Cantalice, o importante dirigente petista do RJ, não concordou comigo sobre o perfil social-liberal do discurso de Lula na entrevista com os jornalistas independentes. Achei melhor explicitar minha opinião. Lá vai:
1) Lula, em sua entrevista à mídia independente, esboçou as bases de um programa social-liberal. Chegou a dizer que seu governo será de centro e que buscará, se for necessário, até forças de centro-direita para compor.
Nada mais nítido em termos de suas intenções.
2) Sugeri que o que Lula apresentou chama-se social-liberalismo. Vou delinear, então, as diferenças entre social-liberalismo, socialdemocracia e neoliberalismo. Vejam esta explicação :
3) Resumidamente, a agenda social-liberal adota uma forte preocupação com as políticas sociais inclusivas, desde que subordinadas aos interesses do mercado. Está vinculado a um certo economicismo que dilui a importância da dimensão política ou organização social.
4) A agenda socialdemocrata é mais avançada porque é promocional, ou seja, altera o patamar da cidadania, tanto em termos econômicos e sociais, como culturais e políticos. Neste sentido, enquadra os interesses de mercado aumentando as taxas e tributos a serem pagos por empresas
5) As empresas passam a ser um potente provedor das ações estatais. Algo muito distinto do que sempre se fez no Brasil, mesmo quando forças progressistas dirigiram o Estado nacional.
6) Já a agenda neoliberal desregulamenta as relações trabalhistas e canaliza todo investimento público para as grandes corporações, reduzindo ao emergencial (e focalizado) os gastos sociais.
7) Há autores neoliberais exageradíssimos que dizem que as relações de mercado são as mais democráticas porque o comprador compra o que deseja e o vendedor procura convencer o comprador. A relação seria entre iguais que negociam seus interesses até um ponto ótimo.
8) Nunca entendi se essa crença era má fé daqueles que desde a adolescência roubavam doce de criança ou é uma utopia de quem já bebeu cinco caixas de cerveja alternadas com algumas de whisky.
9) O social-liberalismo está à esquerda do neoliberalismo, mas à direita da socialdemocracia.
A agenda social-liberal não investe em grandes arroubos democráticos na tomada de decisão pública. Prefere acordos entre elites
10) Elites não são somente econômicas. Envolve os que têm mais poder ou prestígio entre igrejas, artes, sindicatos etc. Exclui os "de baixo" das tratativas
11) Na primeira gestão de Lula, a que começou em 2003, houve certa incerteza sobre qual rumo tomar. Isso durou até 2005, quando Lula adotou de vez a inspiração rooseveltiana. Até então, bateu no cravo e na ferradura alternadamente
12) O caso emblemático foi criar o Ministério da Agricultura – dado ao agronegócio – e o Ministério do Desenvolvimento Agrário - dado para a Democracia Socialista dirigir com extensionistas rurais, lideranças agroecológicas e da agricultura familiar.
13) A política bicéfala nesta área se repetiu na macroestrutura de governo: economia com megaempresários e ultraliberais (sob comando de Palocci e Meirelles) e políticas sociais mais próximas da esquerda petista e igreja progressista, caso do programa Fome Zero.
14) A partir de 2005, Lula deixou a dúvida de lado. O Fome Zero foi substituído pelo Bolsa Família e sua operacionalização deixou de ser feita por estruturas participacionistas (como Frei Betto havia montado) e foi para as mãos de prefeitos
15) Agora, o distanciamento com o Modo Petista de Governar se acentuou. Lula continua falando das três refeições diárias e da agenda social como relevante para o processo civilizatório brasileiro. Mas, não cita uma linha da gestão participativa.
16) Lula não disse se enquadrará empresários. Falou de matar a fome de todos: de comida e de poder. Isso não é socialdemocracia. Está mais para a agenda de Tony Blair, o dirigente inglês que pavimentou a transição da socialdemocracia para o social-liberalismo.
17) O Reino Unido, aliás, é um bom campo de pesquisa sobre social-liberalismo. Foi aí que os ex-socialdemocratas arredondaram a bola da Nova Gestão Pública inaugurada pela Baronesa Thatcher de Kesteven, mais conhecida como Margaret Thatcher.
18) Explico para não confundir. Acredito que é fundamental sermos corretos, honestos e transparentes nas escolhas ideológicas e teóricas que fazemos na política. Principalmente quando o desejo é reconstruir o país, destruído pelos trogloditas da extrema-direita.
19) Ser claro é parte da pedagogia política das forças progressistas.
Lula não errou, mas fez uma escolha. E é fundamental que todos tenham nítido sobre qual escolha fez para não se queixar sobre o peixe que comprou. (FIM)
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Bom dia. Anos atrás, uma equipe de jornalistas comandada por Dany Starling produziu o 15 minutos #sqn onde eu entrevistava algumas lideranças sociais ou personalidades que queríamos explorar mais suas ideias e perfis. Vou postar algumas dessas entrevistas. Espero que apreciem:
1) Em julho de 2014, entrevistamos o espanhol Javier Toret, que estudou - e militou - nas grandes manifestações espanholas de 2011 e anos seguintes. Toret trabalhou com Manuel Castells e esteve diversas vezes no Brasil. Acesse aqui:
2) Agora, a entrevista com Ciro Gomes. Eu e Alexandre Vasilenskas o entrevistamos. Fiquei surpreso com a confusão dele: se apresentava como neodesenvolvimentista, mas tinha um forte pendor liberal em alguns temas. Veja: facebook.com/watch/?v=47803…
Não imaginava que a minha observação sobre a fala de Lula gerasse tanta polêmica. Como ocorreu, vou explicitar minha posição pessoal (que já verbalizar em muitas lives):
1) Eu não vou encher a vida do Lula. Não farei oposição a ele nesta campanha. Acho que ele é o candidato viável e que abrirá espaços para a esquerda e para movimentos populares.
2) Expectativa rebaixada? Pode até ser. Mas, minha questão é outra. Acho que devemos disputar o programa e os ministérios. Este é meu ponto.
O que uma constatação gera, não? Venho afirmando há meses que Lula está ao centro, mas muitos petistas fanáticos achavam que era provocação de minha parte. Ontem, Lula disse com todas as letras que estão centro.
Seria possível um perfil como a candidatura de 1989? Evidente que sim. Mas, Lula é outro político. Continua o mais importante político do país, mas deu essa guinada ao centro. Somos o sétimo país mais desigual deste planeta r a massa do eleitorado quer mudança.
Idolatrar Lula ou idealizá-lo como infalível é um erro político perigoso porque embora a capacidade de enxergar a realidade e cria descompromisso pessoal porque transfere sua responsabilidade para o ídolo.
Bom dia. Recebi de Frei Betto:
Mensagem do filho do poeta Thiago de Mello
Passei três semanas no Amazonas, viajando sozinho. Se é que é possível dizer que viajei sozinho, pois sempre estive acompanhado de gente que me quer bem, amigos e familiares que encontrei pelo caminho (...)
(...) Gente que amo e que me constitui. Fui com dois propósitos nessa imersão solitária. O primeiro, visitar meu pai. Estar com ele por alguns momentos, já ciente da situação de saúde e cuidados na qual ele se encontrava. (...)
(...) Depois, fui com o objetivo de iniciar uma reforma inadiável em nossa casa à beira do rio, em Freguesia do Andirá, no interior do município de Barreirinha, a quase 350 km de Manaus. Um dia de barco pra chegar até lá. (...)
Boa noite. Prometi postar aqui a sequência de slides sobre iniciativas do campo popular e de esquerda que estão ocorrendo para construir um projeto político para o Brasil, alguns deles focados na contribuição à campanha de Lula. Vamos lá:
1) O primeiro deles é o Projeto Brasil Popular da frente já conhecida que envolve PT, PCdoB, Consulta Popular, MST etc. São 32 grupos temáticos criados há dois anos. No site (projetobrasilpopular.org) é possível encontrar cadernos, por tema, com a produção acumulada
2) A segunda iniciativa é do Outras Palavras, liderado pelo Antonio Martins. No site (outraspalavras.net ) é possível acessar a sequência de reflexões e produções temáticas, principalmente na seção "Resgate". São 14 temas centrais.