Após três horas de aula sobre erro de tipo (já era o tema previsto pra aula de hoje) e da leitura atenta das 51 páginas da sentença absolutória vamos a considerações sobre violência; sexismo; misoginia; ética; razão e direito.
1 - o processo é INDEFENSÁVEL. Aquela audiência é um escárnio e expõe todos os profissionais ali presentes como parte do mais absurdo linchamento que uma vítima pode experimentar. Promotor e Juiz que estavam naquela sala de audiência estão impossibilitados de funcionar nesse caso
2 - a sentenca o não “cria” o estupro culposo tão pouco inova na tese de erro de tipo nesse tipo de ocorrência. O inusitado aí foi a composição dos fatores - audiência; poder econômico; tese absolutória; silenciamento da vítima.
Em vários momentos dando aula hoje eu disse: - O advogado de defesa errou (me referindo ao advogado de Mariana). Eu - doutor em direito; professor de direito penal dando aula de teoria do crime - me esquecia que Mariana era vítima e o seu adv. portanto era assistente de acusação
Inverteu-se todo o sentido do sistema acusatorio e a vítima virou ré. O paradoxal privilégio de ser vítima - de que falo num texto com Ana Flauzina - não alcança Mariana.
3 - As alegações de atecnia por parte dos críticos da absolvição ou de que nós - críticos dessa decisão - estaríamos incorrendo no punitivismo ou no direito penal do inimigo não passa de um biombo que nos impede de acessar o real daquele problema.
A decisão apresentada como produto daquele processo TORTURANTE não é fonte de direitos ou de liberdade. Aquela decisão é produtora de silenciamientos e estimuladora de interdições. Não se trata de uma decisão garantista. É uma decisão irrazoável.
Não pela tese apresentada mas pelo modo de articulação entre fatos; atos; conteúdos e performatividade. A decisão é inconsistente pois, direito como mero exercício de força é arbítrio, e direito sem expressividade comunicativa também o é.
4 - No direito penal e processual penal forma é garantia e em dúvida beneficia-se o réu. No entanto, não se trata de criar um direito penal de ficção ou de se produzir alegorias normativistas. O direito in ato é um juizo de ponderação e precisa ser exercido como integração.
Não se pode descartar a palavra da mulher ou se desconsiderar relatos e percepções que só fazem sentido dentro de uma visão contextualizada sobre gênero. Homens e mulheres leem; veem e sentem diferente esse caso e isso é o mais sintomático do que de fato estamos falando.
O descarte da palavra de Mariana e o ciclo de machos que se criou no entorno dela durante a maldita audiência (e em todo o processo) impede a produção de justiça; naturaliza o abuso e a violacao sexual e articula gênero; raça e classe na dinâmica de poder.
Procurar mimetismos para fazer parecer garantista um discurso e uma prática que não garantem coisa alguma é desonesto. O que se viu no caso foi o desprestígio da palavra da vítima vs. a supremacia de outros interesses processais e uma má interpretação do que é vulnerabilidade.

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