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Cês sabem por que a Folha (e também o Globo, o Estadão, o pessoal do "dízimo cívico") odeia a ideia de estabilidade do funcionalismo público?

Segue esse fiozinho:
Pra entender isso, a gente precisa voltar no tempo. Sim, o desmanche dos serviços públicos é a meta do neoliberalismo.

Mas eu acredito que podemos voltar para 1943.

Para a promulgação da CLT.
Segundo o seu artigo 492, todo trabalhador que ficasse dez anos na mesma empresa adquiria automaticamente a estabilidade, a chamada "estabilidade decenal".

Havia um princípio lógico aqui: se durante dez anos o sujeito foi um bom trabalhador e a empresa prosperou com ele,...
...ele deveria receber essa proteção social, garantida até sua aposentadoria.

Os empregadores não gostavam muito dessa ideia, claro.
Durante o mestrado, encontrei um processo em que um trabalhador era acusado de roubar pneus e sucata da empresa que ele trabalhava. Nos tempos da economia de guerra, essas coisas valiam ouro.
Mas lendo o processo, vi que o advogado dele intercedeu dizendo que o sujeito já tinha 9 anos de casa e que o patrão dele inventou a história do roubo para poder demitir o trabalhador, surpreendendo um total de 0 pessoas.
Recentemente uma amiga defendeu uma tese sobre casos semelhantes e imagino que deve ter coisas ainda piores.

Em suma, os patrões detestavam e detestam a ideia de estabilidade.
Mas não é porque ela diminui a produtividade, não. De outra forma, Vargas não ia bolar um troço desses em meio ao esforço de guerra, precisando aumentar a produtividade da indústria brasileira, né?

O problema é outro. Redução do custo de mão de obra.
Sem obstáculos para a demissão, aumenta a rotatividade do trabalhador nos empregos - e também a sua sensação de insegurança. O patrão consegue com isso subordinar ainda mais a mão de obra que, pelo desespero, vai aceitar condições ainda piores de trabalho.
Esse é um movimento bastante óbvio do capital, né (reduzir o custo do trabalho é, por vezes, mais importante que aumentar o lucro líquido do seu empreendimento). E os patrões sabem disso.
Tanto sabem que, logo após o golpe de 1964, dois grandes nomes do liberalismo brasileiro, Roberto Campos e Otávio Bulhões, na condição de ministro do Planejamento e da Fazenda, criaram o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Criado em 1966, o FGTS supostamente permitia que os trabalhadores escolhessem se queriam manter a estabilidade decenal, ou se preferiam ser demitidos e sacar o fundo. Foi assim até 1988.
O problema do FGTS é que quem optava por ele geralmente confiava que o patrão ia pagar o quinhão dele. Mas na hora do bota fora, o patrão não pagava...e tome trabalhador indo pra Justiça do Trabalho. Trocou estabilidade por grana e às vezes não tinha nem um nem outro.
Salvo engano, os jornalões, defensores da democracia, nunca falaram nada dos patrões que dão calote nos trabalhadores, né?
Quando em 1988 se definiu que o regime de trabalho no serviço público, por ser carreira de Estado, teria direito à estabilidade, isso foi combinado com o fim da estabilidade decenal.
Agora seria só FGTS, mesmo com o calote, mesmo com o Estado tendo que bancar FGTS que patrão não pagava.

Os funcionários públicos escaparam dessa armadilha. Convenhamos, tem uma elite do funcionalismo público muito forte.
Mas a estabilidade depende de uma série de critérios: estágio probatório, conduta ética, respeito aos direitos e deveres do funcionalismo público. Se violar, é processo administrativo, demissão e, conforme a infração, processo civil.
(por isso que um Queiroz era comissionado, já que funcionário concursado que faz "rachadinha" perde o emprego...ao contrário do homem da laranja, que é promovido)
Mas voltando à vaca fria. Afinal, qual o interesse dos jornalões em acabar com a estabilidade no setor público se ela foi já destruída no privado?

Lembrem que eu falei de reduzir o custo de mão de obra, né?
Vamos pegar professores da educação básica... Se tirar a estabilidade dos professores da rede pública, eles estarão a mercê de assédio e perseguição. Mais inseguros, aceitarão trabalhar na rede privada por salário menor ou piores condições de trabalho.
Melhor para os donos de escola, não é mesmo? Reduzem o custo da mão de obra sem mexer na produtividade dos docentes ou na qualidade do ensino.

E isso vai valer para todos os serviços que o Estado oferece: saúde, educação, assistência social etc.
O fio tá se alongando e é melhor parar por aqui.

Espero que tenha ficado claro o que move os jornalões nessa luta. É interesse de classe, sim, nada a ver com produtividade.

E não tem nada de democrático nisso. Essa galera tá nessa campanha desde a ditadura de 1964.
Foi lá que os campeões do liberalismo brasileiro, aliados com os militares, desferiram seus primeiros golpes contra a estabilidade dos trabalhadores.

Nada surpreendente que sigam esse script de novo em 2020, se aliando com os militares.
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