Bom dia. Postarei um fio sobre o "equilíbrio dinâmico" da política nacional. A fala de Hugo Motta sobre o ato terrorista de 8 de janeiro gerou grande agitação nas redes sociais. Contudo, a intenção não parece ter sido muito além disso: agitação. Vamos ao fio:
1) Vou começar com a "régua ideológica" da política brasileira. Para tanto, começo diferenciando esquerda de direita e ambas do extremismo. Esquerda é denominada a força (ou forças) política que luta pela igualdade social.
2) Já a direita enfatiza a diferença entre indivíduos (forte de fracos, inteligentes de pouco inteligentes, ambiciosos de indolentes) que eles classificam como base da "liberdade individual". Por aí, direita justifica a desigualdade social como fundada na diferença.
3) A divergência entre esquerda e direita é clássica. A direita acusa a esquerda de intervir na natureza humana, penalizando os bem-sucedidos e premiando os indolentes. A esquerda acusa a direita de perpetuar a desigualdade social e propor um projeto elitista e desumano.
4) Extremismo é o conceito definido pela ciência política (cito Bobbio como referência) para classificar as forças (de esquerda ou direita) que pregam a eliminação do contrário (ou ameaçam e chantageiam) com uso de violência (verbal ou física).
5) Agora já dá para apresentar a "régua ideológica" brasileira. Não temos extrema-esquerda no Brasil, embora exista um extremo nesta régua. Há muita confusão nas redes sociais a respeito. Extremismo não é uma posição nesta régua, é o uso ou pregação do uso da violência
6) Neste caso, esquerda brasileira seria PSTU, UP, PCBR, PCB, parte do PCdoB, parte do PSOL e parte do PT. No PT, temos dirigentes nitidamente de esquerda, como Valter Pomar e Genoíno. Mas, este não é o caso da corrente majoritária (de Lula)
7) Temos, ainda, forças que estão um pouco mais ao centro que a esquerda. Portanto, misturam algo da esquerda com algo da direita. São as forças socialdemocratas e social-liberais.
8) Socialdemocratas e social-liberais valorizam a agenda social e os interesses dos empresários (que a imprensa denomina de "mercado"). A diferença é de ênfase. Socialdemocrata prioriza a agenda social de promoção do bem-estar e subordina os interesses de mercado a esta agenda
9) Já o social-liberalismo inverte as variáveis da socialdemocracia: prioriza os interesses e o desenvolvimento empresarial, subordinando a agenda social a esses interesses. O lulismo está aqui.
10) Portanto, a agenda lulista está mais ao centro, pendendo à direita que parte do PCdoB, de correntes do PT e parte do PSOL. Para ficar mais claro, Boulos sempre apresentou uma agenda socialdemocrata em suas campanhas, mas nas eleições do ano passado, sua postura foi lulista.
11) A recente demissão do economista David Deccache da assessoria do PSOL na Câmara de Deputados tem relação com esta divisão interna no PSOL entre ala lulista (social-liberal) e as outras.
12) Voltemos à régua ideológica. A direita clássica pode ser resumida ao Centrão. O Centrão foi autodenominado assim durante a Constituinte de 1987. Eram forças oriundas da ARENA. Há autores que jocosamente denominam o Centrão de "Arenão".
13) O Centrão, atualmente, é uma mistura dessa direita oriunda da Arena, com os interesses pulverizados do baixo-clero. A somatória é uma desgraça fisiológica e de captura do Estado, balançando da direita para o extremismo, dependendo das condições de pressão e temperatura.
14) A fala de Hugo Motta sobre o ato terrorista de 8 de janeiro se localiza justamente aqui, como membro histórico do Centrão, aliado de Eduardo Cunha desde sua fase imberbe.
15) No Brasil há extrema-direita, o bolsonarismo. O bolsonarismo prega perseguição, defende o uso da tortura e faz ameaças de ataque violento, além de incentivar a violência política.
16) Ora, dado que o Centrão vem da Arena, o partido dos ditadores militares, há pontos de contato com o extremismo bolsonarista. Não se trata de uma identificação total, mas de um "equilíbrio dinâmico" entre o lulismo (que paga a fatura) e o bolsonarismo (que ameaça Lula).
17) A tese aqui é simples: Motta e Alcolumbre (também do Centrão) jogarão balões de ensaio todo santo dia. Se algum pegar, eles penderão para este lado; se não pegar, ficarão parados. Este é o jogo. Esta é a "régua ideológica" brasileira. (FIM)
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Bom dia. Inicio um fio sobre o livro de Leonardo Weller e Fernando Limongi, “Democracia Negociada”, que trata do período que vai do final da ditadura militar à queda de Dilma Rousseff. Lá vai:
1) O livro se constitui numa ilustração da encruzilhada que vive a sociologia brasileira. No século passado, grande parte da produção sociológica voltava-se para a leitura dos pares. Já no século 21, ficou patente que ser reconhecido pelos pares não bastava.
2) Dada a banalização da carreira, sociólogos passaram a buscar o grande público, cortar os excessos em citações, adotar títulos e capas chamativas, para além dos muros das universidades e think tanks muito especializados.
Bom dia. Prometi um fio sobre os atos terroristas de 8 de janeiro. E, também, sobre a origem de certo descaso popular em relação aos riscos à nossa democracia. Acredito que a fonte para as duas situações é a mesma. Lá vai:
1) Acredito que o ponto de convergência é o legado de 300 anos de escravidão no Brasil. De um lado, forjou uma elite nacional socialmente insensível e politicamente violenta, sem qualquer traço de cultura democrática
2) Nosso empresariado é autoritário e autocrático, como demonstram tantos estudos acadêmicos. Além de majoritariamente com pouca instrução, nosso empresariado desdenha eleições e procura se impor pelos escaninhos dos parlamentos e governos
Bom ida. Começo o fio sobre o futuro presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Mais um que tem seu poder local pavimentado pelas emendas parlamentares, a base do poder do Centrão. Lá vai:
1) Alcolumbre tem 47 anos e nasceu em Macapá. Trabalhou no comércio da família. Se elegeu vereador pelo PDT em 2000. Foi secretário de obras do município e em 2002 foi eleito deputado federal, sendo reeleito por 2 vezes. Em 2006, foi para o DEM
2) Em 2014, conseguiu a proeza de se eleger senador pelo Amapá, até então, um quase-protetorado dos Sarney. Aí começa sua saga nacional. Em 2019 é eleito presidente do Senado Federal, se reelegendo em 2022.
Bom dia. Aqui vai o fio sobre Arthur Lira. Daqui um mês, Arthur Lira deixa a presidência da Câmara de Deputados. Ele foi mais um da sequência iniciada com Severino Cavalcanti que passou a assombrar o establishment desta casa parlamentar
1) Severino foi apenas um susto. Mas, logo depois, veio o bruxo que alteraria de vez não apenas a lógica de lideranças e poder na Câmara de Deputados, mas a relação com o governo federal: Eduardo Cunha.
2) Lira entra nesta sequência, dando mais um passo na direção da subversão da lógica entre os três poderes: avançou sobre os governos Bolsonaro e Lula, chantageou à céu aberto e enfrentou o STF.
Boa tarde. Prometi um fio sobre a entrevista de Zé Dirceu em que cita o período contrarrevolucionário que estaríamos vivendo. ZD foi entrevistado pelo Breno Altman no “20 Minutos”, quadro do Opera Mundi (ver ).
1) Logo no início da entrevista, Breno pergunta qual a principal contradição na conjuntura mundial. Zé Dirceu descarta a hipótese de ser a disputa entre democracia e autoritarismo, que levaria à necessidade de uma ampla aliança. Esta não é uma resposta à toa
2) Zé Dirceu sugere que a principal contradição é a decadência relativa dos EUA. A decadência geraria um embate direto entre a maior potência mundial e seus rivais diretos que, na visão de ZD, seriam China e Rússia, seguidos pela Índia.
A guinada lulista está obrigando a esquerda (incluindo a petista) a se reposicionar perante ao governo. A deputada do PT RN, Natália Bonavides acaba de publicar artigo explicando sua votação contra o pacote de Haddad. Vou destacar alguns trechos:
1) Trecho 1: "os debates sobre o pacote de medidas envolveram posições (...) sobre qual será o impacto político das medidas na construção de um horizonte de país que rume à redução das desigualdades"
2) Trecho 2: "longe da visão despolitizada que acusa os votos de esquerda contra o pacote de serem votos fáceis e para "jogar para a galera" (...) a posição contrária aponta uma divergência de linha política profunda. Existe um desacordo de análise. "