O que está rolando sobre monkeypox no Brasil que você deveria saber (e provavelmente ainda não sabe).
Um guia de redução de danos e conscientização.
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1 - A monkeypox (varíola símia) chegou, os casos no Brasil têm aumentado rápido e também tem se concentrado em homens que fazem sexo com homens (HSH). Mas todos nós estamos vulneráveis já que apesar de ser transmitida facilmente durante o
sexo, a monkeypox NÃO é considerada uma infecção sexualmente transmissível.
Qualquer contato de pele com pele e até gotículas (tosse, beijo, cuspe) pode transmitir. Dividir cama e roupa íntima também.

Olhem a escalada dos casos no Brasil enquanto o M. da Saúde não faz nada. Image
2 - A concentração de casos entre homens gays e bissexuais se deve ao fato do próprio surto ter começado entre HSH na Europa, provavelmente em eventos e lugares destinados à população LGBT. Como viajamos sempre juntos e fazemos tudo juntos, o vírus achou um caminho
fácil para se disseminar entre nós. E é por isso que países como Reino Unido e Estados Unidos decidiram vacinar HSH que tenham tido múltiplos parceiros ou parceiros desconhecidos nos últimos 14 dias.
3- No Brasil não há nenhuma vacina disponível, nem para comprar e nem para tomar no SUS. Nem rezando, nem chorando. E isso me preocupa muito. O que especula-se é que quem tomou vacina contra varíola no passado, possa ter ‘alguma’ proteção contra a monkeypox, mas é projeção.
As vacinas disponíveis no mundo são vacinas desenvolvidas contra a varíola mas que também apresentam proteção contra a monkeypox. Já falei delas em outro post. Nenhuma ainda tem o registro da Anvisa para se ter uma ideia.
Vacinas MVA (cepa de Ankara): contém uma cepa enfraquecida do vírus. Na Europa é chamada de Imvanex, Imvamune no Canadá e Jynneos nos Estados Unidos.
São as vacinas atualmente licenciadas pelas autoridades para combater a monkeypox (85% de proteção).
São vacinas feitas por vírus recombinantes e enfraquecidos e portanto mais seguras. Embora tenham sido desenvolvidas incialmente para combater a varíola, um estudo mostrou a segurança também na prevenção da monkeypox. São duas doses.
ACAM2000 (Dryvax): vacina estadunidense também direcionada contra varíola, mas é mais antiga e pode ter efeitos colaterais sérios, como miocardite e pericardite (inflamação no coração).
Também foi aprovada pelo CDC, em dose única.
Vacinas contra varíola originais (vírus vaccinia replicante): embora muitos países ainda as tenham no estoque (não se sabe quanto) não são vacinas seguras, pois podem causar infecções graves e até a própria varíola em pacientes imunodeprimidos.
4 - O quadro clínico apresentado pelos pacientes tem sido um pouco diferente. Sempre falou-se de um pródromo (período de febre, dor de garganta, dor no corpo, aumento de gânglios), mas no momento atual isso não tem sido comum e muita gente tem apresentado apenas as
lesões de pele (que podem parecer com espinhas, bolhas, úlceras de catapora).
As lesões podem ser poucas, inclusive ÚNICAS, inclusive concentrando na região apenas genital, o que facilita a transmissão no sexo principalmente quando estão começando.
5 - Camisinhas podem não prevenir totalmente a transmissão da monkeypox, mas podem diminuir a gravidade das lesões, principalmente as lesões genitais que podem ser bastante dolorosas.
Alguns pesquisadores acreditam que o USO DE PRESERVATIVO seja importante sim na
prevenção da monkeypox, pois diminui a exposição de áreas como pênis, cavidade vaginal e ânus/reto, diminuindo a gravidade das lesões. Há casos de pacientes com lesões muito concentradas no reto (proctite) o que mostra que a via de inoculação (sexo anal) pode ter
sido importante sim.
Portanto, se puder usar camisinha, use.
Fonte: cdc.gov/poxvirus/monke…

6 - Como uma pessoa pode diminuir a chance de pegar monkeypox em lugares como saunas, festas, clubes e festivais?
Considere o quanto de contato próximo, principalmente pele com pele, provavelmente ocorrerá no evento que você planeja participar.

Se você se sentir doente ou tiver uma lesão de pele suspeita, cancele, marque uma consulta e fique em casa.
● Festivais e eventos onde os participantes estão totalmente vestidos e com pouca probabilidade de contato pele com pele são mais seguros. No entanto, os participantes devem estar atentos às atividades (como beijos) que podem espalhar monkeypox.
● Espaços fechados, como darkrooms, saunas, clubes de sexo ou festas de sexo públicas e privadas, onde ocorre contato sexual íntimo, muitas vezes anônimo, com vários parceiros, podem ter maior probabilidade de espalhar a monkeypox. Se puder evitar por enquanto esses
espaços, seria melhor.

7 - Como uma pessoa pode diminuir seu risco durante o sexo?

Converse com seu parceiro sobre qualquer doença recente e observe de lesões cutâneas novas ​​em seu corpo ou no corpo de seu parceiro, incluindo os genitais e o ânus.
Se você ou um parceiro está com monkeypox a melhor maneira de proteger a si e aos outros é evitar sexo de qualquer tipo (oral, anal, vaginal) e não beijar ou tocar o corpo um do outro enquanto estiver doente.
Não compartilhe coisas como toalhas, equipamentos de fetiche, brinquedos sexuais e escovas de dentes.

Algumas medidas orientadas pelo CDC para redução de danos (pode parecer ridículo, mas é o que dá para fazer):
● Faça sexo virtual sem contato pessoal.
● Masturbe-se juntos a uma distância de pelo menos 1,80 m, sem tocar um no outro e sem tocar em nenhuma lesão de pele.

● Considere fazer sexo com suas roupas ou cobrindo áreas onde as erupções cutâneas estão
presentes, reduzindo o máximo possível o contato pele a pele.
Se as lesões estiverem confinadas aos genitais ou ânus, os preservativos podem ajudar; no entanto, os preservativos sozinhos provavelmente não são suficientes para prevenir mas podem diminuir a gravidade dos casos.
● Evite beijar.
● Lembre-se de lavar as mãos, fetiches, brinquedos sexuais e qualquer tecido (roupa de cama, toalhas, roupas) depois de fazer sexo.
● Ter parceiros sexuais múltiplos ou anônimos pode aumentar suas chances de exposição à monkeypox.
Limitar o número de parceiros sexuais pode reduzir a possibilidade de exposição. Por exemplo, já li ativista sugerir um grupo de parceiros fixos e transar somente entre eles. Evitar parceiros que tiveram contato fora do grupo nos últimos 21 dias.
● Evite tocar na lesão . Tocar na lesão pode espalhá-la para outras partes do corpo e pode atrasar a cicatrização.

8 - Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico tem sido feito a partir da coleta de PCR (reação de cadeia da polimerase) através
de raspado das lesões e líquidos presentes nas bolhas.
É feita já pelo SUS e via laboratórios particulares tb . São Paulo tem feito via HC e Emilio Ribas.
Todo caso suspeito deve ser notificado. redcap.saude.gov.br/surveys/?s=YC4…
9 - Como é feito o tratamento?
Sintomático.
Sempre consulte um médico.
Tomar dipirona ou paracetamol 6/6h, tomar muito líquido e evitar exposição ao sol.
Se a pessoa tem muitas lesões (> 100), lesões muito dolorosas, proctite, pode ser internados para controle da dor.
Ou então casos graves como sepse e infecção respiratória.

10 - Como cuido das feridas?

Lesões orais: higiene oral com água limpa- salgada 4 x ao dia
Antiisséptico oral ( enxaguatório bucal com clorexidina) ou anestésico local ( lidocaína )
Lesões genitais ou anorretais:  banhos de assento mornos ( água e bicarbonato de sódio ou sal de epsom (sulfato de magnésio) e/ou lidocaína tópica
 
Lesões dolorosas, até  resultado final do exame (se houver suspeita de catapora ou herpes genital)
•Valaciclovir
•Aciclovir
TRATAMENTO das lesões de pele
•Não coçar a pele. Antialérgico para coceira.
•Manter as lesões de pele limpas e secas para prevenir infecção bacteriana:  lesões DEVEM ser limpas suavemente com água estéril ou solução anti-séptica,
não deve ser coberta, mas deixada ao ar livre para secar.

Se houver infecção bacteriana, iniciar antibiótico.

Não existe tratamento específico disponível mas há algumas drogas em estudo.
Minha mensagem é: alertem seus pares, evitem situações de risco muito alto (festas de sexo, clubes, múltiplos parceiros, pelo menos por enquanto), procurem atendimento médico se tiver sintomas e pressionem as autoridades para que consigamos vacinas logo.
E vale repetir sempre: monkeypox não é problema só de gays. O vírus apenas encontrou entre nós um ambiente fácil de se propagar. E se não fizermos nada, a situação só vai piorar. Pra todos.
Ajamos agora, com conscientização, empatia e reduzindo riscos.

Vinicius Borges
Médico infectologista
Cremesp 202.114
RQE 76.676

#doutormaravilha

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