"Devolve, Lula": como a grande imprensa validou um boato de internet para acusar Lula de roubar um crucifixo que era seu — e como a Operação Lava Jato tentou tirar proveito disso.
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Dentre os mais de 8.500 presentes pessoais que Lula ganhou durante seus mandatos, destaca-se um Cristo crucificado esculpido em madeira por um artista europeu do século XVI. O crucifixo pertencia ao bispo Mauro Morelli, de Duque de Caxias, que o pôs à venda em 2002.
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O crucifixo foi comprado por José Alberto de Camargo, conselheiro do Instituto da Cidadania e presidente da CBMM. Por sugestão de Frei Betto, Camargo presenteou Lula com a obra. O sacerdote convenceu Lula a instalar a peça em sua sala e posteriormente abençoou o gabinete.
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Em janeiro de 2011, após Lula deixar o palácio, o crucifixo foi retirado do gabinete junto com todos os seus pertences. Tão logo foram divulgadas imagens do gabinete sem o crucifixo, surgiram boatos de que Dilma teria ordenado sua remoção "por ser ateia".
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A Folha foi uma das responsáveis por fomentar os boatos, acusando Dilma de ter ordenado a remoção da peça. As acusações não cessaram mesmo após o desmentido. Blogueiros antipetistas passaram a divulgar que a peça seria do acervo do Planalto e teria sido roubada por Lula.
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Surgiu dessa forma a campanha "Devolve, Lula", que exigia que Lula devolvesse "o acervo roubado do Palácio do Planalto". Em fevereiro de 2011, a revista Época chegou a fazer uma matéria esclarecendo que a peça não pertencia ao acervo palaciano, mas sim ao ex-presidente.
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Os boatos, entretanto, persistiram, ancorados sobretudo em uma fotografia de Itamar Franco sentado na poltrona presidencial tendo o crucifixo atrás de si. Alegou-se, com base nessa imagem, que o crucifixo já estaria no Planalto desde o governo Itamar Franco nos anos 90.
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A fotografia é verdadeira, mas não foi tirada durante os anos noventa. O registro é de uma visita que Itamar fez ao Palácio do Planalto em 2006, já no fim do primeiro mandato de Lula. O boato já fora esclarecido na reportagem da Época de 2011.
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O fato do histórico da peça ser bem conhecido não impediu que a grande mídia recorresse ao boato para criminalizar Lula e incitar o antipetismo. O boato logo foi incorporado como mais uma justificativa para a guerra jurídica travada contra o PT pela Lava Jato.
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A Veja turbinou o boato: não apenas induziu o leitor ao erro recorrendo à fotografia anacrônica de Itamar como transformou a peça de um escultor anônimo europeu em um Aleijadinho. Um salto atributivo apto a valorizar enormemente a obra — e o tamanho do suposto roubo.
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Elevando o conceito de "cara de pau" a um novo patamar, a revista Época — a mesma que havia desmentido os boatos sobre o roubo do crucifixo em 2011 — publicou uma reportagem sensacionalista afirmando que o crucifixo havia "desaparecido de uma hora para outra" do gabinete.
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A busca pelo crucifixo "roubado" virou uma obsessão para a Polícia Federal e o procurador Deltan Dallagnol. Era a desculpa perfeita para prender Lula. Durante a operação Aletheia, policiais federais vasculharam o apartamento o ex-presidente em busca de "pistas".
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Encontraram documentos informando que o acervo pessoal de Lula estava guardado em um cofre no Banco do Brasil. É difícil compreender por que alguém tentaria ocultar um bem roubado depositando-o em um cofre regular do BB. Mas isso não parece ter incomodado a PF.
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Em março de 2016, em uma ação transformada em espetáculo pelos holofotes da grande mídia, a PF divulgou ter encontrado 23 caixas com os presentes de Lula no cofre do BB — incluindo o crucifixo. A mídia entrou em êxtase, apresentando a operação como prova do "crime".
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Empolgado, Reinaldo Azevedo se apressou em acusar Lula de "passar a mão" em um "crucifixo entalhado em madeira, datado do século XVI, que pertence ao estado brasileiro".
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O estardalhaço da mídia ultrapassou as fronteiras nacionais e virou notícia no mundo inteiro — o ex-presidente brasileiro "surrupiara" obras de arte e joias "do Planalto". Em Portugal, noticiou-se que Lula havia roubado um Aleijadinho.
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Ninguém ficou tão empolgado quanto Deltan Dallagnol. O procurador da Lava Jato ficou extasiado ao ser informado que a PF havia "achado" o crucifixo de "Aleijadinho". As mensagens publicadas pelo The Intercept confirmam que Deltan mal conseguia se conter.
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Prender Lula em flagrante por roubar um objeto tão simbólico quanto uma representação da crucificação de Cristo era a apoteose, o sonho molhado dos procuradores da Lava Jato para destruir Lula e o PT.
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A alegria durou pouco. Cinco dias após a descoberta do crucifixo, Deltan foi informado pelo procurador Januário Paludo que a Lava Jato havia caído em uma fake news de Whatsapp. O crucifixo era de Lula e a informação podia ser verificada com uma simples pesquisa no Google.
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Foi somente após essa informação que os procuradores da Lava Jato resolveram olhar a Lei 8.934, que trata sobre os bens de ex-presidentes da República, e descobriram que Lula não havia cometido nenhuma irregularidade.
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Malgrado a frustração da Lava Jato, o episódio serviu para atacar ainda mais a imagem pública de Lula e criminalizar o PT. Não houve desmentidos significativos na imprensa, ao passo que as matérias acusando Lula de roubar seu próprio patrimônio seguem circulando na rede.
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Jornalismo de qualidade exige mais do que recursos. E o Grupo Folha, que tem um faturamento anual de mais de 2,7 bilhões de reais, é prova disso. Em 5 de abril de 2009, a Folha de S. Paulo estampou em sua capa uma ficha policial falsa atribuída a Dilma Rousseff.
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Apresentado como autêntico, o documento forjado foi publicado na íntegra na página A10 do jornal, ilustrando uma matéria que implicava Dilma Rousseff em um suposto plano para sequestrar Delfim Netto, ministro da fazenda da ditadura militar.
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Segunda a Folha, a reportagem foi baseada em um depoimento de Antonio Roberto Espinosa, ex-comandante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) — grupo da esquerda radical que participou da luta armada contra a ditadura militar.
Uma ideia inovadora baseada no cooperativismo tem melhorado a vida dos motoristas de aplicativo de Araraquara, no interior de São Paulo. Um aplicativo idealizado pelo prefeito Edinho Silva, do PT, garante o repasse de até 95% do valor da corrida aos motoristas.
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Intitulado "Bibi Mob", o aplicativo é resultado de uma parceria entre a prefeitura e a Cooperativa de Transporte de Araraquara (Coomappa). O serviço está disponível em Araraquara e cidades vizinhas como Américo Brasiliense, Santa Lúcia e Rincão.
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O diferencial do app é que ele não é administrado por uma empresa, mas sim por uma cooperativa de trabalho, onde os próprios motoristas são os sócios. O app, portanto, não visa o lucro. O aplicativo fica com apenas 5% do valor da viagem para cobrir os custos operacionais.
Em outubro de 2011, Orlando Silva, Ministro do Esporte dos governos petistas, pediu demissão do cargo, capitulando diante da pressão da mídia, que há anos exigia sua cabeça. Ele havia sido acusado de gastar R$ 8,30 no cartão corporativo para comprar uma tapioca.
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Filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Orlando Silva é baiano, mas fez carreira política em SP, onde foi eleito deputado. Foi o primeiro negro a assumir a presidência da UNE e organizou a luta estudantil contra o sucateamento das universidades no governo FHC.
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Em 2006, aceitou o convite de Lula para assumir o Ministério do Esporte. Durante sua gestão, Orlando Silva realizou mais de 6.000 obras de infraestrutura esportiva e coordenou a realização dos Jogos Pan-Americanos e Parapan-Americanos de 2007.
Os apreciadores de arte moderna certamente se surpreenderam com a matéria ilustrada na capa da Folha de S. Paulo em 7 de março de 2004. O jornal assegurava que uma obra do mestre espanhol Pablo Picasso teria sido descoberto por acaso em uma repartição do INSS em Brasília.
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Ilustrando a matéria de capa, uma foto com ângulo cuidadosamente selecionado para abranger o retrato oficial do presidente Lula no segundo plano. O ex-metalúrgico havia acabado de completar um ano e dois meses no cargo.
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Sob a chamada "Decoração burocrata", a matéria deixava clara a intenção de ressaltar o amadorismo, a ignorância, a falta de cultura do novo governo, suficientemente obtuso para deixar uma obra que valeria milhões de dólares largada em uma repartição pública qualquer.
O momento mais propício para uma revolução popular no Brasil ocorreu em agosto de 1954, logo após o suicídio de Getúlio Vargas. A notícia da morte de Getúlio desencadeou uma verdadeira onda de fúria popular que se espalhou por todo o Brasil.
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Os trabalhadores saíram às ruas aos gritos de "mataram Getúlio", buscando vingança contra as forças oposicionistas a quem atribuíam a responsabilidade pelo ocorrido. Incendiaram os carros dos jornais O Globo e Tribuna da Imprensa e depredaram as sedes dos jornais.
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Populares depredaram as sedes de empresas estadunidenses como a Standard Oil. Caçado pelas ruas do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda quase foi linchado e teve de se esconder na embaixada dos Estados Unidos. O povo então invadiu a embaixada. Lacerda fugiu de helicóptero.
Vou deixar afixada essa sequência contendo as ligações para todas as threads que nós já postamos no Twitter:
Cansei! Socialites, empresários, políticos de direita e celebridades se unem pra manifestar sua indignação com o "grande problema" do governo Lula: pobre frequentando aeroporto.
O Mais Médicos e a Revolta dos Jalecos — como médicos brasileiros se uniram pra impedir que os colegas cubanos ocupassem as vagas que eles mesmo rejeitavam.