Conto uma história sobre o que militares chamam de "estranha coincidência" entre algumas terras indígenas e reservas minerais na Amazônia. Não é bem coincidência, mas poucos conhecem o papel de um poderoso ex-ministro da ditadura e de geólogos nacionalistas nesse arranjo. Segue:
A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha acompanhou na Constituinte (87) a negociação do capítulo sobre direitos indígenas. Até então o Estado tinha a perspectiva de que os índios se misturariam com outros brasileiros, logo, não precisavam de muita terra. A Constituição mudou tudo
Ao reconhecer os direitos dos indígenas à reprodução física e cultural, a Carta abriu o caminho para a demarcação de terras extensas. Mas grandes mineradoras pressionavam para impedir que terras fossem demarcadas em cima de reservas minerais. Eis que dois 'milagres' operaram
A Coordenação Nacional de Geólogos se opunha à entrada das mineradoras em áreas indígenas, temendo que as riquezas fossem esgotadas. Eles então se aliaram aos indígenas para que as terras demarcadas pudessem coincidir com as reservas minerais. Assim, ambas seriam preservadas
A aliança entre indígenas e geólogos foi fundamental para que o capítulo constitucional sobre os direitas indígenas não fosse alterado na Constituinte. Mas ainda faltava convencer os políticos a aprovar o texto. Eis que o segundo milagre ocorreu
A negociação do capítulo caberia ao deputado Jarbas Passarinho, um dos mais influentes ministros da ditadura militar. Anos antes, a esposa de Passarinho havia morrido em Altamira. E o bispo do Xingu, d. Erwin Krautler, havia concordado em realizar o enterro
Acontece que d. Erwin era um fervoroso defensor da causa indígena. Quando Jarbas Passarinho lhe perguntou como poderia retribuir o gesto, o bispo pediu seu apoio para aprovar o capítulo indígena na Constituinte. Passarinho se empenhou e conseguiu a aprovação
Aprovada a Constiutição, vieram as grandes demarcações. Hoje terras indígenas respondem por 13% do território brasileiro - muito menos do que antes da chegada dos portugueses, mas bem mais do que se imaginava possível num passado não tão distante.
O episódio é narrado por Manuela Carneiro da Cunha, professora de Antropologia da USP, no precioso livro "Os índios na Constituição", recém-lançado e organizado por Camila Dias e Artionka Capiberibe, da Unicamp. Conto parte desta história aqui: bbc.com/portuguese/bra…
Um detalhe importante: só foram demarcadas terras indígenas em áreas ocupadas historicamente pelas comunidades - independentemente da presença de riquezas minerais. O temor na Constituinte é que essas áreas ficassem de fora por causa da pressão das mineradoras. Mas elas perderam

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Nov 30, 2021
Barbados, a mais nova república do mundo, tem uma colônia importante em Rondônia

São descendentes de operários que ajudaram a erguer a ferrovia Madeira-Mamoré há mais de um século

Eis uma história pouco conhecida de imigração negra para o Brasil:
Os “barbadianos” vinham na verdade de vários países caribenhos, recrutados a partir do porto de Barbados

Vários ajudaram a fazer o canal do Panamá e depois vieram ao Brasil fazer a ferrovia Madeira-Mamoré, compromisso que o Brasil assumiu depois de comprar o Acre da Bolívia
Imigrantes de vários países trabalharam na construção em condições bem precárias. Havia surtos de malária, falta de comida, acidentes

Um grupo de 75 italianos abandonou a obra e fugiu para a floresta. Nunca foram achados

O caso é narrado no livro “A ferrovia do diabo”
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Oct 18, 2021
Comunidades na foz do Amazonas, o maior rio DO MUNDO, não têm água para beber há semanas

É possível que parte da culpa seja de búfalos (ou melhor, de quem resolveu criá-los nesta parte da Amazônia)

Eis uma das histórias mais surreais que ouvi nos últimos tempos. Fio:
Primeiro, vamos nos situar

As comunidades hoje sem água para beber moram no arquipélago do Bailique, que fica na foz do rio Amazonas, no Amapá

Por essa região, nada menos do que um quinto de toda a água doce do planeta é escoada para o mar. Como então elas não têm o que beber?
Parte da resposta tem a ver com um fenômeno natural

Nesta época do ano, o fluxo do Amazonas diminui, o que facilita o avanço da água salgada (imprópria para o consumo) rio adentro

Quando o rio sobe no fim do ano, o fenômeno perde força, e a água volta a ficar doce. Porém...
Read 17 tweets
Sep 28, 2021
A região engolida pela tempestade de poeira em SP está no coração do agronegócio paulista e é a área mais desmatada de todo o Brasil

Alguma relação entre esses fatores? Vem comigo neste fio: Image
Primeiro, um mapinha. No círculo em vermelho, a área onde a nuvem se formou

Na microbacia de Franca, uma das cidades mais afetadas, sobrou 10% de vegetação nativa; em Barretos, 5%

Em todo o Estado, são 17,5% - quase tudo em áreas serranas onde a agricultura é impraticável Image
Isso faz com que SP, o 12º maior Estado brasileiro, tenha a 2ª maior área agrícola do país, só atrás de MT

Quem já viajou pelas rodovias Anhanguera ou Bandeirantes sabe do que estou falando.

Raros são os momentos em que o carro não está cercado de cana por todos os lados Image
Read 11 tweets
Aug 11, 2021
Poucos sabem, mas existe um deserto do tamanho da Inglaterra no interior do Brasil

Só que, diferentemente de desertos naturais como o Saara ou o Atacama, o nosso foi criado pela ação humana e fica numa região densamente povoada

E pior: ele está se expandindo

Segue o fio:
Este é um dos principais núcleos de desertificação no Semiárido brasileiro, nos arredores de Cabrobó, Pernambuco

Reparem como a paisagem mudou de 1964 a 2020

Hoje só resta algum verde ali em plantações irrigadas com a água do rio São Francisco
Este outro núcleo de desertificação fica no interior da Bahia. Em 1984, a paisagem ainda era relativamente homogênea

Em 2020, vê-se claramente o avanço da desertificação nos arredores do município de Irecê
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Jun 21, 2021
Fala-se muito que a falta de chuvas pode levar o Brasil a um apagão no setor elétrico nos próximos meses

Mas a situação tem se agravado conforme destruímos nosso principal bioma responsável por absorver as águas das chuvas e soltá-la regularmente ao longo do ano, o CERRADO

Fio:
Nascem no Cerrado 8 das 12 bacias hidrográficas do Brasil, entre as quais a do Paraná, central para a produção hidrelétrica no país

Diferentemente do que muitos imaginam, 80% água desses rios tem origem subterrânea. Mas a destruição do Cerrado golpeia o funcionamento do sistema
Há milhões de anos, as plantas do Cerrado desenvolveram raízes profundas e ramificadas para sobreviver no bioma. Quando chove, essas raízes encharcam e permitem a chegada da água até lençóis freáticos e aquíferos

São esses depósitos que alimentam o fluxo dos rios mesmo na seca
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Nov 28, 2019
Em 1997, membros do Greenpeace foram presos ao protestar em Santarém, mesma cidade onde ambientalistas foram detidos na 3ª

Ao cobrir aquele episódio, a Folha ouviu o dono de uma madeireira crítico à ONG. Chamava-se Alexandre Rizzo, O MESMO NOME do juiz que prendeu os brigadistas
Há dois dias questiono o juiz Alexandre Rizzo se ele é ou tem parentesco com o madeireiro citado na reportagem de 97. Um assessor me disse que lhe repassou o questionamento, mas ele não quis responder. A madeireira deixou de operar há vários anos
Cito essa historinha nesta matéria sobre as disputas que há décadas opõem poderosas famílias de Santarém a ONGs e ambientalistas. A briga aumentou nos últimos anos conforme o turismo cresceu na região, impulsionado por visitantes de SP bbc.com/portuguese/bra…
Read 11 tweets

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