A pequena Capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria é uma das tantas joias arquitetônicas de Ouro Preto. O exterior despojado não prepara o visitante para a opulência barroca do interior.
O campanário fica afastado do corpo da igreja, como a “casinha” numa morada sem banheiro, e nada tem de imponente.
Os sinos da Capela de Padre Faria badalam em concerto com os outros sinos da região, cantando as horas e os eventos, e não soam nem melhor nem pior do que os outros. Mas os sinos da Capela do Padre Faria têm uma história diferente dos outros.
Quando Tiradentes foi enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro todos os outros sinos celebraram a notícia. Afinal, tratava-se da execução de um traidor, de um inimigo da sociedade.
Os sinos de Ouro Preto festejaram o castigo exemplar de um réprobo e o triunfo da legalidade sobre a rebeldia. Mesmo que o toque festivo não tivesse sido recomendado pela Coroa, a celebração se justificaria. Mas os sinos da Capela do Padre Faria dobraram Finados.
Pela primeira e única vez na história, talvez, os sinos da Capela do Padre Faria destoaram do concerto. Tocaram, sozinhos, uma batida fúnebre pelo martírio de Tiradentes.
Não conheço bem a história e não sei o que motivou as badaladas subversivas. Um pedido de secretos simpatizantes da Inconfidência? Apenas uma manifestação de piedade cristã? Um sineiro bêbado? Não sei.
Minha tese preferida é que alguém responsável pelos sinos teve um vislumbre histórico. Teve a presciência que ninguém mais teve e ordenou o toque plangente, em homenagem precoce ao futuro herói e pelo ocaso do poder colonial que seu sacrifício desencadearia.
Nossa Senhora do Rosário serviria como padroeira, não necessariamente de quem consegue adivinhar a História, mas de quem entende o momento que está vivendo ou destoa da maioria, com ou sem razão.
Destoantes deveriam ir regularmente em romaria à pequena capela e pedir a bênção dessa Nossa Senhora do Contexto Maior, para melhor poder enfrentara a maioria que badala o que não tem importância e o fato errado e menospreza qualquer batida diferente.
Os outros sineiros de Ouro Preto não tinham como saber que estavam festejando a morte de um herói. Faltava-lhes a perspectiva histórica para entender o momento e só cumpriram o que se esperava deles. Estão perdoados. Mas que nos sirvam de lição.
Dizem que o Antônio Maria foi visitar o Ary Barroso pouco antes desse morrer. Eram amigos, mas o Ary Barroso implicava com as músicas do Maria e, um notório vaidoso, tinha um pouco de ciúmes do sucesso do outro. Prostrado na cama, Ary pediu ao visitante, com voz sumida:
- Maria, canta “Aquarela do Brasil”.
O Antônio Maria olhou em volta embaraçado.
- O que é isso, Ary?
- Maria, canta “Aquarela do Brasil”.
Muito sem jeito, Antônio Maria começou a cantar. Afinal, era o pedido de um moribundo.
Cantou toda a música, acompanhando-se com uma discreta batucada de palmas.
O Ary ouviu tudo de olhos fechados, com a cabeça atirada pra trás. Quando Maria terminou, ainda de olhos fechados, disse:
Ele: tirolês. Ela: odalisca. Eram de culturas muito diferentes, não podia dar certo. Mas tinham só quatro anos e se entenderam. No mundo dos quatro anos todos se entendem, de um jeito ou de outro.
Em vez de dançarem, pularem e entrarem no cordão, resistiram a todos os apelos desesperados das mães e ficaram sentados no chão, fazendo um montinho de confete, serpentina e poeira, até serem arrastados para casa, sob ameaças de jamais serem levados a outro baile de Carnaval.
Encontraram-se de novo no baile infantil do clube, no ano seguinte. Ele com o mesmo tirolês, agora apertado nos fundilhos, ela de egípcia.
RINGO - Pô, eu primeiro? Logo eu, o narigudo, o palhaço da turma? Mas vamos lá. Tudo começou na minha casa mesmo. Na minha garagem. Meu pai tinha me dado uma bateria. Depois que a velha morreu (câncer) o velho me dava o que eu pedisse. (...)
Mas eu não ia pedir qualquer coisa para aproveitar o descorneio do velho. Fiquei entre a bateria e uma lambreta. Escolhi a bateria e comecei a ensaiar na garagem. O velho me deu a maior força. (...)
Era aposentado pelo INPS mas dirigia um táxi, e tirou o táxi da garagem pra dar lugar pra minha bateria. E brigava com os vizinhos que reclamassem do barulho. Encarava mesmo. O velho era faixa. Faixão. (...)