Essa é a nova moda de mistificar a pandemia na Europa (junto com "o que seria uma segunda onda"). E muitos não entenderam um ponto crucial sobre epidemias:
Atenção: nenhum indicador é capaz de explicar ou diagnosticar a pandemia.
Falamos e pedimos muito que reportassem e melhorassem a taxa de positividade. E eu tenho certeza que seguiremos pedindo. Ela mostra um aspecto importantíssimo: se está alta (quase todo RT-qPCR é positivo), significa sem dúvida que estamos testando pouco. Ou seja, estamos testando
só os muito graves (como na primeira onda ou primeiro período) ou os muito "óbvios", sintomáticos. Temos que testar contatos, contatos não só próximos, mas cadeias de transmissão, testar surtos, se puder, alguns testes em massa, e assim vai. Se ela está baixa, significa que
o vírus pode estar circulando pouco, q vc conseguiu aumentar a capacidade de testes, q testamos assintomáticos, faz busca de contatos, etc.
Tem um número ideal? Não, mas se falava em 10%, hoje se fala em 5, 3 ou até 1 %.
Mas, ela estar baixa significa que está tudo bem?
Depende.
Depende de vários fatores, alguns não relacionados aos testes. Mas vou elencar alguns:
1-Número absoluto de positivos. Se a taxa de positividade está 5%, mas o total de casos das últimas 2 semanas é muito alto (1000 - 2000 por dia), a chance de ir ruim é altíssima. Pq?
Pq o vírus tá rolando na comunidade e surfando. Lembra que temos período de transmissão, incubação, atrasos nos testes, pessoas assintomáticas, etc. Para muitas cidades, 1000 a 2000 RT-qPCR é muito alto... e como temos muitos susceptíveis, não é difícil provar com modelo que esse
número de casos que estiveram transmitindo dia a dia na semana anterior vão logo subir mais e mais e subir a onda.
2-De onde vem estes testes com 5% de positividade? Se for só do hospital, não tem muito significado sobre o que acontece na comunidade. Se parte for de screening,
se for todo de redes privadas, de pessoas que se testam com baixo risco para ir visitar um familiar?
Imagine também que se dos 1000 testes (50 casos, 5%+), 80% forem de pessoas com mais acesso a testes: 80% de bairros ricos e aí a positividade seria de 0.25% (2 casos),
enquanto os outros 20% dos testes de bairros com maioria população vulnerável/trabalhadores, com 24% de positividade (48 casos). Este caso parece extremo, mas tenha certeza que ocorre com certos grau em cidades da europa e algumas do Brasil (que faz em sua maioria testes rápidos)
Também vale lembrar que a positividade depende de quando foi feito o PCR no tempo em relação aos sintomas, podem ser falso-negativos, da técnica. etc.
Ter a positividade baixa significa que melhorou o serviço e plano de ação? Sim.
Podemos ainda assim estarmos atrasados em relação ao que está acontecendo? Com certeza.
Preciso olhar outros parâmetros, de onde vem os testes, qual o número total de casos e testes, etc? Sim.
Posso acompanhar a evolução da taxa de positividade? Deve.
Devo usá-la como argumento? Não sem considerar todos os fatores acima.
Nem mesmo o valor do R por si só se sustenta. Devemos adicionar se casos são de surtos, se conhecemos o caso índice, quantos fizeram quarentena/isolamento, como está o sistema de saúde como um todo.
O que se vê hoje na Espanha, França e UK é o esperado dentro do que vimos nas últimas 3 semanas?
Sem dúvida: a positividade era "baixa", porém número alto de casos, múltiplos surtos, % alta de casos sem conhecimento do caso índice, pessoas com sintomas chamadas para trabalhar.
E alta % de assintomáticos e jovens. Mas já sabemos que assintomáticos/jovens transmitem, q casos de segunda ou terceira geração são de maior idade, pq acabam pegando destes jovens e assim vai.
Para Espanha, França e UK já se mostra o aumento nos idosos
Aqui é uma discussão com muitas opiniões, cada uma com sua definição de segunda onda, e não vejo muita utilidade na maioria delas. Para mim uma definição útil é a que determina ações de saúde pública, pesando o risco benefício para toda a população
E também grande parte dela faz parte do limiar epidêmico, quando a epidemia estaria fora do controle.
É muito difícil definir o Sars-CoV-2 como um vírus já endêmico... mas fica claro que ele causa transtorno (além de muitos óbitos) e ainda não deixa a sociedade voltar ao normal.
Hoje há mais de 10.000 pessoas internadas com COVID-19 na Espanha. Só passando pra lembrar que isso não é normal. São pneumonias graves ou com potencial de piorar grande.
A atenção primária está atolada há mais tempo, como era de esperar. Eles não conseguem atender outros casos
e cria uma bola de neve. E os hospitais podem caminhar pra isso tb: o número de surtos dentro de hospitais aumentou. Mesmo as áreas não covid: familiares vem com covid-19 (sem saber) e passam para pacientes da ala não covid. Mesmo com coortes de funcionários, acaba acontecendo.
E isso pq o vírus ta solto na comunidade. e assim vai.
isso pra mim é uma onda. é um distúrbio em mais de um domínio dentro do sistema de saúde.
Não tem solução fácil nem bala de prata. Mas temos que entender que tudo o que falamos até aqui sobre a dinâmica do vírus ainda vale.
os atrasos, os tempos, a transmissão. e recomeça devagar e vai.
Madrid caminha para medidas severas de restrição tentando correr atrás do prejuízo, novamente. Talvez não fosse necessário.
Outras cidades européias, o mesmo. Algumas parece terem agido mais rápido + a população colaborou: a sociedade e seus líderes decidiram agir em conjunto.
Não é para se desesperar. É seguir o que temos de melhor evidência e conhecimento. Já conhecemos melhor o vírus e a doença. Temos mais recursos disponíveis.
E agir. Cobrar ações dos líderes e do sistema de vigilância e fazer sua parte. Use máscara. Limpe a mão. Evite aglomerar.
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O Brasil está queimando!
Você sabia que os efeitos da queima de biomassa desta magnitude na saúde das pessoas é imenso?
Aqui reuno evidência científica produzida no Brasil:
⬆️ Mortalidade
⬆️ Hospitalizações
⬇️ Desempenho escolar
⬆️ Eventos na gravidez e ⬇️Saúde do bebê
Um dos principais poluentes derivados de queimadas é o material particulado <2.5 (PM2.5). Não é o único, obviamente. Porque a queima gera vários produtos. Por essa razão, inclusive, estamos investigando se a "fumaça" ou poluição gerada em queimadas assim não é inclusive pior para
a saúde humana que a poluição gerada por outras fontes (carros, etc). Inclusive o próprio PM2.5, que dentro dele tem vários componentes, acredita-se que o PM2.5 de queimadas seja mais danoso que um PM2.5 não proveniente de queimadas (veja alguns estudos da Califórnia).
- Ter tido COVID provável ou confirmado
- Sintomas após 90 dias do COVID
- Sintomas que durem pelo menos 2 meses
- Não ter uma explicação alternativa
- Comumente afeta vida diária
Os sintomas podem ser vários, mas comumente fadiga, diminuição da capacidade para respirar, alguma disfunção cognitiva entre outros. São sintomas novos (que aparecem após o COVID) ou que são persistem, ie, continuam.
Se confirmadas, explica bastante porque ela está dominando o mundo e causando estragos
- Maior carga viral na primeira detecção (muito maior)
- Vírus pode se reproduzir mais rapidamente
- Capacidade de transmitir mais precoce
Nesse report, pesquisadores avaliaram um surto epidêmico na China e investigaram bem de perto contatos. Basicamente testaram diariamente. Eles então compararam tempo entre exposição com um positivo e detectar PCR pos, carga viral, entre outros.
Comparado com um outro surto lá do comecinho também investigado exaustivamente, eles acharam:
O tempo entre alguém ter contato com alguém transmitindo até ter um PCR positivo encurtou de 6 (IQR 5-8) dias para 4 (IQR 3-5). Assim, uma redução importante no intervalo serial,
Dados 🇧🇷 sobre Condição após COVID-19 (COVID Longo) - preprint
➡️602 pacientes após COVID19 na Bahia, com quadro leve (não hospitalizado), moderado (hosp não UTI), grave (UTI)
➡️52 anos idade média, avaliação ~2.5 meses após
▶️mediana de 8 sintomas 👇
▶️Mulheres mais acometidas
Impacto na qualidade de vida. Abaixo fatores associados com alterações nos 5 dominíos da qualidade de vida avaliados pela escala EuroQoL (logística ordinal)
-Sexo feminino associado com alteração em todos os domínios (dor, mobilidade, ansiedade/depressão), exceto auto-cuidado.
-Gravidade associada a alguns domínios, condizente com o que se sabe antes de COVID.
Outro achado interessante foi alteração num marcador de inflação - Proteína C Reativa - que é um marcador geral, mas que se mostrou alterado em (40%) acima de >5mg/L.
Voltei a calcular a taxa de mortalidade padronizada por idade comparando Brasil e Itália e Brasil e Espanha:
- Mortes por 100 mil no Brasil: 184
- Mortes por 100 mil na Itália: 102
- Mortes por 100 mil da Itália se tivesse a mesma estrutura etária por sexo do Brasil: 39
Brasil x Espanha (período de Maio 2020 até agora)
- Mortes por 100 mil no Brasil: 157
- Mortes por 100 mil na Espanha: 98
- Mortes por 100 mil da Espanha se tivesse a mesma estrutura etária do Brasil: 46
Se os países tivessem a população padrão da OMS:
Brasil início até Abril/2021: 159/100 mil
Itália início até Abril/2021: 33/100 mil
Brasil de Maio/2020 a Maio/2021: 133/100 mil
Espanha de Maio/2020 a Maio/2021: 36/100 mil
No Brasil, morreu-se 4.8x que Itália e 3.7x que Espanha
Isso ainda me deixa muito perplexo.
Já comparamos a taxa de morte padronizada por idade entre Brasil e Itália para COVID-19. O Brasil foi muito pior até então. E em números absolutos a diferença é gritante entre crianças e adultos jovens.
Abaixo Espanha, veja mortes por idade.
Estes dados são do último ano, de Maio 2020 a Maio 2021. Vejam de novo...
- Morreram 214 pessoas abaixo de 40 anos no último ano
- Morreram 2255 pessoas entre 40 e 59 anos no último ano
Ah, Otavio, mas no Brasil tem muito mais jovem. Sim, claro, mas a diferença não precisa
nem de cálculo. Leia de novo, num país com a população próxima do estado de São Paulo, morreram 214 pessoas <40 anos no último ano por COVID. Pelo Seade, considerando todo o período, óbitos abaixo de 40 anos corresponderam a 12.7% dos óbitos. Na Espanha, 0.44%. Isso se repete