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Jan 22, 2022 31 tweets 11 min read Read on X
Você já ouviu falar no Macaco-de-loys, um primata de quase 1,60 m, extremamente semelhante a um hominídeo, que vivia na floresta Amazônica até 1917?
Venha conhecer o hominídeo das Américas que nunca existiu, em uma história que reúne fraudes, colonialismo científico e racismo.
Durante o século XX, a Europa e os Estados Unidos criaram um enorme interesse pelo Sul do mundo. "Regiões intocadas pelo homem" ou "pouco civilizadas" poderiam conter tesouros inimagináveis e curiosidades científicas, sendo frequentemente visitadas por "exploradores"
Expedições científicas muitas vezes eram exclusivamente realizadas com o fim de encontrar riquezas (sendo joias, metais ou "seres curiosos"), que poderiam ser vendidas para museus ou colecionadores. Múmias, animais, cabeças humanas, tudo valia, desde que oferecessem lucro
Nessa época, esse tipo de mercadoria passou a ser tão procurada que diversos produtos foram forjados para serem vendidos. Aves-do-paraíso eram empalhadas sem suas patas e vendidas na Europa como "aves que nunca pousavam", sendo mais estranhas e, portanto, mais valiosas
Cabeças encolhidas eram cabeças humanas que passavam por práticas ritualísticas de povos da América do Sul. O preço desses produtos subiu tanto na Europa que pessoas passaram a cometer assassinatos para arrancar cabeças e encolhê-las, vendendo como cabeças ritualísticas legítimas
Entretanto, nem apenas de produtos viviam esses exploradores. Retornar de uma viagem contando que você avistou um monstro gigante poderia te dar muito prestígio. Por que não contar que você matou o monstro também? Uma pena que você não tem provas, mas é verdade esse bilete
Apelidadas de Hoax, essas Fake News científicas começaram a se tornar cada vez mais comuns, sobretudo entre exploradores que visitavam a África Central ou a Amazônia, regiões "selvagens e intocadas, onde tudo pode existir", onde civilizações perdidas viviam no meio de monstros
Esses contos inspiraram filmes como Indiana Jones (que mostram até o crânio supostamente feito de cristal por indígenas sul americanos, mas q foi talhado na Alemanha) ou, o mais recente, The Lost City of Z, uma suposta civilização perdida no Mato Grosso encontrada por Percy Fawc
É aí que entra o explorador suíço François de Loys e uma grande expedição realizada por ele na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, que buscava petróleo na região entre 1917–1920.
A região extremamente isolada contribuiu para a dificuldade da expedição. Muitos morreram por diversas causas e, dos 20 exploradores, apenas 4 sobreviverem. Segundo De Loy, a maioria foi morta pelos indígenas da região, mas ele era bem fanfiqueiro (vcs vão entender já já)
Supostamente, ele e sua equipe estavam na beira de um rio (antes da maioria morrer) quando dois macacos se aproximaram. Andando nas patas de trás, jogando excrementos e chacoalhando galhos como armas, eles tentaram atacar os humanos, que atiraram nos dois e mataram uma fêmea
A equipe fotografou o suposto macaco gigante (usando um galho para que ele ficasse em pé) e tentou levar o corpo, mas no final das contas só a foto sobrou. Suspeito, né?
Isso foi em 1917 e ele basicamente ESQUECEU que encontrou um macaco gigante, até que outro cientista +
encontrou a foto nos seus diários de viagem e convenceu De Loys que eles tinham que publicar (Aham, vc faz a descoberta do século, esquece disso por NOVE anos até te lembrarem e ainda a pessoa tem que te convencer a publicar. De Loys era mais fanfiqueiro que a Lady Gaga, credo)
Como era de se esperar, a história foi um sucesso, sobretudo pois solucionou um grande mistério: "Encontramos o elo-perdido dos índios, o que explica eles serem inferiores!" - Sim, a manchete era basicamente essa.
Com o crescimento de ideias eugenistas na Europa e EUA, criou-se +
a teoria que diferentes grupos humanos tinham diferentes origens, cada um vindo de um ancestral diferente (colocando os brancos como superiores ao resto do mundo), uma teoria que foi, em parte, a base do nazismo e perdurou muito após a Segunda Guerra Mundial
O macaco-de-Loys se encaixava perfeitamente nessa ideia e era inquestionado por grande parte da comunidade científica da época (nm preciso dizer que era composta por homens, brancos e ricos, né?)
Já deu para imaginar algumas implicações dessa "mentirinha", né? (Fake news é serio)
Em resumo, o primata não só não era ancestral dos povos nativos-americanos (obviamente), como nunca existiu.
Em resumo, a foto é de um macaco-aranha morto que teve o rabo cortado e foi colocado em uma pose "humana", dando o aspecto de hominídeo para o animal
Para piorar, a foto em si também foi forjada. Repare nas fotos da esquerda: Um macaco-aranha (de tamanho normal) e o De Loys sentados em um caixote, que aparece quebrado na foto da direita, em baixo do macaco-de-Loys. Eles reduziram o caixote, para o macaco parecer bem maior
Muito provavelmente, ela também não foi tirada em uma "selva intocada", e sim próximo de uma comunidade indígena (ou até mesmo nem foi na região), uma vez que bananeiras recém plantadas podem ser vistas na imagem (ou será que os macacos-de-Loys plantavam bananeiras na mata?)
Como podem ver, as fake-news científicas (hoax) podem ser extremamente perigosas, e são utilizadas para disseminar ideologias. O macaco-de-Loys foi uma justificativa ""científica"" para justificar o neoimperialismo e, até mesmo, a perseguição e o extermínio de outros povos
As falsas sobre vacinas são hoaxes modernas que estão ocasionando a morte de milhares de pessoas, exclusivamente com o objetivo de disseminar ideologias. A psedociência é extremamente perigosa e pode ter consequências inimagináveis no futuro
Essa história é apenas um lembrete de como devemos SEMPRE nos atentar à ciência verdadeira, que utiliza métodos científicos, além de ressaltar o triste passado colonialista e racista de parte da ciência que, sendo honesto, perdura até hoje em relação ao Sul do mundo
A Europa e a América do Norte seguem roubando a ciência do sul de forma totalmente antiética, com os mesmos argumentos, porém refinados. Eles não nos roubam porque somos inferiores, agora eles roubam porque nossa ciência é vista como inferior (né Alemanha? #ubirajarabelongstoBR )
Precisamos continuar lutando contra o racismo e colonialismo científico (que acontece até mesmo entre estados aqui do Brasil) e batalhando por cada vez mais justiça científica. Um povo só tem total soberania se pode controlar sua ciência e sua história
Apoiem nossa ciência, apoiem nossos cientistas e apoiem iniciativas como a @PalaeoVsRacism e a luta de pessoas como a @alinemghilardi para devolverem o que nos pertence.
Espero que tenham gostado de conhecer um pouco mais sobre fake news científicas e me sigam nas minhas outras redes linktr.ee/pedrohenriquet…

N ganho nada com divulgação científica e estou desempregado, então quem puder ajudar com um PIX de qualquer valor: pedrotunes00@gmail.com
Venha conhecer o maior macaco (real) que já viveu nas Américas e foi extinto só há 10 mil anos
Se quiserem se aprofundar no assunto, recomendo o vídeo de @Trey_Explainer
Inclusive, um ponto interessante a se ressaltar. Essa teoria de que diferentes "raças" tenham surgido de diferentes ancestrais é conhecida como "hologenesis hypothesis" ou "Polygenism". Segundo a teoria, os brancos (arianos, ancestrais dos europeus) surgiram de homens ancestrais+
como o Homo erectus, enquanto os povos asiáticos surgiram de orangotangos e pretos surgiram de chimpanzés. Xingar alguém de "macaco" não só é algo extremamente racista mas vem exatamente de uma ideologia nazista. Mesmo assim é tratado como "injuria racial" pela nossa legislação

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Jul 27
Resposta curta: Não existia ovelha assim antes do ser humano

Resposta longa: A maioria dos animais domésticos são extremamente diferentes dos seus ancestrais selvagens. Venha conhecer nesse fio um pouco da história desses animais produtores de lã!

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Como já contei aqui anteriormente, a domesticação é um processo lento no qual selecionamos características específicas que nos beneficiam através da seleção artificial, com diferenças marcantes (genéticas e morfológicas) entre os indivíduos naturais e domesticados
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No caso dos animais, a maioria deles foi domesticado com funções específicas mas, ao longo do tempo, raças específicas foram sendo criadas para desempenhar diferentes funções.
Falei sobre os diferentes papeis das raças de cães aqui
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May 23
O Amarelo Indiano era um pigmento utilizado em tintas durante o século XIX. Feito exclusivamente na Índia, ele era supostamente produzido a partir da urina de vacas alimentadas exclusivamente com manga, que faziam uma urina extremamente concentrada devido a uma sobrecarga renal

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Ao longo da história, vários pigmentos e tintas caíram em desuso. Alguns se tornaram muito caros e outros foram proibidos, seja por sua toxicidade ou por questões éticas. O pigmento mummy brown, por exemplo, era feito originalmente a partir de múmias moídas
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Pigmentos de lapis lazuli foram usados em muitos momentos da história, sobretudo no Egito Antigo. 100 gramas do pigmento hoje pode custar até 13.000 reais

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Apr 17
Muito em breve o ser humano será capaz de se comunicar de forma clara com organismos inteligentes. Mas, em vez de olhar para as estrelas, estamos procurando nos mares.
Descubra a ciência por trás da comunicação com baleias e como, pela primeira vez, conseguimos falar com elas! Image
Obs: Embora no português o termo baleia mais comumente se refira ao cetáceos mysticeti, baleia é um nome pular, as vezes também usado para se referir a golfinhos e cachalotes. Cientificamente, esse outro grupo é chamado de odontoceti, que significa literalmente "baleias com dentes"

Primeiramente, é importante entender que nossa relação com as baleias nem sempre foi boa. Durante séculos, esses animais foram caçados para atender às demandas da indústria baleeira, o que quase levou algumas espécies à extinção. Pintura holandesa representando a caça de baleias-da-Groenlândia – Século XVIII, Autor Desconhecido
Read 43 tweets
Apr 7
Me perguntaram o que eu acho sobre essa treta de pit bulls e como ja falei aqui sobre origem de outras raças de cães resolvi fazer um mini fio 👇🏻 Image
Pit bull é o nome genérico para muitas raças que surgiram a partir de misturas de cães do tipo bull e do tipo terrier. O mais comum é o American (Pit) Bull Terrier, que surgiu nos EUA em 1898 (surgiu no sentido de ser reconhecido como uma raça) e sua história é bem triste
Resumidamente, eles surgiram a partir de cães criados para os chamados “bloodsports”, esportes em que animais eram colocados para duelar e muitas vezes matar uns aos outros. No caso dos cães pit bull, foram selecionados principalmente para um esporte chamado “bull baiting”
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Feb 23
Você já deve ter ouvido falar que o panda "não é adaptado para comer plantas" e "tem preguiça até de se reproduzir". Mas você sabia que a culpa disso é, em parte, do ser humano?
Venha conhecer a origem do urso mais estranho do planeta nessa Thread!
O panda-gigante (Ailuropoda melanoleuca) pertence a uma linhagem de ursos que se separou dos outros há cerca de 20 milhões de anos. Nesse tempo, seu grupo acumulou diferenças significativas que fizeram com que o panda fosse diferente de todos os outros ursos que conhecemos Classificação evolutiva da família Ursidae. O panda pertence à uma Subfamília própria, denominada Ailuropodinae, que se divergiu de todos os outros ursos há mais de 20 milhões de anos. Imagem: Addison Wesley Longman (1999)
Fósseis descobertos na Espanha, em 2011, sugerem que um dos primeiros ancestrais conhecidos da linhagem, Kretzoiarctos beatrix, já possuía diversas adaptações para uma dieta com muitos vegetais devido a molares complexos. Comparação de tamanho entre o panda-gigante moderno (Ailuropoda melanoleuca) e o primeiro panda conhecido, Kretzoiarctos beatrix. Imagem: Roman Uchytel
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Jan 5
Já pararam pra pensar por que temos diferenças morfológicas e tamanhos tão diferentes entre raças de cachorros mas o mesmo não ocorre com gatos?

Existe uma explicação muito simples:

Raças de gato existem por beleza, raças de cachorro existem por utilidade

Vem entender Image
Já expliquei um pouco o processo de domesticação em outra thread mas, basicamente, esse processo consiste na seleção de características de interesse ao longo de dezenas ou centenas de anos
Um porco, por exemplo, é muito diferente de seu ancestral selvagem porque, ao longo do tempo, permitimos o cruzamento apenas de javalis dóceis, com menos pelo, com dentes menores e de crescimento acelerado
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