Já há alguns anos, quando chega o mês de outubro é quase impossível não ouvir falar sobre prevenção de câncer de mama. Tudo vira rosa tentando convencer as mulheres por todos os meios para realizar mamografias alegando que é melhor prevenir do que curar.
A premisa por trás dessa campanha é que a detecção precoce de câncer antes de que cause sintomas permitiria antecipar o diagnóstico em uma fase de câncer localizada, permitindo o tratamento curativo antes de que o mesmo se espalhe e reduziria consequentemente a mortalidade.
Se analisarmos a incidência de câncer precoce e de câncer avançado antes e depois de implementar um rastreamento populacional em grande escala um metodo de rastreamento ideal mostraria a seguinte curva: 
Nesta curva observamos que imediatamente após o início do rastreamento há um aumento tanto do câncer precoce quanto do avançado que representa os diagnósticos antecipados e depois estabiliza com um aumento do câncer precoce da mesma magnitude do que a diminuição do avançado
Isto aconteceria, porque os cânceres diagnosticados em forma precoce seriam tratados e curados e não progrediriam para câncer avançado. A suposição Por trás disto é que todo câncer precoce vai progredir inexoravelmente para câncer avançado e eventualmente morte.
Mas os dados reais após 30 anos de rastreio com mamografia nos Estados Unidos mostram uma coisa bem diferente como revela este estudo epidemiológico publicado em 2007
Antes do rastreio com mamografia os médicos diagnosticavam 112 cânceres precoces e 102 cânceres avançados a cada 100.000 mulheres. Depois de 30 anos de mamografia temos 234 cânceres precoces e 94 avançados , ou seja um aumento de 134 cânceres precoces para reduzir 8 avançados
Essa curva está bem longe do que a gente esperaria de um rastreamento eficaz. Observamos um aumento desproporcionado de diagnóstico de câncer precoce em relação com a pequena redução na prevalência de câncer avançado.
Inclusive essa pequena redução de 8 cânceres avançados a cada 100.000 mulheres ocorre às custas de câncer metastático regional que acomete habitualmente os linfonodos axilares e não tem nenhuma alteração na incidência de câncer metastático a distância.
Esse fato é muito importante, desde que o câncer de mama com metástase regional tem um pronóstico melhor com sobrevida aos 5 anos de aprox 85% vs 25% de sobrevida no mesmo período do câncer com metástase a distância.
Mas o que acontece com a mortalidade por câncer de mama? Ou melhor ainda, o que acontece com a mortalidade por todas as causas? No final das contas a meta principal do rastreamento é evitar mortes
Para responder essas preguntas foi realizada uma grande meta-análise incluindo 600.000 mulheres de 7 ensaios clínicos randomizados
Comparando a mortalidade por câncer de mama em mulheres maiores de 50 anos que fazem é que não fazem rastreio com mamografia, observamos 5 mortes no grupo sem rastreio e 4 no grupo de rastreio a cada 1000 mulheres acompanhadas por 11 anos, ou seja um diferença de 1/1000
No entanto, essa pequena diferença não é confiável devido a problemas metodológicos nas pesquisas. Dos 8 estudos incluídos 3 com randomização adequada não acharam diferenças estatisticamente significativas na mortalidade.
Nos outros 4 estudos, a randomização subótima e problemas de classificação da causa da morte entre os dois grupos, favorecem ao rastreamento.
Em relação à morte por todas as causas não existem diferenças entre os grupos.
Em relação à morte por todas as causas não existem diferenças entre os grupos.
Outra diferença importante é que o grupo que realiza mamografia tem mais risco de cirurgia ou radioterapia. Estima-se que a cada 1000 mulheres rastreadas durante 11 años aproximadamente 5 vão realizar mastectomia total ou parcial de um câncer indolente não progressivo.
Então, como podemos explicar que apesar do aumento de câncer precoce não observemos uma redução do câncer metastático avançado e mortes. Uma explicação é que a mamografia gera principalmente sobrediagnósticos.
Um sobrediagnóstico é o diagnóstico de uma doença que não tem progressão (ou a mesma é muito lenta), e que não teria causado a morte se houvesse continuado indetectada.
Acontece que muitos dos cânceres detectados pela mamografia pertencem a esse grupo. Por outro lado também existem cânceres muito agressivos de crescimento muito rápido que são difíceis de detectar precocemente apesar do rastreio.
Apesar disso, nos últimos 30 anos houve uma redução na mortalidade de 28% (de 71 a 51 mortes/100.000.) em mulheres maiores de 40 anos e de 40% em mulheres menores de 40 (grupo que não realiza rastreio) atribuíveis principalmente à melhoras no tratamento.
Paradoxalmente quanto melhor é o tratamento da doença diagnosticada clínicamente (por meios diferentes do rastreamento) menos eficaz é o rastreamento.
O sobrediagnóstico com o rastreamento de câncer de mama com mamografia está gerando uma epidemia de câncer, todo ano temos miles de “sobrevivientes”, muitas delas mutiladas, convencidas de que foram salvas pela mamografia e portando com orgulho o lacinho rosa.
É muito importante que as decisões em saúde pública se baseiem em evidências ao invés de em emoções. Até então quantas mulheres vão perder o peito o realizar tratamentos desnecessários por causa de está falsa epidemia?
*desta
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