O senador eleito e membro da equipe de transição @FlavioDino deu uma entrevista para o @PrazeresLeandro da @BBCBrasil e externou uma posição tímida e confusa sobre o tema da descriminalização de drogas para uso pessoal.

Siga aqui o #cordel que eu explico as razões. 👇🏾
A entrevista com Dino, que está cotado para assumir o Ministério da Justiça (uma das pastas que está ligada à política de drogas), pode ser encontrada aqui. Ela lida com outros temas de Justiça e Segurança, além das drogas.
bbc.com/portuguese/bra…
O texto que antecede a entrevista traz o tema da drogas pelo viés da legalização da maconha, proposta pela @Anitta a @LulaOficial, e a reação conservadora - e já esperada - então externada por Bolsonaro. Mas a entrevista de Dino não foca só em legalização.
poder360.com.br/eleicoes/anitt…
A legalização significa trazer para a esfera da legalidade toda a cadeia produtiva de uma droga. É o caso da maconha no Uruguai, Canadá e estados dos EUA. Descriminalização de drogas significa tirar da esfera criminal o porte delas para uso pessoal - a conduta do usuário.
Não ficou claro para mim na entrevista – e aí @PrazeresLeandro poderia nos ajudar a entender – se o senador eleito *sabe* da diferença entre legalização e descriminalização e do que está falando. Ora parece que sim, e que joga com a dubiedade do termo, ora parece que não sabe.
Foram três perguntas sobre o tema. Na primeira, a @BBCBrasil aponta que especialistas afirmam que a Lei de Drogas de 2006 (sancionada por Lula) foi responsável pelo aumento do encarceramento de jovens negros acusados de tráfico de drogas. Dino nega que a Lei tenha causado isso.
Para ele, foi a "maior eficiência dos sistemas policiais estaduais", relativo a "todos os crimes" que levou a esse maior encarceramento. A resposta de Dino pode está, infelizmente, equivocada. Veja no tuíte a seguir os dados que indicam a desproporcionalidade.
Uma matéria de 2017 do @G1 indica que o percentual de encarcerados por crimes ligados a drogas em 2005 era menos de um décimo, e em 2017 já configurava cerca de um terço dos presos. Se Dino estivesse certo, o percentual teria que ter se mantido igual.
g1.globo.com/politica/notic…
Pode até ser difícil cravar que a Lei de 2006 causou o crescimento do encarceramento por crimes de drogas, mas podemos dizer que o argumento de Dino é falho e que, no mínimo, ela não conseguiu reduzir que usuários pobres e negros fossem presos e envolvidos com facções criminosas.
Vale mencionar que apesar de ser crime, a conduta do porte para uso pessoal não leva a pena de prisão, em teoria. Na prática, um usuário preso temporariamente por suspeita de tráfico e que espera meses até ser julgado inocente, é alguém ficou encarcerado injustamente por tráfico.
Assim, independente da criminalização da conduta do usuário, a fala de Dino é positiva quando sugere que critérios efetivos para distinguir traficantes de usuários são necessitados urgentemente, como pede também este recente artigo de opinião na @Folha. www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/1…
Porém, na segunda pergunta, Dino é inquirido sobre a ação que está em tramitação há anos no @STF_oficial. Ela pode decidir que a criminalização do porte de drogas para uso pessoal (portanto, a conduta do *usuário* e não do *traficante*) é inconstitucional. E isso seria bom.
Explico isso bem direitinho neste outro cordel. Descriminalizar o uso de drogas (na verdade é o porte para o uso, mas estou simplificando para economizar caracteres) não causa impactos negativos e pode trazer efeitos positivos para a saúde pública.
É por isso que descriminalizar só o uso da maconha, como já votaram os ministros Edson Fachin e @LRobertoBarroso, é muito pouco. Se for para descriminalizar uma única droga, deveria ser aquela associada à maior vulnerabilidade, como explico aqui: o crack.
noticias.uol.com.br/cotidiano/ulti…
Então Dino responde que é "contra as drogas", resposta que marca a tolice do nosso tempo. Ninguém precisa ser "a favor" das drogas para apoiar a descriminalização, mas dois anos de conservadorismo e mais quatro de extrema direita destruíram o debate inteligente sobre este tema.
E acrescenta: "Não temos hoje condições sociais e institucionais para descriminalizar drogas e [...] isso não vai ocorrer nos próximos anos". No entanto, a sociedade simplesmente nem sequer entende o que quer dizer descriminalizar, achando que equivaleria a um 'liberou geral'.
A falta de 'condições sociais e institucionais' foi exacerbada pelo discurso ensandecido do bolsonarismo. Precisamos desescalar a questão e trazer mais racionalidade para o tema, ao invés de simplesmente evitar o tema por ele ser 'minado'. O governo federal tem poderes para tal.
Quando, na terceira e última pergunta, Dino é inquirido sobre a conclamação do presidente da Colômbia, Gustavo Preto, a mudar as leis de drogas na América Latina, é nessa resposta que o político confunde de forma mais explícita os conceitos de legalização e descriminalização.
Começa falando, corretamente, que o problema não se resolve com o encarceramento do usuário, e depois diz que esse é uma temática para o STF decidir. Na sequência e muda para outro tema, a legalização da maconha no estados dos EUA, dizendo que é um "processo social".
Mas na frase seguinte ele já confunde tudo, dizendo com todas as letras que não vai haver descriminalização no Brasil. Entretanto é justamente sobre o que o STF decidirá, não o governo federal. Ademais, legalizar a maconha é um debate importante, mas *outra* discussão.
Vejam, eu entendo a natureza política das respostas de Flávio Dino. Ele não quer meter a mão nesse vespeiro, e isso é compreensível. Ainda assim, é necessário reconhecer o problema da criminalização do usuário de forma explícita, sem confundir os conceitos, especialmente agora.
Nós, eleitores de @LulaOficial, esperamos deste governo que ora faz a transição que as questões sejam postas nos termos corretos, sem o pânico moral que joga uma névoa sobre o tema das drogas e impede o debate racional e científico. Sei que o senador @FlavioDino é capaz de tal.
Mas para isso, temos que cobrar. A frente ampla que ganhou esta eleição tem muito o que fazer para recuperarmos o tempo perdido. Por favor, peço que o tema da descriminalização do uso – algo que já devíamos ter feito há muito tempo – seja tratado com o respeito merecido.

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Nov 12
A expressão 'primeira dama' cheira a naftalina, assim como o comentário da Cantanhêde. Como muitas mulheres porretas estão dizendo aqui na rede (compilei alguns tuítes nesse cordel), o lugar @JanjaLula é onde ela quiser e puder. Respeita a Janja!
Read 9 tweets
Oct 29
Você usa ayahuasca – também é chamada, entre vários nomes, de Hoasca e Daime – e não conseguiu ainda se decidir em quem votar? Se quiser, mas só se quiser, você pode ler esse #cordel.

Se você já decidiu votar no @LulaOficial e quer convencer amigos da ayahuasca, compartilhe.
A postagem é dedicada a quem bebe, toma ou consagra ayahuasca e ainda não decidiu em quem votar para presidente. Quem escreve para você é um ayahuasqueiro há 20 anos, e não apenas um professor universitário. Venho aprendendo sobre o chá pelos livros e pela prática.
Se você respeita a Floresta de onde vieram o cipó e a folha usados para fazer ayahuasca, deveria votar em Lula e não em Bolsonaro. Nenhuma presidência reduziu mais o desmatamento da Amazônia do que a de Lula.
Read 13 tweets
Sep 10
Dia 10 de setembro é a data para nos lembrarmos o quanto é importante a prevenção ao suicídio

Porém, compartilhar posts sobre isso uma vez por ano não resolve. Tentativas de suicídio não acontecem só em setembro.

Entenda nesse #cordel o que precisa ser feito e o Brasil não faz.
Antes de começar, se você tem tido pensamentos de que é melhor morrer ou terminar com sua vida, procure ajuda nos serviços de saúde.

Se o desespero estiver urgente e incontrolável, entre em contato com o @CVVoficial pelo site ou pelo telefone 188.

cvv.org.br
Bem, é importante sabermos que não há evidência científica de que campanhas de conscientização em um curto período de tempo sejam capazes de reduzir as taxas de suicídio. Embora muito bem intencionadas, há uma boa chance de que sejam ineficazes para além de trazer o tema à baila.
Read 13 tweets
Sep 9
Li esse texto da @RuthdeAquino hoje e o acho irretocável.

“Ah”, alguém irá pensar ao ler este tuíte, “esse aí já brochou e tá querendo pagar de homem sensível”.

Bom, é isso mesmo. Claro que eu já brochei, gente.

oglobo.globo.com/cultura/ruth-d…
Já brochei de inexperiência. Já brochei de tensão. Já senti tanto amor e desejo pela pessoa diante de mim, e, por isso, tinha que fazer minha pica ser tão sensacional e maravilhosa que a única resposta decente só podia ser uma bela brochada – aliás, essa é talvez a mais clássica.
Será que se os homens cis fizessem relatos de brochadas surgiria um movimento como algumas correntes de denúncia sobre assédio que se formaram nesta rede? Acho que não. Apesar de criticarmos Bolsonaro, morremos de medo de assumir publicamente a "falha" de nossa virilidade.
Read 7 tweets
Aug 10
A Associação Americana de Psiquiatria acaba de liberar duas decisões muito importantes no contexto de política de drogas. Vou comentá-las aqui neste cordel. Elas versão sobre política de drogas e o uso terapêutico de psicodélicos.
O primeiro documento se chama “Declaração de posição sobre o impacto do racismo estrutural no uso de substâncias e os transtornos de uso de substâncias”. Sua intenção e seu título não podem ser minimizados.

Ele pode ser encontrado na íntegra abaixo. psychiatry.org/getattachment/…
O texto reforça que em janeiro de 2021 a APA pediu desculpas por seu papel no apoio ao racismo estrutural e tenta retificar as injustiças cometidas do passado em nome do combate à dependência química. Vou reproduzir na sequência, traduzidos, um por um os pontos deste documento.
Read 24 tweets
Jul 21
Está no ar a nossa pesquisa que avalia o impacto de diversos hábitos e o impacto na evolução da COVID-19. Por favor, participe e divulgue!

A pesquisa é anônima, foi aprovada no comitê de ética o preenchimento demora cerca de 15-25 minutos.

Vai lá👉🏾bit.ly/unicampcovid Image
Entre os hábitos que estamos investigando, de forma preliminar, está o uso ritual da ayahuasca, já que a DMT parece ter efeito anti-inflamatório.

Portanto, se você teve covid e consagra ayahuasca / toma Daime / bebe Hoasca, por favor, participe!

Vai lá👉🏾bit.ly/unicampcovid Image
Estamos também investigando se o uso terapêutico de Cannabis, um complexo vegetal com efeitos anti-inflamatórios, pode impactar na covid-19.

Assim, se você faz uso de maconha medicinal (não importa a indicação) e teve covid, por favor, participe!

Vai lá👉🏾bit.ly/unicampcovid Image
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