Boa tarde. Vou postar o roteiro - ou argumentação-base - e as principais teses do livro que estou escrevendo para a Editora Kotter, cujo tema é a ascensão da extrema-direita no Brasil. Vamos lá:
1) Começo pela distinção entre DIREITA e EXTREMA-DIREITA. DIREITA é um ideário político que sustenta que a humanidade possui diferenças individuais naturais, como inteligência, esforço e obstinação, que levaria à desigualdade social. Propõe a liberdade individual como padrão
2) Já Extrema-direita é o ideário político que refuta qualquer outra força política contrária ao seu projeto através da ameaça ou uso da força para coibi-la.
3) Uma segunda distinção importante é entre NAZISMO e FASCISMO. Nazismo é uma ideologia exclusivista e excludente. Impermeável, seu foco é a eliminação do outro e autoafirmação racial.
4) FASCISMO é a ideologia cambiante focada na coação social. Permeável, agrega outros elementos culturais que reforçam o discurso totalitário (mobilização social + exclusão de divergência política)
5) Como se percebe, a extrema-direita brasileira está mais para o fascismo, mais bonachona e permeável, embora tão perigosa quanto qualquer extrema-direita.
6) A tese central do livro é que a extrema-direita se formou a partir de três ondas que se sobrepuseram. A primeira onda foi promovida pelas articulações empresariais. Tudo começou com a organização da intervenção política na Assembleia Nacional Constituinte
7) Na década de 1990, os empresários transitaram da proposta de “Estado Mínimo” para organização de agenda estatal, ou seja, a disputa do Estado brasileiro. As figuras principais neste momento foram: Paulo Rabello de Castro e Jorge Gerdau.
8) Entre 2000 a 2015 houve financiamento empresarial de organizações juvenis ultraliberais que se articularam com think tanks estrangeiras e Institutos Liberais para promoverem ações pró-impeachment de Dilma Rousseff e ataques à institucionalidade democrática.
9) Esta é a etapa de radicalização do ativismo empresarial brasileiro, em especial, de empresários paulistas, cariocas e gaúchos. Momento em que jornalistas e ativistas com destaque nas redes sociais assumiram papel de destaque nas organizações empresariais.
10) A segunda onda foi criada pela Operação Lava Jato que estabeleceram vínculos com o Ministério da Justiça dos EUA (DOJ) para coibir concorrência empresarial através da ofensiva contra corrupção. A força-tarefa desta operação empregou o mesmo modus operandi adotado pelos EUA
11) Para quem ainda tem dúvidas sobre esta relação da Operação Lava Jato com o DOJ (Ministério da Justiça dos EUA), leia o livro "Arapuca Estadunidense".
12) A Operação Lava Jato criou o clima propício para a radicalização do discurso contra o PT e movimentos sociais brasileiros e projetam ideário de extrema-direita a partir do uso e permutas com a grande imprensa brasileira, em especial, a Rede Globo.
13) A terceira onda foi o bolsonarismo ou a tomada de poder pela extrema-direita. Não se atém, portanto, à figura de Jair Bolsonaro. Vai além e se fundamenta na ação de quatro forças - ou blocos - políticos: os militares, os evangélicos, o baixo clero e os empresários.
14) o segmento das FFAA que se forjou bolsonarista se constituiu a partir da mudança de ideário (nacionalista para ultraliberal) durante a gestão do ministro Viegas à frente do Ministério da Defesa e através da experiência de intervenção militar no Haiti
15) O Haiti ressuscitou o "haitianismo", uma ideologia das elites brasileiras disseminada no século XIX fundada no temor de uma revolta de pobres negros como a ocorrida no Haiti.
16) A partir daí, comandantes da missão desenvolveram a tese - há inúmeros depoimentos colhidos em pesquisas acadêmicas - da vigilância permanente e repressão ostensiva para conter o caos social. Uma peculiar forma de "defender a democracia" ao estilo norte-americano.
17) Quanto aos empresários, o apoio inicial foi do setor varejista e empresas de pequeno porte (primeiro turno), passando para negociação de agendas de reformas ultraliberais e anistia de ilegalidades cometidas (segundo turno) liderada pelos grandes empresários.
18) Os evangélicos começaram cautelosamente. Muitas igrejas, como a Universal (IURD) apoiaram os governos lulistas. No primeiro turno, 40% dos evangélicos votaram em Bolsonaro. Mas, no segundo, saltaram para mais de 60%.
19) Não há o propalado alinhamento automático da base evangélica para os líderes das igrejas. O alinhamento ocorre em momentos de excitação ou comoção nacional e sempre a partir da defesa da pauta de costumes. Foi exatamente isso que foi acionado em 2018.
20) Há inúmeras pesquisas revelando que a grande maioria dos participantes das Marchas para Jesus não se alinham com a agenda da "Bancada da Bíblia" no Congresso Nacional
21) Finalmente, o baixo clero. O baixo clero cresceu politicamente a partir da eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara de Deputados defendendo aumento de verbas e salário para parlamentares
22) Mas, dá um salto, em 2015, com a eleição de Eduardo Cunha para a mesma presidência. É o momento do "profissionalismo" na condução do baixo clero: vínculos com o alto empresariado e ação agressiva para tirar vantagens do governo federal.
23) Bolsonaro sempre foi - e sempre admitiu - ser membro do baixo clero. Obteve apoio deste bloco político desde o início de sua campanha. O baixo clero é formado por deputados sem grande expressão pública, mas que batalham para conseguir verbas e obras para sua base eleitoral
24) Essa é uma breve história - e a base política - por onde se consolidou a extrema-direita brasileira. Há, ainda, o apoio social difuso, não organizado, formando nichos. Fico por aqui. (FIM)
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Bom dia. Estava assistindo uma minissérie quando, em determinado momento, o personagem principal, em meio a um caos instalado, sugere que todos somos movidos por sonhos. De fato, ninguém deseja ser desiludido. Este é o fio.
1) Ouvi esta frase numa palestra, acho que de Nilson José Machado, o idealizador do ENEM ( que originalmente foi inspirado na teoria das inteligências múltiplas). Ele falava da origem da palavra ilusão, que é "illudere", e que significa "brincar com".
2) E lascou esta conclusão: "a questão é que ninguém deseja ser um desiludido". A questão deste fio, conduto, é uma derivação dessa conclusão que não há como um ser humano viver sem utopia, sem "brincar com a realidade". Daí a necessidade da arte e até da bondade.
Bom dia. Por mais paradoxal que possa parecer, acho que Hugo Motta ajudou Lula a sair de uma arapuca. Explico a afirmação no fio que começa agora:
1) Até então, o Lula3 estava amarrado ao Centrão, praticamente paralisado. O medo que tomou conta de Lula tinha como fonte a capacidade de mobilização do bolsonarismo que poderia desmoralizar a sua história de líder de massas.
2) Eis que, de repente, o bolsonarismo coloca 12 mil pessoas na avenida Paulista e Hugo Motta resolve peitar o projeto de Haddad sobre o IOF. O IOF era a tábua de salvação para dar sobrevida às contas governamentais.
Boa tarde. O fio de hoje é sobre o calcanhar de Aquiles dos Bolsonaro: agitam, mas não organizam. Lá vai:
1) Max Weber nos ensinou que há um tipo de líder que arrebata as massas pela paixão. Raramente se relaciona com as tradições e é ainda mais raro respeitar regras e normas. Trata-se do líder carismático.
2) Carisma significa “toque de Deus”. Por algum motivo, alguém é escolhido para se sacrificar ou para se distinguir dos outros humanos. Ele parece igual aos outros, mas algo o diferencia da multidão.
Bom dia. O fio de hoje é sobre a frase de Chico de Oliveira que postei ontem por aqui. Dizia que os anos 1990 retiraram a musculatura do Estado brasileiro e o século 21 retirou a musculatura da sociedade civil. Lá vai:
1) O Estado foi criado como garantidor da estabilidade social cujo objetivo era sustentar que as expectativas individuais (e coletivas) fossem passíveis de serem realizadas.
2) Se no século 19 surgiu a ideia de proteção social via intervenção estatal – vindo do improvável projeto de Bismark -, no século 20 se projetou, via socialdemocracia, a lógica da promoção social via amplas políticas de Estado.
Bom dia. Postarei um fio sobre o Centrão. Minha leitura é que ele é uma ponta de lança do fisiologismo e da direita brasileira que necessita se aliar com governos progressistas. Explico:
1) O que não parece ter um encaixe equilibrado é a necessidade do Centrão se aliar à liderança de um polo progressista. Foi assim com FHC, puxado por ACM. O faz agora com Lula.
Fico pensando no que o move para este lugar.
2) Uma possibilidade é o fisiologismo que o marca, focado nos espaços miúdos e na fragmentação territorial. Por aí, o Centrão teria muita dificuldade para esboçar um projeto nacional.
Boa tarde. O fio de hoje é uma tentativa de leitura do que me parece um sistema político federal criado após o início do Lula3. Sei que qualquer leitura mais crítica ao governo Lula atrai uma enxurrada de ataques e desesperos, mas sinto que chegou o momento de abrirmos discussão
1) É conhecida a tese de Chico de Oliveira em sua “Crítica à razão dualista”: existiria um todo sistêmico que gerava uma especificidade da economia e sociedade brasileiras e que era interpretado por parte da intelectualidade brasileira como subdesenvolvimento.
2) A dualidade evitava compreender a lógica integrada entre atraso e pujança como um todo devido ao que sugeria ser proveniente de certo moralismo intelectual.