Thread by @AnarcoFino

Muita gente imagina que a naturalização de símbolos de regimes opressores é o começo do fim dos "valores fundamentais de uma democracia", eu diria que é antes de tudo um sintoma avançado de sua derrocada. Falo daquilo que tenho propriedade: a normalização da Ditadura Militar.

Por conta do meu trabalho na CNV eu passei a acompanhar grupos de intervencionistas e a forma como a internet era utilizada para propagar a mensagem destes grupos e assim conter os avanços da própria CNV diante da opinião pública.

Ao contrário do que muita gente imagina, estes grupos não se dedicavam apenas a defender a reputação de torturadores, mas defendiam a a "honra" do regime em todos os seus segmentos. Inclusive, admitindo a existência de tortura.

Trata-se do famoso mito de que a Ditadura Militar "torturou mas desenvolveu o país" repetido até por algumas figuras proeminentes da esquerda brasileira. Inclusive, sempre bom lembrar que até ontem o próprio Delfim Neto escrevia para uma revista (supostamente) de esquerda.

Normalizar o Delfim Neto, suas opiniões sobre economia, etc..., fazia parte de um amplo ecossistema. A ditadura não seria mais vista como um regime de exceção - e portanto passivo de ser julgado pela justiça de transição -, seria apenas um período político.

Nessa versão, as graves violações de direitos humanos era reduzidas a "excessos individuais", "casos isolados", etc... Já vi diversos militares (oficiais) adotando esta teoria para defender a honra de suas instituições.

Se diziam julgados e condenados pelos atos de uma minoria. Eu mesmo já fui questionado por um destes que me perguntou abertamente a quantidade de torturadores nas FFAA e a proporção com o restante das forças.

Não por coincidência é o mesmo discurso que ouvimos diariamente quando nos deparamos com mais um caso de violência policial. A teoria da "banda podre". Essa teoria é fundamental para normalizar a máquina: nesse exemplo, de que é possível a existência de uma "PM humanizada".

O mesmo acontece com a ditadura: esse discurso de que ela torturou mas desenvolveu o país alimenta a ideia de é possível a existência de um regime ditatorial comandado pelos militares onde só exista a "parte boa".

Sempre bom lembrar que a Ditadura Militar devolveu o país em frangalhos, tanto na parte econômica quanto na parte social. Que o plano original era de que só tivéssemos uma democracia nos anos 90, mas eles não tiveram força política para se segurar no poder.

Mas vejamos, esse mito foi alimentado por anos, os grupos intervencionistas divulgavam muito material sobre como a ditadura beneficiou supostamente desenvolveu o país, grandes obras como Itaipu tinham um papel crucial nessa estratégia.

Criavam assim um passado glorioso, moral e econômico. Um passado glorioso que estava sendo destruído pelas esquerdas. Estamos falando aqui do começo do auge da Lava Jato e da crise econômica enfrentada pelo segundo governo Dilma.

Nomes que até outro dia eram colocados de lado pelos próprios intervencionistas, como o próprio Figueiredo (visto como um incompetente que destruiu o regime) e o Ustra passaram a ser defendidos como os últimos bastiões desse passado glorioso.

Nesse cenário, a defesa de Ustra feita por Jair Bolsonaro durante a votação do impeachment, seu efeito, era o sintoma de algo pior. De que ele, outrora um símbolo maldito do regime, isolado enquanto um elemento que deveria ser (momentaneamente) esquecido, já poderia ser assumido.

Por isso a gente tem que ficar muito atento a esse tipo de coisa. As pessoas não precisam usar uma suástica no peito para estarem defendendo os mesmos valores do nazismo, por exemplo.

Essa thread complementa bem o que eu estou dizendo

https://twitter.com/tavosmm/status/1491141823196438528

Aqui temos um outro exemplo disso: quem precisa defender abertamente tribunais de exceção de regimes ditatoriais quando se tem a mídia defendendo que medidas que fortalecem o devido processo legal são "negativas" pois "favorecem" políticos?

https://twitter.com/gabriellamvt/status/1499419812208025601?t=MvDj7FbJduoclxo8ymZryQ&s=19