Morreu o Boris Fausto. Li dele o "Brilho do Bronze", sobre o luto de sua mulher Cynira e "Vida, morte e outros detalhes", que surge com a morte de seu irmão Ruy Fausto na pandemia. São memórias sobre relações familiares, rivalidades do afeto, o envelhecimento e a finitude. #RIP
"18 de dezembro
UM DIÁRIO
Semanas atrás li o 'Diário de luto', de Roland Barthes, anotações quase diárias feitas por ele após a morte da mãe, com quem tinha uma estreita relação. A constatação do Édipo é tão óbvia que pode ser dispensada. +
A sua dor, sim, interessa e muito. Tantas afinidades... Em Casablanca, Barthes escreve: 'Vi as andorinhas voando na noite de verão. +
Digo a mim mesmo, pensando com aflição em mamãe: que barbárie não acreditar nas almas, na imortalidade das almas! que verdade imbecil é o materialismo!'"
- O Brilho do Bronze, BF
• • •
Missing some Tweet in this thread? You can try to
force a refresh
DETALHES
Amores e suores. Delícias de enredos a dois. Se fosse um filme, seria um clássico. Se fosse um livro, seria um best-seller. Se fosse uma música, uma do Roberto. Mas foram-se as histórias. Saíram de cartaz. +
A vida seguiu e outros amores vieram para beijar nossa boca, lamber nossa carne, tocar nosso corpo. Evitamos falar qualquer coisa no frenesi do balé dançado nos lençóis com o receio apavorante e real de dizer o nome acostumado sem querer à pessoa errada. +
O breve segundo de consciência sobre quem está encaixado em nós nos a concentração. Desesperados, tentamos artifícios para ir até o fim. Recorremos aos olhos fechados para garantir a presença ausente naquele corpo que agora explora o nosso. +
Vou contar essa história como evangelizador do amor.
Em 2002, eu fiquei todo troncho, roto e arrebentado porque meu casamento havia acabado. Minha ex-mulher resolveu cuidar da vida dela sem mim, me trocando por um índio por quem se apaixonara. Acontece. Shit happens. +
Foi quando eu a conheci, numa história que contando ninguém acredita. Fisioterapeuta, ela cuidou de mim, colocando tudo que estava desconjuntado no lugar, inclusive meu coração desmentido e luxado. Começamos a namorar, eu em Manaus e ela em Campinas. Eu ia e ela vinha. +
Até que em 19 de abril de 2003, eu e ela ficamos noivos em Campinas. No dia 20, ela deixou empregos e família e veio de mala e cuia pra Manaus. Ela me deu muito amor e duas filhas lindas. +
Ainda outro trecho de "O brilho do bronze [um diário]", de Boris Fausto:
“Fico um tempo contemplando os nomes de Cynira e de meu pai, gravados na lápide de bronze, e imagino que o espaço entre eles será ocupado por mim. +
A ideia não me assusta porque implica que a “ordem da prateleira” será obedecida, e mais: sinto-me protegido por essas duas inscrições-pessoas que me receberão de braços abertos. +
Envio um alô a meu pai, tratando de estabelecer melhores relações com ele, mas o centro das minhas emoções é Cynira. +
Há dias em que estou inquieto. O céu, mesmo azul, fica cinza. As músicas, mesmo as de paz, incomodam. A vida, mesmo bela, me desconforta. +
Mas há dias como hoje, em que o céu azul é de um azul aconchegante, em que as músicas, mesmo as ruins, embalam o ritmo das ações, em que a vida, mesmo cheia de problemas do cotidiano, já me basta para acordar sorrindo. +
A capacidade de discernir e de tentar manter a opção da paz de espírito é um exercício diário. É nossa obrigação lidar com a falibilidade e fraqueza. Bobagem vã querer eliminá-las. São elas nos fazem humanos. +
"Eu te amo. Eu também. Escolhi você. Escolhi você. Mas onde você estava? Com amigos. Que amigos? Uns amigos. Ela estava? Estava, mas o que importa: escolhi você. +
Mas e se ela quiser você? As pessoas podem querer bem umas às outras sem se querer para si e eu escolhi você. Mas se ela quiser? Pode querer, mas escolhi você. E se pintar o clima? Às vezes pinta mesmo, as pessoas flertam, mas e daí se escolhi você? +
Mas e se lhe assediarem? Assediam mesmo, acontece, mas escolhi você. Você deu carona? Dei. Deu?! Por quê? Porque as pessoas precisam voltar pra casa, eu estava disponível e não ia deixar que meus amigos que me fazem tão bem fossem de uber quando eu podia lhes dar carona. +
A cama dos pais tem um encanto e uma magia de ninar únicos. A cama dos pais traz um inexplicável pó de amor impregnado nos travesseiros que faz com que os filhos adormeçam imediatamente e que espanta o pior dos pesadelos e o mais angustiante terror noturno.
Ali, no meinho da cama dos pais, chegam, suados e assustados, os passarinhos voando de noite aos encontrões pelos corredores da casa. No meinho da cama dos pais é onde dorme o sublime refúgio dos medos. A paz absoluta e total repousa naquele espaço buscado no meio do sono.
E eles chegam pelos seus próprios pés ou trazidos por pais exauridos e vencidos. Fato é que buscam o lugar dos lugares e encontram no meinho da cama os pais os lençóis macios e o cheiro acolhedor dos genitores. Caem inertes e plácidos no sono doce, que nem porcos-da-mão-branca.