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Jan 24, 2022 22 tweets 8 min read Read on X
Um canal de irrigação com águas desviadas do Rio São Francisco cruza a mata seca da caatinga no semiárido nordestino. Iniciada em 2007, durante o segundo mandato de Lula, a Transposição do Rio São Francisco é uma das maiores obras de segurança hídrica da história.

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A obra prevê o desvio de 1,4% da vazão do Rio São Francisco em direção às bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional. São 700 km de canais divididos em dois grandes eixos, abastecendo reservatórios, aquedutos e perenizando o fluxo de rios intermitentes da região.

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Quando concluída, a obra garantirá abastecimento de água para 12 milhões de pessoas em 390 cidades de PE, CE, RN e PB. O Nordeste concentra 18% do território e 30% da população do país, mas tem apenas 3% dos recursos hídricos nacionais - estando 2/3 no Rio São Francisco.

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Há poucos rios perenes na região, onde predomina o clima semiárido, com temperaturas altas e baixa precipitação pluviométrica. Potencializadas pela exclusão social, as secas do Nordeste já ceifaram milhões de vidas desde a Era Colonial.

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Os primeiros projetos de transposição do S. Francisco remontam ao reinado de Dom Pedro II. Em 1844, o Nordeste foi atingindo por uma grave estiagem, motivando o intendente Marcos Antônio de Macedo a idealizar um canal ligando o Rio São Francisco ao Rio Jaguaribe.

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O projeto foi abandonado por falta de recursos, mas foi retomado trinta anos depois, durante a grande seca de 1877-1879, que matou mais de 500 mil nordestinos, incluindo 10% da população do Ceará.

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Os estudos de viabilidade conduzidos por Guilherme Schüch, entretanto, apontaram que seria impossível fazer com que as águas do rio transpusessem a Chapada do Araripe. Pedro II financiou então a construção de açudes e barragens na região.

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Após uma sequência de longas estiagens nas décadas de 30 e 40, Getúlio Vargas retomou as discussões sobre a transposição, mas abandonou o projeto em função dos custos elevados.

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Um novo projeto seria elaborado por Mario Andreazza, ministro da ditadura militar, em resposta à seca de 1979-1984. Considerada a mais grave estiagem do século XX, a seca causou a morte de 3,5 milhões de nordestinos, a grande maioria crianças. O projeto não saiu do papel.

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Após a redemocratização, foram realizados estudos sobre aproveitamento do potencial hídrico das bacias das regiões semiáridas nos governos de Itamar Franco e FHC, mas a Transposição do Rio São Francisco somente começou a sair do papel após a eleição de Lula.

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Lula encomendou a confecção de um novo projeto e estudos ambientais para fins de licenciamento da obra pelo IBAMA. Em 2007, o projeto recebeu o aval do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Teve início então a construção dos canais, orçada em 8,2 bilhões de reais.

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As obras da transposição sofreram sucessivos atrasos em função de uma série de contratempos. O projeto enfrentou a oposição do Banco Mundial, que alegou preocupação com o impacto ambiental e com viabilidade econômica para negar o financiamento da obra.

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ONGs internacionais e brasileiras criticaram duramente o projeto, alegando existência de alto risco de deterioração dos biomas ao longo do Rio São Francisco. Greenpeace e WWF organizaram protestos e lançaram campanhas para engajar a população na luta contra a obra.

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ONGs brasileiras também articularam a viagem de uma delegação de indígenas à Europa para "denunciar as violências" que estariam sendo cometidas no âmbito das obras da transposição e a "invasão" dos territórios Truká e Pipipã para construir os canais.

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Além das ONGs e das instituições sob a esfera de influência de Washington, a transposição enfrentou ampla resistência de parte da esquerda brasileira. O PSOL chegou a protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF para tentar barrar a obra.

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O PSTU lançou uma campanha contra a transposição, afirmando representar o interesse dos povos indígenas, comparando o governo petista com a ditadura militar e vaticinando que "é muito mais eficiente buscar conviver com o semiárido do que confrontá-lo".

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Ivan Pinheiro, candidato à presidência pelo PCB, declarou que encerraria imediatamente as obras da transposição caso chegasse à presidência, junto com todos os projetos tocados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

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Acadêmicos, artistas e intelectuais também manifestaram oposição ao projeto. Em Minas Gerais, estudantes da UFMG e colaboradores do Projeto Manuelzão organizaram manifestações contra as obras.

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Enquanto a classe média progressista do Centro-Sul se mobilizava para barrar a transposição, os nordestinos realizavam manifestações de apoio à obra.

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Registrou-se igualmente forte ativismo dos procuradores, que abriram dezenas de ações contra a obra - 14 das quais ainda em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Por fim, os cortes orçamentários e a crise fiscal de 2014 levaram à diminuição do ritmo da construção.

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O conluio entre judiciário, imprensa, ONGs e instituições internacionais para barrar a transposição pode ser compreendido como mais um exemplo de instrumentalização de pautas ambientais para barrar projetos de desenvolvimento em países periféricos.

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Apesar dos obstáculos, Dilma inaugurou o primeiro trecho da obra em agosto de 2015. Após o golpe parlamentar de 2016, os recursos para a conclusão da obra sofreram cortes ainda mais aprofundados. A previsão atual é de que a obra seja concluída no fim de 2022.

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Dec 4
Há 66 anos, o general Lott esmagava a Revolta de Aragarças, levante golpista contra o governo de Juscelino Kubitschek. A revolta foi conduzida por militares que já tinham tentado um golpe 3 anos antes, mas receberam anistia. Leia no @operamundi

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Candidato à presidência pelo PSD na eleição de 1955, Juscelino Kubitschek (JK) se apresentou ao eleitorado como herdeiro político de Getúlio Vargas, prometendo trazer ao Brasil “50 anos de desenvolvimento em 5 anos de mandato”.

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Nov 13
O Ministério Público de Milão anunciou abertura de uma investigação formal contra cidadãos italianos suspeitos de terem participado de "safáris humanos" durante a Guerra da Bósnia. Os turistas europeus pagavam até R$ 600 mil para matar civis por diversão.

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O caso ocorreu durante o Cerco de Sarajevo, episódio dramático da Guerra da Bósnia, que se estendeu de 1992 a 1996. Considerado um dos mais violentos cercos militares do século 20, a ofensiva contra a capital bósnia deixou cerca de 12.000 mortos e 60.000 feridos.

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Conforme a denúncia, o serviço era ofertado pelo exército sérvio-bósnio, chefiado por Radovan Karadzic, preso desde 2008. O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia o condenou a 40 anos de prisão por genocídio e crimes contra a humanidade.

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Oct 21
Está avançando na Assembleia Legislativa de São Paulo o PL 49/2025, oriundo da base de apoio do governador Tarcísio de Freitas, que prevê a extinção da FURP — a Fundação para o Remédio Popular, laboratório público que que produz medicamentos de baixo custo para o SUS.

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O governo Tarcísio alega que os resultados financeiros negativos da fundação justificariam o seu fim. O projeto de lei prevê a autorização para vender os edifícios, terrenos e ativos da FURP nas cidades de Guarulhos e Américo Brasiliense.

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As instalações da FURP — sobretudo a unidade de Guarulhos — são há muito tempo cobiçadas pelo mercado imobiliário. O terreno de Guarulhos tem 192.000 m² e está estrategicamente localizado próximo à Via Dutra e à futura estação do Metrô.

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Oct 13
Há 2 anos, a Palestina perdia uma de suas maiores artistas. A pintora Heba Zagout foi assassinada por um bombardeio aéreo israelense que destruiu sua casa em Gaza. 2 de seus 4 filhos pequenos também foram mortos no ataque. Leia mais no @operamundi

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operamundi.uol.com.br/pensar-a-histo…
Heba Zagout nasceu em 14/02/1984 no campo de refugiados de Al-Bureij, na Faixa de Gaza. Ela descendia de uma milhares de famílias expulsas de suas terras durante a “Nakba” — a operação de limpeza étnica conduzida pelas milícias sionistas após a criação do Estado de Israel.

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A família de Heba era proveniente da cidade palestina de Isdud — um povoado milenar, registrado nos textos bíblicos como uma das 5 cidades-estados da Filisteia. Conforme o próprio plano de partilha da ONU, Isdud deveria pertencer aos domínios do Estado Palestino.

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Oct 10
Há 20 anos, Lula lançava programa de renovação da frota de petroleiros. O PROMEF fomentou a recuperação da indústria naval do Brasil, que se tornou uma das maiores do mundo e superou a dos EUA — mas foi destruído pela Lava Jato. Leia no @operamundi

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A política de desenvolvimento da indústria naval teve início em 1956, com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek. O governo criou o Fundo de Marinha Mercante e investiu no parque naval como parte da política de industrialização e de substituição de importações.

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João Goulart ajudou a consolidar o projeto, visando diminuir as despesas com afretamento de embarcações estrangeiras. Os investimentos na indústria naval eram tão estratégicos que foram mantidos pelos militares após o golpe de 1964.

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Oct 9
Há 172 anos, nascia José do Patrocínio. Ele se consagrou como um dos grandes jornalistas do século 19 e foi um dos principais comandantes da luta contra o regime escravocrata, recebendo a alcunha de "Tigre da Abolição". Leia mais no @operamundi

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José do Patrocínio nasceu em 09/10/1853 em Campos dos Goytacazes. Era filho do vigário João Carlos Monteiro e de Justina do Espírito Santo, uma jovem escravizada. Seu pai, embora fosse padre, era conhecido pela vida desregrada, repleta de bebidas, jogos e aventuras sexuais.

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Era também um homem poderoso, proprietário de terras e deputado. Justina era uma das muitas pessoas escravizadas pelo padre. Foi entregue a ele como presente de uma fiel da paróquia.
O vigário não reconheceu Patrocínio como filho, mas permitiu que crescesse como liberto.

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