As facções se consolidaram no Rio há mais de 30 anos e agora disputam entre si e com as milícias cada palmo do estado. O domínio não é só territorial. Comportamento, vestuário e vocabulário dos moradores também são controlados. Por @Cecillia @carlosnhanga_ @eirasyuri #Thread 
No Rio, até as palavras têm dono. Dizê-las em uma área dominada pelo grupo rival pode ser motivo de ameaça e morte. ‘É nóis’, expressão popular no Brasil inteiro, é uma saudação do Comando Vermelho; o Terceiro Comando diz ‘é a gente’. As duas não se misturam.
Um morador da zona norte do Rio foi ameaçado numa barbearia no bairro vizinho. “Uma vez, em uma conversa, eu falei ‘é nós’. Um cara perguntou onde eu morava e disse: ‘vou te avisar para nunca mais usar esse papo de ‘é nós’ aqui. Aqui é 'a gente’. Parei de frequentar desde então".
Quando domina uma região, o CV diz que está ‘“tudo dois”; o Terceiro diz que está “tudo três” e a milícia diz que “tá cinco”. Sinônimo para amigo, no CV, é ‘fiel”, “di raça”, “faixa preta’🥋 . No Terceiro é ‘parelha’.
Também tem gíria de milícia. “5.5” significa que tá tudo tranquilo. Miliciano da área é “chefe”, “paizão”, “padrinho”. “Ganso” é usuário de droga. A milícia é tratada como ‘firma’, e o bom dia e o "presente" são trocados pelo “hop”, saudação comum também nas Forças Armadas.
Nas favelas dominadas pelo Amigos Dos Amigos, a expressão “Faz o ‘L’” é uma das marcas da facção. O símbolo é uma referência ao traficante Paulo César Silva dos Santos, o Linho, um dos fundadores do ADA.
Na linguagem dos emojis, o 🚩 marca usuários ou grupos de Whatsapp associados ao CV. A bandeira preta 🏴 é usada por milicianos, que também costumam escolher o 🆑 para lembrar Carlinhos Três Pontes, irmão de Ecko. Carlinhos foi chefe da Liga da Justiça até ser morto, em 2017.
Milicianos se identificam ainda com o ✋🏽, um cinco, e com a caveira 💀, tradicional entre grupos de extermínio. O Comando usa o V da vitória ✌🏽 - e de vermelho. O Terceiro usa o 👌🏼, um três. Traficantes do ADA gostam do 👆🏽, que lembra um L, inicial do fundador da facção.
Há ainda, gírias que são populares fora das favelas, mas que dentro delas têm uma ligação com as facções. ‘De boa’, por exemplo, tem o mesmo significado para o TCP que ‘suave’ tem para o CV. Não são termos proibidos, mas é bom evitar.
Até as marcas de roupa são influenciadas pelo grupo que domina a área. Os traficantes do Terceiro gostam de usar Adidas, por conta das três listras (“Tudo 3”). O Comando Vermelho usa Nike: além de ser concorrente da marca alemã, o símbolo da vírgula lembra uma letra C.
Facções e milícias modificaram o jeito de motoristas dirigirem nas favelas da cidade. Em área do CV, a ordem é entrar devagar, com o pisca alerta ligado. Nas favelas do TCP, o motorista deve abaixar o vidro e ligar a luz interna.
Em 2019, 6 pessoas foram baleadas ao entrar por engano em favelas ou acessos, como mostrou @fogocruzadoapp. Uma delas morreu. 2 pessoas na área de ADA (amarelo); 1 em área do Comando Vermelho (vermelho); 1 em área de Terceiro Comando (verde) e 2 em área de milícia (azul).
Saber quem domina o lugar por onde você está passando ou morando pode ser caso de vida ou morte no Rio. O malabarismo da grande imprensa para não citar nomes de facções e milícias coloca cidadãos em risco. theintercept.com/2020/08/11/imp…
