Flutter atrial. Um fato e quatro mitos (o último é surpreendente)
É uma arritmia em que uma frente de onda se perpetua pelo átrio direito a uma velocidade de 300 rpm.
O nó AV não aceita isso, deixando passar 1 a cada 2 ondas.
Fato: arritmias de 150 bpm tem que pensar em flutter
Mito 1: se o ritmo for irregular, não pode ser flutter, tem que ser FA.
O flutter pode ser irregular. Para que isso ocorra, basta que o nó AV aceite irregularmente essas tais frentes de onda: às vezes 1 a cada 2, outras vezes 1 a cada 3…
É exatamente o que ocorre nesse ECG:
Mito 2: Se houver alguma linha isoelétrica (reta) entre os batimentos, é taquicardia atrial e não flutter.
Primeiro que flutter é uma taquicardia atrial. Segundo que são ESPERADAS linhas isoelétricas nas precordiais.
Observe o dente de serra em D2/D3/aVF, mas linhas retas em V1.
Mito 3: Se não tiver dente de serra, não é flutter.
O diagnóstico de flutter x taquicardia atrial é eletrofisiológico (invasivo). O flutter pode não ter o famoso dente de serra, como no exemplo abaixo (em D2,D3 e aVF não tem)
Precisa de olho bem treinado pra pegar esse flutter
Mito 4: Não existe fibriloflutter.
Esse é um mito difundido por quem não faz eletrofisiologia. A verdade é que por ECG não se vê, mas eletrofisiologicamente existe até mesmo o sino-flutter (ritmo sinusal, mas uma área do átrio em flutter, como na linha amarela da figura abaixo).
A figura do tweet anterior foi capturada durante uma ablação de flutter atípico de átrio esquerdo e isolamento de veias pulmonares em paciente com FA e flutter. Uma zona específica do átrio esquerdo tinha micro-flutter, bloqueado do restante do átrio pela minha ablação.
É uma mistura de eletrocardiogramas (duas linhas superiores verdes) com eletrogramas (registros elétricos intracardíacos). E também com um mapa tridimensional desenhado pelos cateteres navegando no coração. É assim que o eletrofisiologista diagnostica e trata as arritmias.
Em meu livro de ECG, há um tutorial para reconhecer (ou suspeitar de) flutters “difíceis”, de como saber se é um flutter típico ou atípico, se é do átrio esquerdo…
O que conhecemos de ECG sobre infarto é, hoje, muito diferente do que conhecíamos cinco anos atrás.
Neste estudo, definimos um sinal de infarto do miocárdio por oclusão coronária aguda (OCA) tão bom quanto o supra de ST: a onda T hiperaguda. Segue o fio.
Que a onda T hiperaguda (HATW) é um sinal de OCA, isso já se sabe há muito tempo. Ela precede, fisiopatologicamente, o supra.
O problema é que ela é um achado muito visual, subjetivo. E sofre mais que o supra do viés temporal: uma T é mais hiperaguda a cada minuto de isquemia.
Então isso sempre foi difícil de ensinar para os residentes ou futuros médicos. Nosso estudo aplicou IA para diagnosticar infarto oclusivo que foi definido como contexto de síndrome coronária aguda + fluxo ausente em alguma coronária OU
Vamos brincar?
Imagine que você está infartando e o médico lhe disse que o tratamento é com a "CABEÇADA MÍSTICA", que consiste em bater a cabeça contra uma almofada especial que ele trouxe da Tanzânia. Natureba.
Você vai sobreviver? Escolha uma das probabilidades (ex: F6)
Este médico repetia coisas como "integrativo", "a medicina baseada em evidências é ultrapassada", "a minha experiência vale mais", "eu já tratei vários pacientes que sobreviveram".
A urna foi revelada: você sobreviveu (a bola escolhida era azul) ou morreu (vermelha)?
Com o tratamento moderno de infarto, a probabilidade de morreu caiu de 60% (60 bolas vermelhas) para aproximadamente 4% (4 bolas vermelhas).
Esta é a urna revelada, quando se trata corretamente o infarto. E aí, tratado pela Medicina séria, você sobreviveria?
“There is no need to change the STEMI-NSTEMI paradigm. I never see false negatives.”
We published the article “The no false negative paradox in STEMI-NSTEMI diagnosis” in Heart (BMJ), and I’ll explain this paradox with a story: José de Alencar sees a patient with angina. 🧵
José de Alencar does not know, but this patient has a thrombus acutely blocking one of his coronary arteries. Unfortunately, there is no ST-segment elevation.
José de Alencar, therefore, classifies the patient as NSTEMI. Could he have done differently?
Since the patient has NSTEMI, José de Alencar does not activate STEMI protocols. If the patient were lucky enough to show the sign that defines the disease, treatment would occur within 30-120 minutes.
But he’s unlucky and will be treated hours or even days later.
Mr. Uzendu estava jogando basquete quando caiu no chão. Os amigos achavam que ele estava fingindo de desacordado. Mas ele acabara de ter uma morte súbita.
Esta é a forma com que morrem 13% das pessoas do planeta.
Eu sou cardiologista e vou ensinar a reconhecer uma morte súbita.
Talvez por vermos tantas mortes na ficção, tendemos a pensar que a morte súbita é o simples e abrupto fechar dos olhos e perda do tônus muscular.
Mas, na vida real não é nada parecido com isso.
Primeiro, pode parecer com uma convulsão.
Muitos casos de parada cardíaca se iniciam com uma fase de elevado tônus muscular. A pessoa fica dura.
Isso ocorre em mais de 60% dos eventos de cessação da irrigação cerebral por causa definitivamente cardíaca registrados ao vivo em Tilt Tests.
O médico pede troponina, exame cardíaco que detecta infarto, e dá positivo.
Diagnóstico: Infarto.
Na verdade, Ednaldo tinha embolia pulmonar.
Os médicos nunca descobrirão este erro. Segue o fio para entender “a armadilha da troponina”.
Quando digo que “os médicos nunca descobrirão”, eu não estou falando dos médicos que o atenderam, mas me refiro a qualquer médico. O erro não é apenas diagnóstico, mas COGNITIVO.
A gênese do problema está em um viés chamado “viés da incorporação”.
Este viés existe quando o resultado de um exame dá nome a uma doença.
Lembra que falei que troponina aumentada aponta para infarto? "Infarto” é definido pelo aumento da troponina associado a clínica compatível.
Perceba que a troponina é o teste e é a definição da doença.