Luís Fernando Tófoli Profile picture
Professor de Psiquiatria na Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, pesquisador de políticas de drogas e psicodélicos. Ele/dele. Posts mostly in Portuguese.

Mar 20, 2022, 23 tweets

Ainda sob o impacto de 'This is not America', do rapper porto-riquenho @Residente e da dupla franco-cubana @IbeyiOfficial, resolvi fazer um breve - e certamente incompleto - #cordel de referências nesta obra que deveria tocar profundamente qualquer latino-americano. Segue aí. 👇🏽

ALERTA: esse é um cordel com spoilers.

Se ainda não assistiu o clipe, recomendo dar uma pausa aqui na leitura e ir receber o impacto completo de ver o clipe.

Tá aqui o link.

Ah, antes de começarmos, este cordel é apenas um divertimento, não esgota a obra. Não coloquei todas as referências, apenas as que achei pessoalmente mais interessantes. Algumas eu conhecia e outras aprendi agora na internet. Se quiser trazer mais elementos, fique à vontade.

O clipe se inicia citando a obra do chileno Alfredo Jaar, que em 1987 fez uma intervenção em um painel eletrônico na Times Square, explicitando aos gringos o mote de toda a música: os EUA não são sinônimo de “América”.

Na sequência, é lembrada a ação direta liderada pela nacionalista porto-riquenha Lolita Lebrón na Câmara dos Deputados dos EUA em 1954, com os tiros deferidos por ela marcando o início da música.

Mais informações (em inglês): en.wikipedia.org/wiki/Lolita_Le…

Residente canta "2Tupac (o rapper estadunidense) se chama 2Tupac por causa de Túpac Amaru do Peru". Túpac Amaru II foi um líder da resistência indígena aos espanhóis e foi executado em praça pública sendo esquartejado por quatro cavalos. A cena do vídeo deixa clara a referência.

As representantes femininas do Exército Zapatista de Libertação Nacional, grupo revolucionário de Chiapas, no México, são referenciadas na cena em que se diz que “o facão não é só pra cortar cana, também é pra cortar cabeças”.

Residente ainda menciona os “falsos positivos” na Colômbia, uma prática de execução sumária de pessoas inocentes como forma de tornar “exitosos” os números de baixas no combate ao narcotráfico. A prática aconteceu por muitos anos, mas se tornou muito comum entre 2006 e 2009.

Enquanto isso, no maior país da América Latina, em uma clara referência a Bolsonaro, o presidente do Brasil almoça carne da pecuária que devasta a Amazônia e limpa a boca na bandeira nacional, em frente a um menino indígena que parece passar fome.

Residente menciona "cinco presidentes em onze dias", referindo-se à crise que ocorreu na Argentina em dezembro de 2001, o 'Argentinazo', quando o caos político e social levou a uma sucessão de presidentes e 39 mortos em protestos.

Mais (em espanhol): es.wikipedia.org/wiki/Crisis_de…

Nem a Venezuela é poupada, em uma cena em que o um manifestante brande o dedo médio para um batalhão de choque, enquanto outro desfila com o pavilhão venezuelano, provavelmente em referência aos protestos contra Maduro (que continuam a acontecer mesmo hoje).

A cena mais forte de todo o vídeo remete ao assassinato do músico Víctor Jara pela ditadura de Augusto Pinochet, ao mesmo tempo que cita a obra que exalta e critica ao mesmo tempo, “This is America”, de Childish Gambino, pois a letra diz: “Gambino, meu mano, isso sim é América”.

A cena acontece em um estádio de futebol, lembrando o fato de que o Estádio Nacional do Chile foi transformado, no início da ditadura militar de Pinochet em campo de concentração e execução de opositores. Jara foi executado com 40 tiros neste estádio, que agora recebe seu nome.

Outra cena forte em que aparece o Brasil mostra uma imagem dividida no meio, onde um homem negro segura a Copa do Mundo com a mão direita em um estádio de futebol, e com o braço esquerdo ele segura um fuzil em uma favela. A imagem é tão auto eloquente que dispensa explicações.

Quase no fim, uma manifestante envolvida em uma bandeira, remetendo uma foto em uma marcha de protesto contra golpe militar no Chile acontecida em 2016, sopra fumaça (de que?) no rosto de um policial do batalhão de choque.

No vídeo, no refrão da música e até no pingente de Residente há referências ao símbolo do facão (“machete” em castelhano). Trata-se de uma clara homenagem ao Exército Popular Boricua, grupo rebelde que demanda a independência de Porto Rico dentro de uma perspectiva socialista.

Bem, foram apenas algumas referências, e, repito, elas estão longe de se esgotar aqui. Assista ao clipe de novo (recomendo para entender as letras a versão com legendas em português) e, se quiser, traga mais referência nas respostas a este cordel.

Como disse, usei algumas fontes na rede para entender melhor o clipe. Seguem algumas delas, incluíndo o tuíte de @biencatalino (nenhuma em português).




Se quiser uma versão um pouco mais fofa da nossa linda América Latina, mas tão emocionante quanto “This is not America”, veja ou reveja “Latinoamérica”, do Calle 13, do qual também faz parte Residente.

Correção

Conforme apontaram gentilmente @IrlanSimoes, @bananahamockann, @CMoralesR e @Andr6De, a execução de Jara foi no Estádio Chile, menor, e que recebeu seu nome, e não no Estádio Nacional. Ambos foram usados pela ditadura.

Peço desculpas e agradeço pelo toque, pessoal.

O @GuidoAnselmi9 ainda apontou que o local da execução, apesar do nome, é um ginásio e não um estádio. O clipe toma uma certa “licença poética” neste ponto e induz ao erro histórico.

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