A ciência deveria apenas levar o homem a evolução do conhecimento, porém ela já revelou a face mais perversa da humanidade ao atribuir raças à humanos. No Brasil da pós abolição, ela foi usada para criar ideologias racistas e um plano eugenista que exterminaria negros do país
Tudo começou com Francis Galton, antropólogo e primo de Darwin. Ele acreditou que a sua teoria de seleção natural, também se aplicaria em humanos, comprovando que o intelecto era hereditário. Criando então o termo “eugenia” que significa “bem nascido”
O historiador Henry Thomas Buckle, quando esteve no Brasil (1860) considerou o país “nocivo a saúde”, a comunidade de intelectuais internacional repudiava a configuração brasileira por haver muitos negros e mestiços aqui.
Para tirar o Brasil desse atraso “civilizatório”, intelectuais, políticos e membros da elite brasileira se empenharam em um plano para higienizar o povo. Foi o Movimento Eugênico Brasileiro, com organizações surgindo inicialmente em São Paulo por volta de 1917.
O movimento também respondeu aos anseios dos escravagistas que queriam novas ferramentas para hierarquizar a sociedade. Os antigos escravos foram abandonados sem uma política de integração e ainda sofriam o repúdio de toda a sociedade.
Essa pseudo-ciência acreditava que a raça dos pretos e índios era, não apenas inferior, mas que o alcoolismo, perversão sexual, criminalidade e várias doenças que assolavam o país estava diretamente ligada ao sangue das raças inferiores - que deveriam ser, portanto, exterminadas
Em 1919 foi publicado “Annaes de Eugenia” - lançado pela Editora da Revista do Brasil,
do escritor Monteiro Lobato - ávido participante da sociedade de eugenía em SP
Liderados por Renato Kehl, os eugenistas publicavam o Boletim da Eugenía e Organizaram no Rio de Janeiro o 1° Congresso Nacional de Eugenía (entre que circulou entre 1929 e 1933)
Essa história parece aquelas em que um bando de cientistas loucos ficam maquinando planos tenebrosos em uma colina. Seria menos, mas na realidade o Governo Brasileiro resolveu apoiar a eugenía e ela se tornou principal linha de higienização e saneamento da população
Em 31 foi fundada a Comissão Central Brasileira de Eugenia, tendo a Higiene, o Saneamento, a Educação como seus principais pilares. Não houve leis de segregação, porém houve uma propaganda e política educacional para impedir misturas de raças
O processo de eugenia no Brasil teve seus pilares construídos graças à Constituição de 1934: Artigo 138, “a União, os Estados e aos Municípios, nos termos das respectivas leis caberia: a) estimular a educação eugênica”.
As universidades de medicina e saúde em todo país passaram a utilizar obras de Khel como “Eugenia e medicina social” e “Sexo e civilização”. As discussões passaram por uma simbiose com os temas de sanitaristas brasileiros
Paralelamente, havia um esforço para branqueamento da raça, através das políticas de imigração. Esse documento de 1938 revela o plano do governo de SP que trouxe 50 mil portugueses, afim de clarear a raça brasileira seguindo a eugenia que era aplicada no país.
Em 1949 Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei nº 7.967, de 18 de Setembro de 1945 com caráter eugenista - tenho certeza que algum parente seu nasceu neste ano (como minha avó) e toda a sociedade foi afetada por esses ideais.
Na prática, os negros eram excluídos do sistema de saúde e dos benefícios sociais. Sem emprego e sem assistência, o que eles queriam é que todos os descendentes dos africanos desaparecessem do país em umas ou 6 gerações, conforme o próprio Khel
Se você é negro e está lendo isso, entenda: O governo trabalhou para te exterminar. Negros pele clara, correspondem à falha desse projeto de clareamento, não deveriam existir. E os retintos mais ainda, deveriam ter sidos apagados do mapa brasileiro.
É muito fácil encontrar em registros históricos de publicações da época termos como “defesa da raça, saúde da raça, higienização da raça” - se vc está em uma universidade antiga, procure novos documentos nas bibliotecas com esses termos e vai se surpreender
Os supremacistas ardilosos só não contaram com o fato de que os negros são mais fortes do que eles imaginavam. Não morremos, a resistência é uma arte ancestral. Vários movimentos surgiram para confrontar isso, da Revolta da Chibata à Frente Negra Brasileira
Com o surgimento do governo militar a eugenia, que já era aplicada pelo exército, ganhou um caráter de supressão cultural e ideológica, sobre o mando da democracia racial (que agora se chama “o Brasil é a minha cor”).
Enquanto perseguiam manifestações negras, os militares continuaram com o plano eugenista, só que o regime militar tinha um cagaço tremendo dos negros se revoltarem então não propagavam ódio aos negros, mas supervalorização da “raça brasileira”
Vários concursos de beleza entre crianças e mulheres foram promovidos para encontrar as características perfeitas segundo os conceitos da eugenia. Esses concursos eram frequentes até o final do regime militar.
Basicamente todos os estereótipos raciais ou quase que toda a construção do racismo cordial brasileiro se deu ao movimento de eugenía que se arrastou por décadas, é muito difícil saber quando foi (oficialmente o seu fim) mas estimo que tenha sido junto com o governo militar
O que implicaria que ainda estamos vivendo sobre a sombra do racismo científico brasileiro. Ela impactou tantas dimensões sociais, da criminalística à educação pública. Para ler o boletim da eugenia e encontrar as referências que utilizei acessem - memoria.bn.br/DocReader/DocR…
Para conhecer mais de toda essa monstruosidade que consolidou um pensamento racista e mecanismos sócio-econômicos de hierarquização das raças no Brasil assistam -
• • •
Missing some Tweet in this thread? You can try to
force a refresh
Quando os primeiros navegantes se depararam com pessoas negras nos séculos XVI eles as descreveram como "seres imundos e inferiores", muitas vezes relacionavam o mau cheiro à pele negra.
O mito racial que se consolidou nos séculos seguintes defendia uma total distinção das características físicas e mentais entre negros e brancos, mesmo no Brasil os intelectuais do início da República (até alguns abolicionistas) defendiam essa crença
"A Raça Megra no Brasil, por maiores que tenham sido seus incontestáveis serviços à nossa civilização... há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como Povo" - Nina Rodrigues
As vezes me perguntam como eu consigo ter amigos de vários espectros políticos e a resposta está na realidade: minha família é assim, tem todo tipo de gente, de reacionário fã de milico à petista roxo.
Acho que essa dicotomia esquerda vs direita tem contornos mais definidos na internet e também nas capitais, porque no interior é tudo meio nublado e até mesmo candidatos da esquerda exibem um conservadorismo com pautas de "família tradicional" e armamentista 😐
É uma bagunça, que a gente tenta organizar distribuindo informação, conversando sobre assuntos que nem sempre conseguimos aqui nas redes sociais. Tenho um tio que é gado bolsonarista e esses dias tava concordando que a corrupção na polícia é um dos maiores problemas
Saí do painel da UFRJ inspirado por conhecer outras visões sobre #Afrofuturismo. Aliás é interessante perceber que a discussão partindo do pessoal da tecnologia pode ter contornos bem diferentes da arte, pois eles tentam materializar um imaginário afrofuturista em nossa realidade
Enquanto eu, como ficcionista, não me interesso em construir mundos possíveis, mas de fazer a jornada da exploração imaginativa, que pode até explicar uma essência científica, porém pretende extrapolar ela.
Hugo Gernsback, por exemplo, define o SCIFI como "Um romance cativante, entremeado de fatos científicos e uma visão profética"
Hugo dá nome a um dos principais prêmios do gênero, recebido pela mãe do Afrofuturismo, Octavia Butler com a obra Speech Sounds e Bloodchild
A grande substituição é uma teoria criada por supremacistas que teorizam sobre o genocídio branco através da miscigenação e da imigração em países Europeus. Ela foi citada pelo terrorista que matou 51 pessoas em um massacre em duas mesquitas na Nova Zelândia (2019)
"A crise de imigração em massa e níveis sub-reposicionários de fertilidade são um ataque contra o povo Europeu, que se não combatido, resultará na completa reposição racial e cultural do povo Europeu." - Trecho do Manifesto Terrorista
Esse tipo de propaganda é distribuída também por alguns grupos NeoNazistas no Brasil e seu pensamento é bastante compartilhado por membros da extrema-direita.
A abolição da escravatura não pode ser reduzida a uma história da Disney, onde os heróis são simplesmente reis e princesas. Diversos nomes ecoaram como o brado da liberdade, um deles eu conto aqui: Prudhome, o José do Patrocínio #13deMaio
Conhece a expressão "filho do padre", é assim que começa a saga do José. Filho de um vigário que engravidou Justina do Espírito Santo, uma menina de 15 anos, escravizada em Campos dos Goytacazes (RJ). Mesmo sem reconhecer o moleque, o mandou pra viver na sua fazenda
Viveu entre os negros escravizados e assistia de perto cada castigo imposto aos seus iguais. As cenas alimentaram sua alma com um sentimento que ainda não tinha nome, mas que podemos chamar hoje de "liberdade negra".
Criei uma série para contar as histórias dos grupos supremacistas brasileiros e personagens do submundo que agora estão se organizando graças aos sinais emitidos pelo governo Bolsonaro
Listei alguns dos principais episódios pra ficar por dentro dessa conversa
Começando pelos nazistas que estavam escondidos no país (e outros que não precisaram se esconder)