Tenho conversado com muita gente sobre o que nos aguarda dia 7. É difícil fazer uma análise fria: descartar uma tentativa de ruptura é ignorar o que Bolsonaro e seus apoiadores vêm dizendo abertamente; falar em golpe, por outro lado, soa alarmista 👇
Não tenho respostas prontas nem bola de cristal, então quero pensar alto com vocês. Para organizar o pensamento, vamos falar de algumas premissas.
1. Bolsonaro sabe que será difícil vencer as eleições. Por mais que diga que as pesquisas são enviesadas, seu círculo mais próximo👇
...sabe que derrotar Lula exigirá uma conjunção de fatores econômicos e políticos quase impossíveis a essa altura.
A carta da fraude eleitoral será usada sistematicamente até ano que vem, mas a derrota do voto impresso esvaziou esse discurso. O bolsonarismo já mudou de assunto👇
2. A única forma de Bolsonaro vender a narrativa de que segue popular é pelas ruas. Passeatas, motociatas em lugares estratégicos, fotos grandiosas para colocar na parede do gabinete. Não tem valor estatístico, mas tem poder imagético. Grandes aglomerações dão força à narrativa👇
...e ajudam o presidente a "melar" as eleições do ano que vem, diante do provável resultado desfavorável.
Por isso mesmo, essas manifestações vêm sendo tratadas como a última cartada de Bolsonaro. Isso explica o inédito grau de organização, mobilização e dinheiro envolvidos 👇
Percebam que, ao contrário de outras manifestações, tratadas pelo bolsonarismo como "espontâneas", dessa vez o presidente faz questão de convocar seus apoiadores publica e reiteradamente.
Sinal de desespero, mas também de confiança de que algo grande poderá acontecer no dia 7 👇
Agora, o que Bolsonaro deseja que aconteça nas ruas? Apesar de dizer que serão manifestações "patrióticas e ordeiras", parece claro que ele aposta em algum grau de violência e confusão.
Ora, o dia 7 não pode ser "mais do mesmo", pra cair rapidamente no esquecimento público 👇
Manifestações ordeiras dão ótimas fotos, mas não geram grandes fatos políticos. É diferente dos protestos "fora Dilma" de 2015-16, em que a Paulista verde-amarela foi o empurrão pro Congresso desembarcar de vez da base governista. Neste caso, o povo nas ruas dificilmente levará👇
...a uma mudança de comportamento da Câmara (que já está alinhado), do Senado (que já está distante) ou do STF (que virou o conveniente inimigo da pátria).
Então é razoável dizer que Bolsonaro quer violência. Primeiro, porque é uma ótima maneira de continuar polarizando 👇
...entre esquerda arruaceira e direita pacífica. Claro que a agressão tem que partir de comunistas infiltrados. Lembram-se de que a 1a reação à invasão do Capitólio era a de que havia esquerdistas causando tumulto intencional? Pois é.
Forjar um tumulto de esquerda é facílimo 👇
...bastando que algum bolsonarista/P2 vestido de camisa vermelha agrida um cidadão de bem. Já vimos essa história e não podemos descartá-la.
Segundo: a violência é o melhor pretexto para Bolsonaro invocar o infame art. 142, mediante uma situação induzida de descontrole social 👇
...que justifique alguma forma de estado de exceção. Isso é prato cheio para que os bolsonaristas consigam aquilo que pregam há algum tempo: suspensão dos poderes constitucionais e "intervenção militar com Bolsonaro no poder". Juridicamente patético, mas politicamente possível 👇
...lembrando que autogolpe tem precedentes na Am. do Sul e que incitação presidencial de violência contra instituições, idem.
Terceiro: como bem pontuou @CECLynch, não podemos descartar a hipótese da martirização, repetindo a narrativa que levou Bolsonaro à presidência em 18👇
...ou seja, Bolsonaro, absolutamente exposto em um carro de som na Av. Paulista, pode ser vítima de mais um atentado político. Independentemente de quem o cometa, poderá servir de justificativa para uma tomada autoritária de poder, provavelmente com uma conflagração violenta 👇
Enfim: as movimentações para o 7/9 são preocupantes. PMs aderindo em massa à "grande contrarrevolução patriótica" bolsonarista, assim como caminhoneiros, evangélicos, ruralistas e uma classe média ainda alinhada ao presidente.
Estamos diante de um tensionamento inédito👇
...das instituições democráticas na Nova República, ativamente induzido pelo presidente.
Pode não dar em nada, mas ainda acho cedo para pensarmos no "day after". O dia 7 só acabará quando todo mundo voltar pra casa.
Até lá, tudo pode dar errado. Espero não ter razão nessa.
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Muita gente negando que o titio @elonmusk seja de extrema direita. "Ele só está defendendo a liberdade de expressão!", dizem.
Não é sobre liberdade, mas sobre ideologia. Nesse campo, Musk vem jogando pela direita de maneira cada vez mais aberta. Vamos falar disso em 10 exemplos?
O mito da liberdade de expressão já foi elegantemente derrubado por esse fio do @XadrezVerbal e outros tantos que comentaram sobre as inconsistências do dono do antigo Twitter.
1. Ainda em 2020, Musk fez um tweet jocoso sobre o golpe que destituiu Evo Morales na Bolívia. "Vamos dar golpe em quem a gente quiser! Lidem com isso", disse o dono da Tesla. O posicionamento foi entendido como legitimação de intervenção estrangeira por recursos (no caso, lítio)
Acabei de ouvir o discurso de Lula na ONU. Li mais cedo, meio correndo, mas agora posso comentá-lo com calma.
A impressão geral é uma só: foi um ótimo discurso, de estadista. Há muito tempo um presidente brasileiro não se posicionava tão claramente diante dos problemas globais.
1. E, vejam, não estou falando somente das falas constrangedoras (e muitas vezes mentirosas) de Bolsonaro.
Temer, e sobretudo Dilma, fizeram discursos acanhados, voltados para questões domésticas, sem oferecer uma leitura sofisticada da ordem global - e das posições brasileiras.
2. O discurso de Lula se organizou em 4 eixos. O primeiro, e mais importante, foi um diagnóstico dos problemas do mundo a partir da dimensão da desigualdade.
Na visão do 🇧🇷, a raiz de muitos conflitos e tragédias está na disparidade de renda e oportunidades. E faz sentido.
Sobre as recentes polêmicas de Lula a respeito da guerra na Ucrânia, vou tentar organizar um pouco a bagunça.
Um resumo do fio a seguir: o Brasil acerta nas ações, erra no discurso e, com a visita de Lavrov, se coloca (involuntariamente) numa posição complicada.
Venha comigo 👇🏼
1. Política externa sempre foi uma força de Lula como presidente: sua reputação está muito ligada à imagem que construiu em seus anos de governo.
Mas 20 anos atrás, o Brasil e o mundo eram muito diferentes. Eram desafios de outra ordem, que não exigiam que o país tomasse lados.
2. A visão brasileira era clara: a hegemonia americana era insustentável e o futuro era multipolar. O grande ativo brasileiro era saber transitar bem entre ricos e pobres, grandes e pequenos.
Nossa posição irritava, mas não antagonizava os EUA. As relações foram boas, no geral.
Quando decidi entrar pro Twitter e produzir conteúdo por aqui, em 2018, temia o julgamento de colegas acadêmicos.
Muitos acham a divulgação científica uma atividade menor, incompatível com o rigor metodológico e a complexidade dos fenômenos.
Não é verdade, claro, mas acho que explica pq parte da comunidade científica não se engaja na comunicação mais ampla com a sociedade.
Há outros fatores. Na universidade, são poucos os incentivos para atividades além de ensino e pesquisa. Zero remuneração e pouco reconhecimento.
Dar entrevistas, escrever artigos para jornal, postar nas redes sociais, oferecer cursos de extensão: tudo isso demanda uma quantidade de tempo e esforço que quase sempre vem em prejuízo da pesquisa (ou da qualidade de vida).
Muita gente não entendeu a proposta de Lula de criar um órgão para promover a paz entre Rússia e Ucrânia.
"A ONU já existe!", "isso nunca vai funcionar!", disseram os críticos quando a iniciativa foi aventada, na visita do chanceler Olaf Scholz.
O que Lula quer com essa ideia?
1. Lula entende que tem 4 anos para deixar um grande legado ao país. Ou legados, quem sabe.
O caminho + seguro é o da política externa. Diante de um país dividido, a diplomacia presidencial torna-se instrumento poderoso de legitimidade.
E o melhor: depende pouco do Congresso.
2. Ao assumir em 2003, Lula tinha minoria legislativa e governabilidade frágil. Naquele ano, visitou 30 países. Era tão querido dentro quanto fora do 🇧🇷.
Bolsonaro fez coisa parecida. Em 2019, sem maioria, fez uma agenda externa focada na guerra cultural de Trump e Netanyahu.