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Apr 5, 2021 21 tweets 7 min read Read on X
A arqueologia brasileira e os Sambaquis:

Sambaquis categorizam sítios arqueológicos pré-coloniais compostos pelo acúmulo, sobreposição e descarte de muitas camadas de material orgânico e calcário, principalmente conchas de moluscos, que formam estruturas em forma de montes. Sambaqui Figueirinha I localizado no município de Jaguaruna
São geralmente compostos por camadas de conchas, em meio as quais estão restos materiais e esqueletos que passaram por fossilização química já que a chuva deforma as estruturas das conchas e dos ossos, difundindo o cálcio pela estrutura e petrificando os detritos e ossadas. Foto de amontoado de conchas.Infográfico de Sambaquis.Desenho digital mostrando a composição de um Sambaqui.
Mais de mil sambaquis estão inclusos no registro nacional de sítios arqueológicos e são um dos sítios mais antigos do litoral brasileiro, representando uma ocupação humana que se iniciou há pelo menos 8.000 anos.

A maioria deles, no entanto, são datados entre 4.000 e 2.000 anos.
Em território brasileiro, os sambaquis estão distribuídos ao longo de toda a faixa litorânea, desde o Rio Grande do Sul ao Amapá, embora os estudos estejam concentrados no sul e sudeste e localizados junto a corpos d’água como lagoas, mangues, marismas e às costas do Atlântico. Mapa coma a distribuição de Sambaquis desde a Bahia.
Em algumas regiões como Amazônia, São Paulo e o norte de Santa Catarina, existem também sambaquis localizados próximos aos rios, chamados sambaquis fluviais.

Em ecótonos, a mistura de água salgada e doce apóia a vegetação de mangue e a abundância de mariscos, peixes e pássaros.
Embora os sambaquis sejam de escala variável, enormes montículos de conchas são característicos da costa sul do Brasil, principalmente na região de Santa Catarina, onde chegam a atingir mais de 30 metros de altura, sendo nestes casos considerados sambaquis monumentais. Sambaqui de Garopaba.
Os maiores montes normalmente tem estratigrafia horizontal e complexa, incluindo sequências alternadas de depósitos de conchas, camadas mais estreitas e escuras de carvão e osso queimado que marcam superfícies de ocupação e grupos de sepulturas e lareiras.
A maioria dos povos sambaquieiros eram sedentários e se encaixam no que chamamos de “culturas marítimas”, possivelmente moravam em palafitas, dominavam técnicas de navegação, pesca e caça, produziam ferramentas e artefatos e desenvolviam suas atividades de maneira coletiva. Arte retratado povos Sambaquieiros.
Uma características notórias dos grupos sambaquieiros é a importância do contexto funerário, notável pelos vestígios de sepultamentos, já que grande quantidade de esqueletos foram encontrados no interior de sambaquis, assim como artefatos e outros acompanhamentos funerários. Ilustração de um esqueleto encontrado dentro de um sambaqu
Os estudos funerários em sambaquis nos revelam aspectos culturais ligados a morte, ao cerimonial e à prática de sepultar o morto, também trazem informações a respeito da sociedade a qual o morto pertencia e entendimentos a respeito da cosmologia, ritos e cerimônias destes grupos.
Associados a esses contextos e ritos estão os “banquetes funerários”, tais cerimônias mortuárias consistiam no consumo prolífico de animais e o descarte como oferendas ao redor de ‘túmulos’ individuais e/ou em toda uma área funerária, durante ou em visitas após o sepultamento.
Ainda no contexto funerário estão zoólitos encontrados em sítios sambaquis que evocam um significado iconográfico e simbólico incluindo efígies de espécies como baleias, golfinhos, tubarões, pinguins, morcegos, felinos, águias, aves e peixes variados e, ocasionalmente, humanos. Ilustração de diversos zoólitos.
Esses artefatos poderiam ter representado entidades pertencentes simultaneamente aos mundos material e espiritual, os zoólitos também podem representar ancestrais fundadores, heróis da cultura, ou mesmo divindades de uma cosmologia compartilhada entre os povos sambaqueiros.
No contexto arqueológico, os padrões de sambaquis funerários e o estilo padronizado dos artefatos associados a eles é compatível com o surgimento de uma ideologia pan-regional e sugere uma expressão cultural unificada ao longo de toda a costa sul.
O cerimonialismo envolvendo redes de grupos de afinidade, também se encaixa nessa interpretação já que enormes montículos eram marcos inequívocos, visíveis a longas distâncias tornando-os uma presença constante nas comunidades circunvizinhas e reafirmando direitos territoriais. Sambaqui Figueirinha II.
Monumentos funerários codificavam um sistema simbólico compartilhado por essas comunidades pesqueiras em todo o antigo litoral brasileiro e sua construção incorporou as bases ideológicas das sociedades que duraram por milênios.
A longa permanência dos sambaquieiros se interrompeu com a chegada de populações vindas de longe, os Tupis, oriundos da Amazônia, que avançaram por quase toda a extensão do atual território brasileiro até chegar ao litoral onde eventualmente se colidiram. Mapa com a expansão Tupi.
Os registros arqueológicos e a análise dos esqueletos de populações sambaquieiras demonstram que não era comum embates e confrontos nessas sociedades, ao contrário dos Tupis, que eram uma nação guerreira, o que facilitou o processo de expansão e incorporação dessa sociedade.
De qualquer forma, os sambaquieiros foram grupos complexos, com cultura material diversa, e que, apesar do conhecimento atual acerca desses povos e dos sambaquis, ainda há muito a se descobrir sobre os grupos que ocuparam o antigo litoral brasileiro.

Arte: Mariana Massarani. Ilustração de povos sambaquieiros por Mariana Massarani.
“Uma História Antes do Brasil" é um jogo desenvolvido por pesquisadores do grupo ARISE, membros da USP e da Unisul-SC, com o intuito de levar ao conhecimento do público a importância dos Sambaquis.

Você pode fazer o download do jogo através desse link:
arise.mae.usp.br/sambaquis/ Painel do jogo.Ambiente do jogo.

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Mar 18
Os Mochicas, apesar de serem uma sociedade ágrafa, ou seja, sem escrita, nos deixaram uma certa forma de linguagem que pode ser compreendida através de suas…cerâmicas? 🤔🏺

Segue o fio para entender um pouco sobre o tridimensionalismo Moche!👇🧵 Foto de uma cerâmica Moche retratando a narrativa de sacrifício e apresentação do cálice. Museu Larco.
Um dos estilos artísticos mais utilizados nas cerâmicas mochicas ficou conhecido como “pinturas de linha fina” e nelas são retratadas diversas cenas do mundo mitológico, ritual e cotidiano Moche.

Muitas dessas cenas se repetem e são classificadas em grupos de narrativas:
Pela grande quantidade de cerâmicas e o difícil acesso popular às mesmas, Donna McClelland e Christopher B. Donnan, juntos, construíram um importantíssimo arquivo de desenhos reproduzindo tais imagens.

Hoje, todos eles podem ser consultados virtualmente:

doaks.org/research/libra…
Print da tela inicial do link. Arquivo Moche.
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Jan 12
🆕❗️

Um sistema de centros urbanos Pré-Colombianos foi encontrado no Vale Upano, na Amazônia equatoriana.

Pesquisadores, com a ajuda do LIDAR, revelaram uma paisagem antrópica com aglomerados de plataformas monumentais, praças e ruas seguindo um padrão específico entrelaçado com drenagens e terraços agrícolas, bem como estradas que percorrem grandes distâncias.

A ocupação data de cerca de 500 AEC até entre 300-600 EC, sendo mais antiga do que a grande maioria das sociedades amazônicas.Assentamentos encontrados pelos sensores de radar no Vale.
Foto de um complexo de plataformas de terra no Vale.
Escavações no Vale Upano já ocorrem há 30 anos e desde então foram encontrados montes organizados em torno de praças centrais, cerâmicas decoradas com tinta e linhas incisas e grandes jarros contendo restos de chicha, mas com o LIDAR, foi possível ter uma noção geral da região.

A equipe identificou 5 grandes assentamentos e 10 menores em 300 km2 no Vale Upano, cada um densamente repleto de estruturas residenciais e cerimoniais.
As cidades são intercaladas com campos agrícolas retangulares e cercadas por terraços nas encostas onde plantavam safras, incluindo milho, mandioca e batata-doce, encontradas em escavações anteriores.

Estradas largas e retas ligavam as cidades umas às outras e as ruas passavam entre as casas e os bairros dentro de cada povoado.Mapa dos complexos de montes e terraços artificiais.


Esse é mais um dos inúmeros exemplos de que a Amazônia Pré-Colombiana ainda tem muito a nos revelar e que, com novas tecnologias não-hostis, como o LIDAR, tais revelações tem sido, e vão continuar sendo, cada vez mais frequentes.science.org/doi/10.1126/sc…
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Dec 28, 2023
Conhecidos por suas cerâmicas, os Moche retrataram, em pinturas de linha fina, diversas cenas de humanos, animais e seres mitológicos em atividades que foram categorizadas como temas narrativos.

Segue o fio pra conhecer os principais temas da arte Mochica: Iconografias e narrativas nas pinturas de linha fina Moche.
As cerimônias de sacrifício (tema da apresentação) é considerada a principal narrativa, frequentemente aparecendo na arte desta sociedade.

Nela, encontramos personagens recorrentes da cosmologia mochica envolvidos em uma cerimônia que culmina na oferenda de um cálice com sangue. As cerimônias de sacrifício, também conhecidas como “tema da apresentação”, são, talvez, a cena narrativa mais comum na arte Moche e costuma apresentar três personagens principais: O Sacerdote Guerreiro, a Coruja e a Sacerdotisa.  Tais cenas geralmente mostram a coleta e entrega de cálices com sangue de prisioneiros para a figura “A”, o sacerdote-guerreiro.  O achado arqueológico de personagens de elite nas tumbas de Sipán ajudaram a identificar uma série de elementos, especialmente vestimentas, simiares as das pinturas de linha fina, indicando que as narrativas da arte moche eram reencenad...
A narrativa do enterro aparece em diversas cerâmicas de modos diferentes, mas apresentam um padrão de atividades, separadas por linhas paralelas.

Entender tal iconografia nos possibilitou compreender melhor os ritos funerários desta sociedade. A narrativa do enterro aparece de diferentes formas na arte mochica mas sempre  retratando as seguintes cenas:  O sacrifício, a apresentação de conchas à personagens de elite, a assembleia ou reunião e a descida do caixão.  As cenas são separadas por linhas paralelas que dividem as atividades e indicam que elas ocorrem em momentos distintos.
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Jul 12, 2023
Em 12 de julho de 1562, o frade espanhol Diego de Landa, em um ato único, queimaria livros e artefatos Maias em praça pública na cidade de Maní em uma tentativa de “remover o demônio do coração dos nativos”.

O que o levou ao ato e o que foi perdido?

Segue o fio!👇📖 ‘auto de fé de Maní’; artista desconhecido.
Diego de Landa nasceu na cidade de Cifuentes, na Espanha, em 1524; em 1541 ele ingressou na Ordem do Frades Menores, uma ordem religiosa e franciscana em Toledo.

Em 1549, de Landa desembarcou em Mérida para trabalhar no convento de San Antonio de Padua em Izamal, Yucatan. Retrato de Diego de Landa.
Ele perambulava pelas comunidades a pé e, com isso, aprendeu a língua iucateque e as relações nativas sobre a terra, as pessoas e os costumes, sendo inicialmente acolhido em muitas comunidades, o que o ajudou a compreender melhor o povo e fomentar a sua missão religiosa. Mapa de Yucatan; por volta de 1700.
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Mar 29, 2023
As áreas de floresta amazônica foram conhecidas pelos Incas como ‘Antisuyu’ e, ao contrário do que se é pensado, as regiões andina e amazônica sempre estiveram bastante interligadas.

Como se deu a relação entre os Andes e a Amazônia no período Pré-Colombiano?

Segue o fio!👇🌳 Colagem feita a partir de uma foto da floresta amazônica, Tupac Yupanqui no centro e detalhes iconográficos na arte colonial entre Incas e ‘Antis’.
Os Andes e a Amazônia no período Pré-Colonial não foram separados culturalmente, estavam ligados por extensas redes de comércio que também conectavam línguas, costumes e histórias entre diversos grupos sociais nestas regiões, gerando dinâmicas políticas de influência mútua.
Foto de paisagem andina.
Foto de paisagem amazônica.
Tal influência é vista na cultura Chavín com iconografias típicas da selva tropical (), com os Chachapoyas na divisão geográfica (), com as narrativas de origem do povo Yanesha, no período colonial com o Manuscrito de Huarochirí, etc.

Santa Cruz Pachacuti; Manuscrito de Huarochirí.
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Mar 18, 2023
O El Niño é um fenômeno que consiste no aquecimento incomum das águas do Pacífico Equatorial, alterando a temperatura e aumentando o índice pluvial nas regiões costeiras.

Qual foi o impacto deste fenômeno nas sociedades Pré-Hispânicas na Costa Norte do Peru?

Segue o fio!👇🌧 Esquema explicando o El Niño a partir do mapa do Peru na Am
A Costa Norte do Peru é caracterizada por ser um deserto árido, assim como uma planície aluvial, cortada por rios que descem dos Andes e desaguam no Oceano Pacífico.

Há milhares de anos, os povos locais construíram canais para extrair água destes rios e direciona-las aos campos. Mapa da ocupação Moche, uma das principais civilizações Foto da geografia no norte do Peru, mostrando a aridez do de
Culturas costeiras como a Moche, Chimú, Cupisnique, e etc, dependiam da irrigação para além da subsistência, já que a água canalizada, o milho, o algodão e outras safras desempenhavam papéis importantes, também, na vida social, ritual e econômica destas sociedades. Desenho ilustrando a agricultura nas sociedades do norte per
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