Sobre globalização, escrevi um texto pro site Jornal Folk:

Saci x Thor
Lucas nasceu no Rio de Janeiro e tem 15 anos. Aslan em Istambul, na Turquia. Ambos nasceram em 2005 e isso é o suficiente, nos tempos atuais, para se compartilhar muita cultura. Lucas e Aslan possuem diferenças geográficas exorbitantes, mas hoje em dia isso não é um problema.
Lucas e Aslan fazem vídeos no TikTok, Lucas e Aslan assistem os mesmos seriados na Netflix, Lucas e Aslan possuem perspectivas e opiniões sobre o mundo que são até bem parecidas. Lucas e Aslan poderiam facilmente se conhecer jogando Fortnite ou algum outro jogo online.
Se Lucas e Aslan tivesse nascido cem anos atrás, nada disso seria possível. A chance de duas crianças tão distantes serem tão parecidas é proporcional ao grau de desenvolvimento que a globalização estava no ano em que nasceram.
O fenômeno da globalização é recente, mas já molda a nossa realidade. Com a tecnologia, sobretudo a internet, sendo seu braço direito, a globalização consegue levar músicas, filmes, artistas, ou qualquer outra manifestação cultural de todos os cantos do mundo.
Isso possibilita que a mesma cultura que tenha moldado a personalidade e o caráter de Lucas, também tenha moldado a de Aslan.
Longe de fazer juízo de valor sobre ser ou não maléfico, podemos observar que a globalização eleva a cultura em destaque e, consequentemente, esmaga a cultura pouco destacada.
Manifestações culturais locais, como o velho folclore, contado pelos nossos parentes naquelas tardes chuvosas quando a luz acabava, é dia a dia esquecido e substituído por algum mito de algum deus nórdico que está entre os protagonistas de um filme de herói sucesso de bilheteria.
A cultura de países e de regiões de primeiro mundo esmaga, dia após dia, a cultura de países e de regiões de terceiro mundo.

Como o Brasil.
Não é difícil conhecer cada vez mais crianças que não conhecem personagens que foram tão marcantes para a infância dos adultos. A palavra Curupira é cada dia mais esquecida. Boitatá soa cacofônico.
As crianças de hoje em dia conhecem nomes de itens no Free Fire, mas não de personagens folclóricos criados no chão que elas estão pisando enquanto jogam no celular.
E não me entenda mal: isso não é necessariamente um problema. Claro que ver a cultura nativa sendo substituída por uma enlatada dos EUA, China, ou outra potência da última década, é desagradável, mas é importante lembrarmos que isso também é um processo natural.
Cultura não se impõe: se cativa.

As crianças não podem ser obrigadas a gostarem de coisas que nós adultos julgamos como mais importantes. O mundo que elas viverão será um mundo que não foi feito pra nós, pois estaremos velhos.
Assim como muitos velhos não entendem como passamos tanto tempo no celular, como assistimos séries e filmes, como nos preocupamos tanto em postar nos stories a foto do nosso sushi comendo sentados no tatame, também não entenderemos a cultura que as crianças irão predominar.
E está tudo bem.

O único perigo é perdermos o passado literalmente. Perdermos as histórias sobre o Saci que existiam na década de 80 no interior do Mato Grosso. Isso sim é um problema. E um grave.
Mas com a mesma tecnologia que esmaga essa cultura folclórica, podemos salvá-la e permitir que ela seja usada no futuro como um fato histórico que explica muito de um espaço-tempo específico. Anos 80. Mato Grosso.
Folclore precisa ser preservado, mas não imposto. Cultura não pode ser enfiada nas crianças como algo positivo, porque, na verdade, rola o efeito oposto.
Quantas crianças desenvolveram asco à leitura pois na escola tiveram que ler Iracema? Brás Cubas?
O folclore tem que estar em cima de uma mesa. A vista para todos. Quem quiser parar e conhecê-lo, ótimo. Quem não quiser e preferir seguir com suas séries estadunidenses com temáticas progressista e com comentários políticos sutis, pelo menos não vai odiá-lo.

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