klopp, Marcelo Gallardo, Diego Simeone, Mauricio Pochettino, Conte, Massimiliano Alllegri...Eles têm outras ideias que não têm nem nome (não existe jogo "funcional", pelo amor de deus).
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Por isso que o Barcelona fascina: eles foram os primeiros e únicos a pensar numa linguagem de jogo tão única que ganha gramática, regra e palavra própria. Algo que começou na década de 1920 e que tem Louis van Gaal como um dicionário Aurélio desse jogo.
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Quem pratica o Jogo de Posição no Brasil com menor flexibilidade é Jorge Sampaoli, que mostrou um pouquinho como um elenco não tão qualificado pode jogar bem se criar linhas de passe e ter essa lógica tão detalhada ao lidar com espaços.
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Não é irônico que o Brasil, o país da liberdade e dos caras que se aproximam da bola, não tenha um Domènec Torrent x Sampaoli logo na estreia do Campeonato Brasileiro?

Estamos abraçando novas ideias. Novas culturas. O futebol agradece!

Esse fio está publicado com mais detalhes lá no @globoesportecom
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