Eles riem com o conforto de quem está acostumado a mandar. Mais: com a tranquilidade de quem sabe que jamais será obrigado a arcar com qualquer consequência de seus atos, sejam estes quais forem.
Dividem a mesa com um golpista que destituiu uma presidenta democraticamente eleita com o propósito declarado de impedir que os velhos barões da política fossem expostos em suas atividades criminosas - um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo.
Apesar de tudo isso, ninguém ali parece embaraçado. Ao contrário: riem, cúmplices, enquanto um jovem comediante imita a voz de Bolsonaro numa suposta conversa com o próprio Temer sobre a infame "carta de desculpas" que publicaria depois de perceber que esticara demais a corda.
É pertinente observar que o tal comediante não só é filho de outro cacique da política como seu pai foi articulador da campanha de Bolsonaro - e o próprio rapaz participou do processo gravando áudios com a voz do presidente pra serem enviados a grupos de eleitores do miliciano.
Em outras palavras: na sala, rindo de Bolsonaro, estão aqueles que de modo direto ou indireto fizeram o possível para elegê-lo.
"Cadê a parte que eu combinei contigo de queimar o STF?", pergunta, chateado, o "Bolsonaro" concebido pelo jovem. "Cadê a parte que eu combinei de colocar um pau-de-arara na Praça dos Três Poderes e dar de chibata no lombo do Alexandre de Moraes?"
Mais risos enquanto o autor da gravação faz uma panorâmica pra revelar seus companheiros de poder, que acham divertidíssimo que o convidado de honra tenha ajudado a salvar o cargo do mesmo criminoso cujas ações ditatoriais, repressivas e violentas causam tanta graça no ambiente.
Eles riem não só do imitador, mas do Brasil. Acham hilário rir de menções a "pau-de-arara" e de ataques incendiários ao STF porque estão descolados das consequências de um golpe militar.
Ditadura ou não, eles sabem que seguirão frequentando salas amplas que julgam suntuosas, mas que exalam o mofo de séculos de uma aristocracia venenosa e cruel, enquanto são servidos por garçons que provavelmente contam cada centavo ao fim do mês.
Não é surpresa que todos sejam homens, brancos e além da meia-idade. "Tenho que agradecer a você demais porque tu salvou o careca de levar minha hemorroida, porra!", afirma o "Bolsonaro". Mais gargalhadas recebem a "piada" homofóbica.
Eles não são tão diferentes do sujeito de quem riem, embora decerto se considerem superiores ao tosco capitão. Que, cabe repetir, ajudaram a eleger e agora celebram o amigo que conseguiu salvá-lo de perder o mandato.
Se fizesse parte de um filme, eu talvez criticasse a cena por soar artificial demais, por exagerar ao buscar escancarar a vilania dos poderosos homens brancos idosos que a protagonizam.
Ou talvez eu a elogiasse por demonstrar como a certeza da impunidade resultou em uma "elite" que, mesmo se vendo filmada, não se preocupa em disfarçar seu desprezo pelo país que a enriqueceu.
Quem é quem no vídeo: noticias.uol.com.br/politica/ultim…
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