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O FLA DE DOMENEC PARTE 1: O tal jogo de posição

A história ficou famosa: Henry resolveu sair da ponta esquerda, tabelou com Messi na direita e acabou fazendo um gol. Depois foi substituído por Guardiola, que não gostou de ver o atacante descumprindo suas ordens.
Quem conta um conto aumenta um ponto, claro, e hoje já se diz que o treinador furioso sacou o atacante ainda durante a comemoração. Nada disso: Henry saiu no intervalo, com o jogo contra o Sporting pela Champions League em 2008 já encaminhado num 2x0 tranquilo.
Quase uma década antes, o Barcelona passava por uma situação parecida. Rivaldo era o ponta-esquerda no esquema do treinador holandês Louis van Gaal, mas irritou o treinador quando abandonou sua posição e entrou pelo meio para marcar um gol contra o arquirrival Real Madrid.
Rivaldo queria jogar centralizado, mas van Gaal não via espaço para o brasileiro ali. A situação ficou insustentável quando o brasileiro recebeu o prêmio de melhor jogador do mundo e celebrou declarando que não queria mais jogar pelo lado esquerdo.
O treinador barrou seu camisa 10, mas acabou sendo vencido na queda de braço que acabou lhe custando o emprego. O problema com Rivaldo, claro, não foi o único motivo para a queda — mas é mais emocionante contar a história desse jeito.
Apesar das enormes diferenças, Pep Guardiola bebe das mesmas fontes que Louis van Gaal e esses contos — com muitos pontos aumentados — ajudaram a criar uma noção curiosa: no tal jogo de posição, cada jogador seria inexoravelmente preso a um pedaço do campo.
Guardiola é profundo, apaixonado, convicto, inventivo… mas não é dogmático. Seus três trabalhos até aqui — Barcelona, Bayern e City — guardam características em comum, mas são muito, muito diferentes entre si. Pep soube se adaptar a cada contexto.
Mais do que isso, cada time era completamente diferente no primeiro e no último ano de seus trabalhos. As equipes evoluem, se transformam e se reinventam a cada temporada. Aliás, a cada jogo (e mesmo dentro dos jogos) é possível ver muita variação tática.
E é fundamental que se diga: são sempre times dominantes, intensos e muito, muito bonitos de ver jogar. Criatividade, habilidade e talento individual não faltam nos jogos de times que buscam um sistema coeso e eficiente para impor seu jogo.
Em “Guardiola confidencial”, Martí Perarnau narra a jornada de Pep em busca de ensinar ao elenco do Bayern um “idioma novo”. Uma analogia simples e sutil. O futebol é um jogo de relações e, para se entenderem bem, os jogadores precisam “falar a mesma língua” dentro de campo.
A primeira vez que a analogia aparece no livro, inclusive, é em uma fala do próprio Domenec Torrent, então auxiliar de Pep e novo treinador do Flamengo.
“Venho lhe dizendo que ele precisa ir pianinho para não passar muitos conceitos aos jogadores de uma só vez. São atletas muito inteligentes taticamente e que gostam do nosso modelo de trabalho, (...) mas a gente precisa levar em conta que eles estão aprendendo um idioma novo”.
Conforme o time vai aprendendo e se tornando fluente no “idioma”, é possível adicionar novas “estruturas gramaticais”, expandir o “vocabulário” e construir a partir de uma “sintaxe” mais complexa.
Quando Guardiola chegou (junto com Domenec), O Bayern havia vencido o Campeonato Alemão e a Champions League na temporada anterior sob o comando de Jupp Heynckes. Não faria sentido virar tudo de cabeça para baixo de uma hora para outra.

Lembra algum time?
A situação com Henry em 2008 era diferente. Era o começo de Pep em um time que buscava se reconstruir. Ele precisava mostrar ao elenco estrelado que era preciso respeitar o processo de trabalho, mas mesmo assim esperou o jogo estar decidido para tirar o craque francês.
No fim das contas, o tal jogo de posição acredita que a ocupação racional dos espaços é a melhor forma de evoluir no campo, mas isso não quer dizer que os times sejam estáticos ou que haja pouco espaço para a criatividade. Pelo contrário.
A busca é por avançar em campo vencendo linha a linha da defesa adversária, atraindo o adversário para desorganizá-lo com o objetivo de encontrar o próximo “homem livre” por trás da próxima linha.
Assim, busca gerar superioridade para machucar o adversário. Essa superioridade (ou vantagem) pode ter várias formas: numérica (2-contra-1, por exemplo), qualitativa (um atacante habilidoso no mano-a-mano), espacial (zagueiros adversários expostos correndo para trás) etc.
Os pontas não ficam abertos (dando amplitude) porque é bonito ou porque cansa menos ou para que o treinador possa demonstrar seu poder de impor sua vontade ao elenco. Eles podem ficar ali para criar vantagens específicas, mas só faz sentido se for vantajoso mesmo.
Quando a bola está saindo da defesa, é melhor o ponta se aproximar para tabelar ou é melhor se afastar para abrir espaço para o meia receber? Ou ainda para receber a bola longa e encontrar o meia infiltrando?
São maneiras de resolver os problemas do jogo. Afinal, o futebol é um exercício de resolução de problemas. Todo movimento precisa ter um porquê.

A melhor resposta depende do que você quer, das características dos seus jogadores, do adversário...
Sim, alguns tipos de jogadores podem ser privilegiados ou podem encontrar dificuldades dependendo das escolhas feitas, de como o time resolve seus problemas. Mas isso é verdade para qualquer modelo de jogo.
Com um elenco pronto, é preciso que o treinador tenha flexibilidade para respeitar o que já existe.

O próprio Domenec disse em entrevista recente, antes do interesse do Flamengo: “como treinador, acredito que a coisa mais importante é respeitar as características dos jogadores”
É bom lembrar que há um ano também se falava muito que Jorge Jesus era extremamente dogmático, que não abria mão do 4-1-3-2 nunca e que só sabia jogar com um centroavante alto. Deu no que deu: um time dinâmico, leve e imparável.
Hoje o discurso geral sobre o Flamengo vai para o outro extremo: fala-se muito em caos, em movimentações imprevisíveis e liberdade total.

A verdade é que esse time chegou onde chegou por ser flexível, mas extremamente organizado.
Alguns movimentos sutis, quase imperceptíveis, eram considerados obrigatórios obrigatórios pelo Mister. Isso mesmo, OBRIGATÓRIOS! Qualquer um podia fazer, mas tinha que ser feito.

Tudo para tentar resolver os problemas do jogo.

É como uma sessão de jazz… com uma estrutura clara, um idioma comum, a criatividade pode fluir.

Os times de Pep não são uma apresentação ensaiada e o Flamengo de JJ não é um conjunto excepcional de solistas inventando o que fazer a cada momento. Por isso são tão bons.
Cria-se hoje um clima de apreensão questionando se Domenec vai convencer Everton a ficar longe da bola por muito tempo, por exemplo. Mas poderíamos perguntar há um ano se Gerson poderia ser convencido a dar piques sabendo que não receberia a bola, apenas para abrir espaço.
Aqui, vou na contramão do que tem sido dito.

Com uma proposta obcecada por dominar o jogo, um desejo latente de controlar o jogo pela bola, intensidade no ataque, marcação-pressão etc, é provável que o torcedor consiga identificar mais semelhanças do que diferenças nos idiomas.
Um idioma comum é fundamental para que os jogadores se entendam, pensem rápido em conjunto e as ações coletivas funcionem. Um idioma pode até ser diferente do outro, mas o importante é que seja consistente. No final das contas, é tudo sobre resolução de problemas.
Um time totalmente estático em posições definidas não tem nada a ver com o tal jogo e posição. É só um time previsível e fácil de marcar, que não cria espaços e não resolve problemas.

É só futebol ruim mesmo.
Pra quem prefere ler em formato de artigo, já tá lá no @MRN_CRF

mundorubronegro.com/flamengo/mrn-b…
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