antes de tudo, o elemento mais curioso é "o milagre" da família, às vezes também referido como "a magia". desde sempre, marx apontou o caráter fetichista do capital, sua capacidade de mistificação e magia. ou seja, a magia da família madrigal é o capital, o que os torna burgueses
interessante o fato de o filme basear toda sua construção de mundo em um país da américa latina, um território historicamente explorado e alvo de imperialismo estadunidense. no filme, a família é retratada claramente como uma burguesia dependente
ora, nesse contexto, o que significa a busca pelo seu "dom" individual? franz fanon pode nos responder que “a burguesia colonialista introduziu a golpes de pilão, no espírito do colonizado, a ideia de uma sociedade de indivíduos, onde cada qual se encerra na sua subjectividade”
a individualidade, o "dom" é uma ferramenta de colonização abraçada pela intelectualidade colonizada. aqui, o filme mostra como a burguesia colonizada atua em relação ao seu povo, retratado como uma massa amorfa, atávica e inteiramente dependente do capital da família madrigal
assim, o filme se demonstra o que realmente é: um exemplar primoroso do capitalismo tardio, que tem como objetivo "reformar" os valores coloniais – representados pela "casita".
isso se dá por meio da dita "inclusão" daqueles "sem dom", sem mencionar que o "dom" foi expropriado pelo próprio sistema de exploração capitalista. mas a "magia" não muda de mão e essa jornada consiste simplesmente na manutenção de poder nas mesmas mão burguesas.
espero que gostem da análise! embora a abordagem mais óbvia de análise fosse a psicanalítica, acho que essa sociológica é mais provocadora
qualquer coisa, manda as ideia aí e, se não gostar, chora
o que eu acho interessante de ver com um filme como esse é a força (?) da superfície: embora o arco do filme e vários de seus elementos sejam altamente perniciosos, o modo como nos relacionamos com as coisas é brutalmente pela aparência (como elas aparecem)
como diria nosso amigo flusser, é tudo uma questão de design
essa postura de “comparar” situações pode ser fortemente desmobilizante, sectária e, em última instância, reacionária. não por acaso, é precisamente a tática que a extrema-direita tem usado pra atacar as greves que ocorrem
e, em essência, o argumento está certo. ter um poder aquisitivo menos precário não eleva ninguém da classe trabalhadora. defender isso é má-fé ou ingenuidade (pensando apenas em consumo)
agora, como essa constatação pode ser usada criticamente para emancipar?
[uma divagação mais ou menos genérica sobre o uso da linguagem em contextos pedagógicos]
ontem, na atividade grevista, tava falando sobre “o mestre ignorante”, de jacques rancière, em que ele conceitua o que chama de *ordem explicadora* (+)
(note-se que, no público, havia alguns professores – e rancière não é lá muito gentil com o conservacionismo da pedagogia)
a ordem explicadora acorrenta o estudante à ideia de que ele só pode aprender mediante a explicação de um mestre, criando uma educação embrutecedora (+)
no contexto mais cotidiano, a explicação é confundida com o uso da fala, em geral. mas não é disso que se trata. a explicação é um modo específico de usar a fala.
um exemplo não-inocente: em análise, usamos a linguagem, mas não para explicar nada, mas para elaborar (+)