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Sep 28, 2020 17 tweets 4 min read Read on X
Prometi um fio para indicar as imensas dificuldades para analisar as eleições municipais deste ano. Então, lá vai fio.
1) A primeira grande dificuldade são os resultados de pesquisa de opinião neste momento da pandemia. Acabamos de ver o estrago: IBOPE publica uma pesquisa sobre apoio ao governo Bolsonaro (em 40%) e, logo em seguida, vem o da Época (35%) que refuta a do IBOPE. O que aconteceu?
2) Em tempos de pandemia, as pesquisas estão sendo feitas por telefone. Ocorre que poucos brasileiros possuem telefone fixo e por celular, não há garantias da veracidade da resposta. Pior: dificilmente se faz "checagem". É comum, em survey, que 10% a 20% sejam revisitadas
3) Sem checagem, não sabemos se houve fraude, se houve erro de aplicação, se o questionário foi aplicado por inteiro. Fui técnico-supervisor da pesquisa de emprego e desemprego da Fundação SEADE-DIEESE. Cheguei a demitir pesquisador e cancelar um lote todo de questionários
4) Sem checagem, pesquisa vira cuspe para cima aguardando que caia longe de nossas cabeças. A solução é analisar a série histórica, a tendência que se percebe a partir da sequência de pesquisas sobre mesmo tema ou assunto.
5) Mas, temos outro grande problema: a dança de cadeiras nos partidos. Com a lambança que a Lava Jato fez em todo sistema partidário (praticamente desmontou a estabilidade do sistema que, até então, se organizava a partir do PMDB, PSDB e PT), muitos políticos bandearam de partido
6) Então, temos situações em que ex-petistas foram para o PDT; ex-comunistas ou socialistas foram para o PMN ou partidos de pouca expressão. Temos, ainda, candidatos de partidos que estão na esfera de governos estaduais que nem sempre acompanha o alinhamento nacional
7) Vou dar um exemplo em relação a este último fenômeno: o candidato a prefeito do Podemos em Salvador é o deputado federal Bacelar. O PT lançou candidata por lá, mas o governador foi na convenção do Podemos e disse que Bacelar é seu candidato, também. E, autorizou dizer isso
8) Então, para um analista das eleições, é preciso ter uma tabela de dados sobre esses cruzamentos que não se alinham com teses gerais ou teorias de enquadramento de partidos num modelito ideológico ou programático
9) Há, ainda, uma característica importante em relação às eleições municipais brasileiras. Apenas 26% dos municípios brasileiros são nitidamente urbanos, segundo o IBGE (60% são rurais ou muito distantes dos centros urbanos. Mais: 22% dos municípios possuem até 5 mil habitantes
10) A grande maioria dos municípios depende de repasses de recursos federais ou estaduais: 70% das prefeituras só conseguem abrir suas portas se receberem em dia o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Os municípios com menor IDH dependem das aposentadorias e pensões
11) Então, não há alinhamento entre eleição municipal e a eleição de 2022, ao menos na grande maioria dos municípios. Vejam que Haddad ganhou na maioria das cidades brasileiras e não levou. Eleição municipal tem relação com a demanda familiar ou de bairro. Não com ideologia
12) Será diferente nas capitais e grandes centros urbanos. Mas, mesmo nesses grandes centros urbanos, o que parece cada vez mais nítido é que a sobrevivência em tempos de queda de renda familiar e perda de emprego será a tônica do pensamento do eleitor.
13) Então, temos dois polos temáticos ou de preocupação do eleitor em 2020: a) tentar negociar alguma vantagem já que é um raro momento em que poderosos ou candidatos a poderosos estarão pedindo algo para ele e; b) a sua situação econômica e a estabilidade de sua família
14) Isso significa que seu humor estará vinculado ao tamanho de sua crise familiar ou pessoal: se o preço da cesta básica continuar aumentando ou caindo; se sua família continuar tendo renda em queda ou estabilizada; se o presente se tornar um inferno ou um purgatório
15) Estes dois polos da preocupação do eleitor alimentarão sua revolta ou mansidão, sua alegria com o presente ou sua intenção de punir responsáveis por suas agruras. O que faz do acompanhamento das eleições uma leitura diária dos indicadores
16) Enfim, as eleições 2020 têm tudo para desencadear emoções quentes, decepções arrasadoras e busca de informações como corretores de investimentos em ações: uma situação nova e o as apostas serão outras. (FIM)

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Apr 4
Bom dia. Ontem apresentei 5 slides na live das 20h comentando o desastre que foi a ditadura militar para o Brasil. Vou socializar os slides num breve fio. Vamos lá: Image
1) Primeiro, o mais conhecido: a ditadura matou, exilou e torturou brasileiros usando o aparelho do Estado e o dinheiro público que vinha de impostos pagos pelos cidadãos. Usar o Estado para perseguir e eliminar opositores a um governo é crime em qualquer lugar do mundo Image
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Mar 30
Bom dia. A última pesquisa Datafolha reforçou a certeza de que a extrema-direita oscila ao redor de 30% dos brasileiros. Nem todos são bolsonaristas, mas professam valores racistas, machistas e até fascistas. A questão é: quem são os outros 70%? Este é o fio de hoje. Image
1) 31% declaram que admiram o PT. Então, sobram 39% sem identidade ideológica. Mas, vale a pena uma parada para entendermos o que são esses 31%. Image
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Mar 9
Bom dia. Hoje, fui provocado por uma postagem do grande Célio Turino. A postagem contava a história de um primo dele que saiu do apoio à Erundina para virar bolsonarista. Célio perguntava: o que aconteceu com meu primo? O fio a seguir é um conjunto de hipóteses que me atormenta. Image
1) O resumo da história do primo: há 10 anos, durante a criação do partido-movimento RAIZ, ao lado de Erundina, este primo enviou uma mensagem em que dizia: "Primo, sua persistência na luta por um Brasil melhor é admirável". Continuava....
2) ... ", ainda mais ao lado dessa mulher que foi a melhor prefeita de SP. Isso me dá esperança! Conte comigo."
Um ano depois ele estava gritando pelo impeachment da Dilma e logo depois virou bolsonarista radical. Célio pergunta: "o que houve com meu primo?" Image
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Mar 6
Boa tarde. A despeito da enquete que fiz aqui sobre os temas que desejariam que eu fizesse um fio tenha indicado Anistia/militares, Educação e Evangélicos, farei, agora, um breve fio sobre a pesquisa Quaest que está provocando tiro para todo lado. Lá vai: Image
1) A excitação nas redes sociais se deu em função de um imaginado "sinal vermelho" ás pretensões da reeleição de Lula em 2026. Típico de quem desconhece o que é um processo eleitoral. Mas, vamos lá. Image
2) Nenhum sinal vermelho ou amarelo acendeu em função do índice de avaliação positiva revelado na pesquisa Quaest. Image
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Mar 2
Bom dia. Farei um pequeno fio para apresentar uma hipótese a respeito do impacto da fala de Lula sobre a militância petista (ou lulista). Algo a ser analisado porque tem relação com a história recente do PT. Lá vai: Image
1) Comecemos com a pertinência da fala de Lula. Alguns dirão que é sorte. Porém, em política, o que mais conta é discernimento. Maquiavel dizia que o bom governante soma Fortuna com Virtú. Vejam como a imagem de Israel despencou no Brasil após a fala de Lula. Image
2) Sejamos corretos: o governo de Israel acelerou a escalada de horrores de guerras após a fala de Lula. Assim, houve uma sincronia entre o conteúdo da fala do presidente brasileiro com o assassinato de civis em busca de alimento. Uma centena de civis famintos mortos é genocídio Image
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Feb 22
Bom dia. Ontem, fizemos uma live especial, às 20h, procurando analisar as possibilidades de leitura do presidente Lula que o levaram a atacar duramente o governo de Israel. Postarei os slides que apresentamos no início da live. Lá vai: Image
1) Comecemos sobre o peso de Israel para o comércio e a política brasileira. O comércio é insignificante: 52º lugar no ranking das exportações e 34º nas importações. Por aí, o conflito não traria problemas para o Brasil. Image
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