Essa semana, o apresentador Marcelo Barreto foi no alvo: "para ter racismo, parece que precisa de VAR." Desde que entrei no Direito, sempre me fiz a mesma pergunta: por que ninguém é condenado por racismo contra pessoas negras? 👇🏾
Obviamente há várias explicações de cunho sociológico, mas essa semana publicamos um texto no qual investigamos particularmente o papel do judiciário nessa história.
Ao analisarmos as sentenças do caso Heraldo Pereira, verificamos três artimanhas da branquidade. 👇🏾
As artimanhas são:
a. as alegações de inconstitucionalidade da Lei de Racismo;
b. a exigência do dolo específico de ofender toda a comunidade negra;
c. e a existência de uma hermenêutica da branquidade que perpassa a estrutura do poder judiciário brasileiro.
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a. Em relação à primeira, notamos como a alegação de inconstitucionalidade depende da legitimação do ideário nacional da democracia racial pelos juízes. Ou seja: pode até haver discriminação racial no Brasil, mas racismo é demais. Racismo contra negros então, isso não existe. 👇🏾
b. Sobre o dolo específico, trata-se de um absurdo, de um escândalo, que só pode ser produzido pela branquidade. Pois basta se perguntar: como diabos existe uma ofensa racial que não vise ofender toda a comunidade? Mas a branquidade é isso: ela rechaça a própria lógica. 👇🏾
c. Por fim, a hermenêutica da branquidade, a qual decorre da própria estrutura do poder judiciário, onde 80% dos juízes são brancos no primeiro grau; 85% no segundo grau; e 88% nos tribunais superiores. Chamamos isso de instituições do supremacismo branco. 👇🏾
Com isso, os juízes interpretam a lei justamente para esvaziá-la no seu sentido primordial: realizar a tutela penal de direitos das pessoas negras/combater o racismo. 👇🏾
Há uma artimanha final: os descaminhos produzidos pelo judiciário e legislativo através do crime de injúria racial, mobilizado justamente para rechaçar qualquer aplicabilidade da Lei do Crime de Racismo. Falácias que continuamos a reproduzir tentando diferenciar os dois tipos. 👇🏾
Concluímos que, a despeito do aparente avanço, a decisão do caso H. Pereira periferiza ainda mais o crime de racismo no ordenamento jurídico. O que chamamos de delito sem crime e criminoso. Ademais, o judiciário muitas vezes contribui para a revitimização do ofendido. 👇🏾
Antes de ser um tributo ao direito penal, o intuito do artigo é enfatizar o papel do judiciário na negação de direitos a pessoas negras. Misturando democracia racial, dogmática jurídica estúpida e racismo aparente e evidente, para boa parte dos juízes, negros não têm vez. 👇🏾
Voltando ao início da conversa, magistrados colaboram para manter a ideia de que o racismo contra negros só com VAR ou câmeras 24 horas do BBB. E olhe lá. 👇🏾
O texto foi publicado na Revista do PPGD/UnB, em excelente dossiê sobre "Racismo Institucional, Branquidade e Sistema Judicial", organizado só por gente fera!
Entre críticas e elogios, algo que tem passado ao largo dos debates sobre as indicações do presidente é de como a cultura jurídica brasileira ainda é constituída pela lógica da corte, dos medalhões, do puxa-saquismo e das relações pessoais. 👇🏾
Aqui não se trata de uma crítica moralista a essa dinâmica patrimonialista, em que as indicações ao STF e à PGR foram definidas a portas fechadas a algumas quadras da Esplanada, mas sim ao lugar funcional que ela ocupa na reprodução da nossa economia política senhorial. 👇🏾
Depois de anos de law fare, de Lava Jato e de golpes avalizados por ministros do Supremo (que hoje se apresentam como salvadores da democracia), pensei que haveria chance da esquerda retomar suas críticas históricas ao bacharelismo e ao estamento burocrático.👇🏾
Na Copa de 1938, encantados pelo futebol da seleção brasileira, os franceses disseram que os jogadores pareciam bailarinos. Leônidas da Silva, chamado de acrobata e malabarista pela imprensa européia, faria uma correção: não era balé, era samba. Miudinho. Pernada negra. Capoeira.
Aliás, a performance do Brasil na França, em 1938, é um daqueles momentos decisivos na construção do imaginário nacional. Gilberto Freyre se valeria dela para publicar o seu famoso texto "Football Mulato", talvez o artigo esportivo mais influente da nossa história.
Cinco anos depois da publicação de "Casa-Grande e Senzala", o futebol vistoso da seleção brasileira, praticado sobretudo por jogadores negros e "mulatos", seria uma comprovação das teses da mestiçagem, da harmonia racial e do caráter dionisíaco da sociedade brasileira.
Enquanto bolsonaristas fanatizados agridem ministros do STF e causam arruaça mundo afora, o senhor Dias Toffoli fala em passar uma borracha no passado (que ainda é presente). Não basta ser péssimo jurista, paraquedista profissional e néscio exemplar, tem que ser covarde também.
Há todo um campo de estudos e de intervenção política sobre como instituições e o direito devem lidar com o passado e crimes perpetrados por agentes de Estado. Naturalizar esse tipo de fala é legitimar o rebaixamento do debate público, fazendo da burrice negacionista senso comum.
E como típico de todo jurista a serviço do autoritarismo, encobre suas posições valendo-se da retórica ornamental e do discurso supostamente técnico, pois não tem coragem de se assumir publicamente
Nas análises sobre a ascensão da direita no Brasil, chama a atenção a ausência da consideração séria do fator racial e da nossa história profunda. Será que o passado escravocrata é capaz de reposicionar o olhar?
Segue o fio🧵👇🏾
A thread apenas levanta hipóteses e temas de diálogo. O intuito é colocar sob suspeita análises que tomam o Brasil como um país aparentemente nascido no século XX, que marginalizam o racismo ou que nos enxergam apenas como receptores de ideias e movimentos surgidos fora daqui. 👇🏾
1) Dinâmica escravista e base social
Como apontam Alencastro, Marquese e Parron, o caráter negreiro da escravidão brasileira travejou um tipo de sociedade particular, a qual atrelou a expansão da liberdade e da cidadania à expansão da escravidão. 👇🏾
Como estava conversando com @EvandroPiza hoje, não pensar a branquidade por trás dos atos criminosos dos bolsonaristas nas últimas 24 horas é mais uma evidência da nossa incapacidade de pensar a relação entre raça e autoritarismo no Brasil.
Identificação messiânica da "ralé branca" com seu "líder antissistema"; cruzamento de raça e região na radicalização do ressentimento; precipitação da concepção senhorial de liberdade no quase linchamento de um negro na véspera da eleição; patriotismo armado da casa-grande.
É fascismo. Mas, antes de tudo, é racismo, daqueles bem brasileiro. Brancos atacando quilombolas à beira da estrada deveriam nos dizer algo mais sobre o componente racial dos atos e, especialmente, dos sentidos do bolsonarismo - o que ele desperta e o que possibilita sua força.
Lula encerrou o discurso falando do Brasil como causa. Lembrou Darcy Ribeiro, que teria uma frase perfeita para essas eleições:
"Conheço bem o povo brasileiro. Posso dizer a vocês que não só a terra é boa como o povo é ótimo. O ruim aqui são os ricos, os 'bonitos', os educados."
O Brasil de Lula e Darcy é um Brasil maravilhoso. Que bom que ele está de volta, como também falado no discurso ontem.
Vira e mexe cito por aqui o texto dessa citação do Darcy. Chama-se "Universidade para quê?". De 1985, é o discurso para a posse de Cristovam Buarque como primeiro reitor da UnB democraticamente eleito após os anos de Ditadura Militar.