Eu e o @TabarezH e o Nuno Botelho andámos por aí uma semanita com fins de semana incluídos a falar com sírios que vieram parar a Portugal depois da Guerra e gostava de partilhar com vocês algumas coisas que aprendi, tanto sobre jornalismo, como sobre humanos no geral:
1 - Qualquer conversa fica melhor se houver a possibilidade de passarmos uma tarde inteira com alguém, pelo menos umas boas 4 horas
2 - Todos os miúdos, certinho, direitinho, começam a esconder a cabeça nas pernas da mãe e acabam a gritar “olha, olha, olha, olha este desenho” ou “não me apanhas, não me apanhas”;
3 - Por muito que já tenhamos ouvido 30 vezes que não há “nem água nem electricidade nem gás nem comida” a grande maioria dos leitores não sabe o que isso é, é importante perguntar em que é que isso se manifesta no dia a dia (“o frigorífico dos meus pais é uma prateleira”)
Das 7 famílias acho que 5 nos disseram que os sírios e os portugueses são muito parecidos. Em quê? “Quando vocês forem embora, a senhora do 2o esquerdo vai trazer bolinhos e perguntar quem é que cá esteve” ou “os homens portugueses às vezes também se enervam com facilidade”
5 - A burocracia é um bocadinho pior para eles mas as histórias nas finanças e no imtt e na segurança social e no centro saúde são tão surreais com as que a vossa tia vos contou no jantar de Natal;
6 - A pior armadilha ao jornalista (e caímos TODOS) é, depois de várias entrevistas, começar a tentar apressar ou acelerar as histórias para tentar encontrar aquela coisa diferente, aquela história que nunca se ouviu. Mas a verdade é que não há uma única vida banal no mundo (...)
(...) e pagar a traficantes para chegar a um país nunca pode ser “banal”, vir grávida num barco nunca há de ser “banal”, tentar entender como ganhar dinheiro num país onde não se entende um único carácter do que está escrito no jornal nunca há de ser “banal” mas a quantidade(...)
(...) de informação de que hoje dispomos (e ainda bem) faz com que nós próprios e os nossos editores naturalmente andemos atrás do totalmente inusitado mas é preciso ter cuidado com o lado sombrio da profissão: perseguir tragédias, quanto piores, melhor, não é necessariamente
um serviço melhor ao leitor. Às vezes a história é que a família não perdeu ninguém na Guerra, que veio com dinheiro suficiente para abrir um negócio, que deu entrada para uma casa com a herança do avô industrial. Se houvesse guerra cá, eu trataria de vender a minha casa = rica;
7 - Cada vez mais é preciso pensar que uma reportagem não é só texto, que não é normal nem sequer devia ser aceitável um jornalista usar o telefone a menos que seja assim uma situação tipo acidente, fogo, qualquer coisa totalmente inesperada (...)
(...) e um fotógrafo profissional é o mínimo essencial. Há todo um conjunto de outros profissionais q as administrações continuam a não ver como essenciais: videografos, infográficos, técnicos de som, editores de vídeo, ilustradores, animadores, programadores, webdesigners (...)
(...) que têm de ser parte da equipa toda quando há um tema grande. Não estou a falar desta reportagem sequer mas alguns colegas destas áreas disseram-me, por exemplo, que não é muito normal ir para Beirute depois da explosão sem alguém que saiba filmar.
8 - Isto vai longo, acho que já chega. Sobre os sírios: eles curtem muito isto, muitos ajudam agora outras pessoas, portugueses inclusive. Sobre os portugueses: somos boa gente, quão boa eu também não sabia. Leiam as histórias deles, a nossa intervenção foi pouca:

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